Logo de cara, sobre este assunto, gostaria de indicar o material publicado pela Editora Sundermann: “Marx, sobre as crises econômicas do capitalismo”, na época (2009), organizado por Daniel Romero. Trata-se de um livro muito interessante para quem deseja ir a fonte: o próprio Marx. Este livro nos trás textos de Engels e Marx sobre as crises do capital, a saber: A situação da classe trabalhadora na Inglaterra; Teoria da mais valia; O Capital e Grundrisse. Uma leitura fundamental para entendermos o que vivemos e agora, escrevemos ao leitor.
Diante da crise, a burguesia sempre tentou amenizar a situação. León Trotsky já nos apresentou esta consideração esfarrapada que a burguesia e os reformistas nos dão: “Economistas burgueses e reformistas, que tem um interesse ideológico em embelezar a situação difícil do capitalismo, dizem: em si e por si a atual crise não prova nada; pelo contrario, é um fenômeno normal” (TROTSKY, 2008, p.35). Assim como Trotsky, não concordamos com isso!
Vivemos em tempos de crise acentuada do capital. E não se trata de uma crise apenas localizada no Brasil, basta olharmos para América Latina e constataremos que a luta de classes está cada vez mais forte. Diante da queda tendencial da taxa de lucros, a burguesia necessita retomar (internacionalmente) o crescimento de seus lucros. Para isso age diretamente no chão da fábrica, impondo cada vez mais medidas abusivas aos trabalhadores: atraso de salário, diminuição do salário, assédio para trabalhar horas a mais (entrando mais cedo e saindo mais tarde), aumento do ritmo de produção e até mesmo promessas idiotas de recompensas fúteis para os que atenderem estas imposições, chegando até as demissões e fechamento de plantas.
Tudo isso, nós sabemos, torna a vida dos trabalhadores uma verdadeira rotina de desgraças. Muitos morrem, outros adoecem e muitos outros tentam resistir do jeito que podem (se organizando ou aceitando a crise).
Mas a burguesia não se limita a este tipo de ação para retomar o crescimento da taxa de lucro. Ela se apoia nos governos, financiado por ela através das eleições, concretizando a democracia dos ricos. O Estado não é neutro. Até mesmo o “paí” do liberalismo político, John Locke, explicava a criação do Estado pelos donos de propriedade privada (homens bons), com o objetivo de melhor proteger a mesma, e isso tudo em 1681!
O Estado foi criado pela classe dominante para servir aos seus interesses (o tempo todo), principalmente em tempos de crise aguda do capital. Para isso ela joga para o campo democrático-burguês (na maioria das vezes) toda a classe trabalhadora, que sabemos, acaba sendo obrigada a pagar a dívida dos patrões. O Estado é burguês e é utilizado pelos capitalistas para retomarem o crescimento da taxa de lucros, há séculos. É importante reafirmar que esta necessidade de retomada das taxas da burguesia é uma necessidade global, por isso os planos de austeridade impostos para a classe trabalhadora no mundo, de forma desigual, porém altamente combinada!
No Brasil, desde 2007-2008, já apontávamos para as manifestações da crise mundial, embora o Estado, na época governado pelo PT, dissesse se tratar de apenas uma “marolinha”!. A afirmação de Lula foi desmentida com força e de lá para cá, o prognostico da crise no Brasil se mostrou correto. Estamos diante de uma grande manifestação da crise.
Há mais de 10 anos, hoje, no Brasil, o descontentamento dos trabalhadores se agudiza. Amargamos, de acordo com o IBGE (agosto deste ano), com 27,6 milhões de desempregados. O PT (juntamente com MDB de Temer) não governou para os trabalhadores, pelo contrário, governou para o capital, para a burguesia. A classe trabalhadora não saiu na defesa de massas do governo Dilma. A maioria dos trabalhadores aceitou a instrumentalização parlamentar do impeachment (e ele existe exatamente para isso!), os trabalhadores não saíram às ruas contra a prisão de Lula (e o PT nem queria isso!). Diante deste cenário de crise que se arrasta agudizando desde 2007, os governos de conciliação de classes escolheram muito claramente manter o nefasto jogo de alianças junto aos seus chefes: a burguesia e suas frações de classe.
Criou um conjunto de narrativas que não se sustentam na realidade histórica mais imediata: o tempo presente. Parte de seus dirigentes inventaram a narrativa do golpe. Diante deste suposto golpe era necessário combater os golpistas, para isso vai mobilizar seus intelectuais para o desenvolvimento desta narrativa através de palestras, cursos, etc. Mas o que vimos foi exatamente o contrário. Mal foi dado o suposto golpe e a cúpula do partido (PT) já estava lá deliberando (internamente) as alianças com os golpistas para as eleições municipais! Calma, não acabou ainda… Muitos quadros importantes do PT não “gostavam” dessa narrativa do golpe, como é o caso de Fernando Haddad. Neste caso, Haddad, continua não concordando com golpe e vai demonstrar isso abraçando os supostos golpistas com palavras decorosas de dar orgulho em muita gente (talvez a família de Renan Calheiros seja emblemática). As construções destas narrativas são artificiais. Marx e Engels desenvolveram um conceito preciso para isso: Ideologia.
Mas não pararam por ai. Outra narrativa construída é a do fascismo. Esta veio somar com a do golpe. Estaria acontecendo a ascensão do fascismo no Brasil e seria necessário apoiar o PT para que se combatesse este grande mal. De acordo com a narrativa (Ideologia) seria preciso votar no PT para se combater o fascismo no Brasil. Francamente!
Evidentemente existem grupos políticos que desejaram dar um golpe institucional do governo petista de Dilma, mas não o fizeram, pois o regime lhes garantiam instrumentos para o afastamento de quem governa o executivo. Também é evidente que o fascismo existe sim no Brasil, inclusive, graças ao governo de Vargas que Lula tanto elogiou! A questão aqui é outra: as narrativas petistas trabalham com meias verdades para esconder a sua responsabilidade política diante da classe trabalhadora. O PT é o grande responsável pelos desdobramentos da crise e o seu combate no Brasil.
Durante anos de conciliação de classes, prometendo fazer o impossível (unir trabalhadores e empresários), causou o amortecimento da luta de classes, funcionando como um macio colchão entre os interesses dos trabalhadores e da burguesia. E não fez isso para defender os trabalhadores, o fez a mando da burguesia!
Diante da história tradicional e conservadora, de séculos, passando por ditaduras militares, o PT, muito mais do que o PCB (também reformista e conciliador de classes neste período da história), foi construído como possibilidade concreta de um partido feito por trabalhadores, para defender os trabalhadores. Muita gente ajudou a construir este partido, deu sua vida. Outros chegaram depois, ainda acreditando em um partido dos trabalhadores. A Verdade é que desde 1989, o PT fez uma escolha: a de partilhar para governar. Ou seja, se curvou à lógica da reação democrática da burguesia.
Hoje o PT é um partido de gente rica, seus dirigentes não são dirigentes trabalhadores, no sentido político que já se reivindicou (muitos são bilionários). A classe trabalhadora não se vê mais representada pelo PT há muito tempo. Conseguem sustentar a duras penas a narrativa (Ideologia) de que são dos trabalhadores, porque ainda controlam fortalezas sindicalistas como a CUT. E sobre este aspecto, coloca outra desgraça para a classe trabalhadora, pois este sindicalismo pelego, burocrático, apenas ajuda a patronal e deixa para classe trabalhadora uma descrença violenta na representação sindical e o papel dos sindicados para a luta! O mesmo desdobramento ocorre com os partidos políticos e as representações políticas! Isso tudo muito bem sintetizado na expressão popular: “sindicato não faz nada”, “político é tudo igual, só pensam neles”.
Marx e Engels na Ideologia Alemã escreveram:
“As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes, isto é, a classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante” (MARX e ENGELS, 2007, p. 47).
Antes de condenarmos a classe trabalhadora, é preciso entender ela. É claro que muitos sindicatos são extremamente sérios e que há partidos políticos revolucionários, mas qual é a grande referência para as massas? São as referências de tudo que existe de hegemônico na história do Brasil e o PT se somou ao o que existe de pior na história política mundial. Diante deste cenário, a classe trabalhadora, uma grande maioria, presa na política que o próprio PT ajudou a ser educada… Olham para a cena política e já não confiam mais nos que ai está. Ainda refém da reação democrática da burguesia, presa ao individualismo e personalismo, acaba por buscar outras saídas, ou seja, é trocando as personalidades (líderes políticos) que ai está e que não as representam mais hegemonicamente, por outras que “ao menos a gente sabe que não é o que conhecemos”. Que tragédia.
Muita gente esta apoiando um candidato da burguesia e que ataca até mesmo os interesses democráticos da própria burguesia. Isso acontece por que Bolsonaro tem o apoio de uma fração da classe burguesa mais reacionária da história brasileira. E o PT deve ser apontado como responsável maior de todo este movimento dos trabalhadores que apoiam uma proposta de governo irracional, pois defende abertamente o machismo, homofobia, lgbtfobia, racismo, etnocentrismo e por ai vai.
Os apoiadores de Bolsonaro (candidato à Presidência, que defende torturadores e faz apologia à ditadura militar) estão sendo chamados por muitos como fascistas (em grande medida pela narrativa petista sobre o fascismo). Isso é um erro grave! Por quê?
Porque o apoio à um candidato que representa o que há de pior na política hegemônica da burguesia, não significa que este eleitor faça parte de uma falange urbana, ou mesmo a organizações armadas contra o regime, contra a constitucionalidade. Pensar assim é ignorar plenamente os elementos que apresentamos anteriormente. Seria simplista até mesmo pelo fato de generalizar as particularidades diante do universal de cada voto dado aos “coiso” no primeiro turno. Esta leitura simplista interessa ao PT e suas colaterais. A narrativa petista do “fascismo” ignora (propositalmente) até mesmo os marcos do regime que o nefasto Bolsonaro utiliza para chegar ao poder e representar a burguesia. Esta explicação não interessa a classe trabalhadora e as organizações revolucionárias! É preciso ganhar politicamente a classe trabalhadora. Condená-la, a justiça da burguesia já faz todos os dias.
É verdade que o fascismo existe e ele deve ser combatido nas ruas, não nas urnas. Os grupos neofascistas não são hegemônicos, principalmente se observamos os votos recebidos por Bolsonaro. Esta maioria que se manifesta deste nefasto candidato, mais expressa o seu descontentamento com a frente popular, conciliadora, encabeçada pelo PT. Associando a isto, séculos de uma formação social conservadora; reacionária; escravocrata e entregue aos interesses do imperialismo, temos um descontentamento histórico da classe que trabalha para sobreviver e que está desesperada para encontrar uma saída para a crise que vive no tempo presente. E reafirmamos, Engels e Marx continuam corretos, pois diante do desespero, ainda hoje, a classe é educada para procurar uma saída para os seus problemas através das ideias das classes dominantes (na qual somos majoritariamente educados) e a questão é que a “saída de emergência” foi ensinada errada propositalmente, ou seja, que a “saída” está em eleger outro açougueiro, quando na verdade a saída deve ser para além do açougue!
Respondam com honestidade intelectual: todos que conhecemos e que votam em Bolsonaro são realmente neofascistas? Nosso trabalho é organizar a classe, contra a burguesia, os racistas, machistas, lgbtfóbicos, contra os neofascistas, contra os latifundiários e todos esses jamais serão destruídos com as eleições da burguesia. As demandas da classe trabalhadora jamais serão atendidas com as eleições. Nunca foi. É preciso ganhar politicamente a classe trabalhadora. Esta é a tarefa mais árdua daqueles que defendem a construção da luta revolucionária organizada.
Uma imperiosidade se apresenta: como melhor conquistar a classe trabalhadora para a luta organizada? Diante de um governo da democracia da burguesia, cheia de limites estratosféricos (jamais confundir a democracia burguesa com a democracia operária) ou diante de um governo declaradamente antidemocrático e de apologia às ditaduras e as torturas? Aí está colocada parte das tarefas do nosso tempo sobre o que fazer diante da acentuada crise do capital.
Referências:
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: Crítica da mais recente filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
ROMERO, Daniel. Marx sobre as crises econômicas do capitalismo. Trad. Diego Siqueira. São Paulo: Editora Sundermann, 2009.
TROTSKY, León. Imperialismo e crise da economia mundial. Trad. Roberto Barros. São Paulo: Editora Sundermann, 2008.