A primeira coisa que devemos nos perguntar é: do que se trata esse voto útil? Entra eleição sai eleição, entra presidente sai presidente, mas a vida da maior parte da população não se altera, permanecendo quase sempre perpetuada pela pobreza, pela miséria, pela falta de moradia, falta de renda, falta de educação, falta de saúde e por políticas públicas que em nada alteram esta situação. Estamos a falar do sistema eleitoral, tal sistema que se diz parte de um composto democrático. Diante disso, ouvimos expressões como a “festa da democracia”, “protesto na urna” e o próprio “voto útil”. Bem-intencionados, depositamos o nosso voto com a esperança de fazer a diferença, bem como com a esperança de que o nosso candidato possa ganhar e realmente mudar a situação dada quando, ao contrário, muda muito pouco ou quase nada. Percebemos que aquilo que se propõe a ser democrático, considerando um espaço de deliberação nacional, não atende aos interesses de uma maioria, mas de uma minoria que controla a economia e, consequentemente, a política. Quem são aqueles que estão no poder ou que o disputam se não os “velhos lobos em peles de cordeiros”, financiados por bancos, multinacionais, agronegócio etc., etc.? Quem é a maioria da população se não aqueles que são explorados pelos que financiam tais candidatos e seus projetos? Certamente, não são os interesses dessa maioria que eles vão atender. De quatro em quatro anos, se tratando de uma eleição presidencial, precisamos escolher entre aquele que vai nos bater com o chicote e o que vai passar nossas mãos a ferro. Neste conjunto todo se insere o chamado “voto útil”. Ainda assim, temos a questão que não quer calar: do que se trata esse voto útil?
Depois de toda esta exposição, é difícil pensar se realmente há um voto útil. Entenda-se como voto útil o voto que se direciona não para um candidato de sua preferência, mas a um candidato que tenha reais chances de vencer diante de um outro pelo qual achamos que não deveria, sob circunstância alguma, ganhar. Assim, também cabe como voto útil uma situação em que não há candidato dito “ideal” e, logo, é necessário votar em um que possa derrotar aquele do qual merece nosso repúdio. Isso é muito comum em um segundo turno eleitoral, pensando as eleições no Brasil. Com isso, hoje, grande parte da esquerda tem a sua preferência por Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), ou Ciro Gomes, do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Assim, há quem diga que se deve votar em Ciro Gomes porque este tem mais chances de vencer um eventual segundo turno contra Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), diferente de Haddad, que fica tecnicamente empatado, tendo como base pesquisas de intenção de votos. Porém, em uma probabilidade de uma decisão entre Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), há quem diga que se deve votar no último, impedindo a vitória de um candidato fascista, autoritário, homofóbico, racista, machista etc., etc. Porém, diante disso, há de se questionar: qual a diferença que há entre Haddad, Ciro, Alckmin e Bolsonaro?
Estamos a falar não de qualquer eleição, mas de uma eleição burguesa, ou seja, de uma eleição decidida pelos ricos, a minoria da população. Todavia, também não se trata de qualquer eleição burguesa, mas de uma eleição burguesa diante de uma crise acirrada do capitalismo, de onde temos um maior aprofundamento da luta de classes. Soma-se a isso, uma crise de direção revolucionária (TROTSKY, 2018). Logo, não há possibilidade de superar esse sistema se a classe trabalhadora permanece nas ilusões das velhas direções, sendo estas ligadas ao reformismo1, ao sindicalismo2 etc. Enquanto os ricos têm que se virar para buscar a estabilidade desse sistema, ainda buscamos condições de superá-lo. É justamente neste cenário que as eleições de 2018 se encontram.
Com o descontentamento dos trabalhadores, com o aumento das mobilizações e o interesse por se organizar, a burguesia precisa buscar uma saída para a crise para não perder o seu domínio. Assim, vemos diversos candidatos com diversos programas para a crise, programas que não servem aos interesses dos trabalhadores, mas dos patrões. Só este ano, para presidente, temos nada menos do que sete coligações3, diferente das eleições passadas, das quais tivemos duas (2010) e três (2014). Com a crise do capital, também vemos a crise que há entre a burguesia que não consegue apresentar um projeto majoritário. Vemos um projeto autoritário, que leva o nome de Jair Bolsonaro, um projeto reformista e conciliador, que leva o nome de Haddad, Boulos, Ciro Gomes etc., um projeto liberal, que tem como representantes Alckmin, Henrique Meirelles etc., entre outros. Claro que entre estes há especificidades, particularidades, mas o que há em comum é o fato de defenderem projetos que atendem aos interesses dos ricos para a crise. Por isso, volto a questionar: qual a diferença entre Haddad, Ciro, Alckmin e Bolsonaro? Diante de suas particularidades, vemos a defesa dos mesmos interesses, interesses que não são os nossos. Poderia se argumentar que Bolsonaro é autoritário, mas, e quanto a Alckmin, que manda a polícia para os estudantes que ocupam suas escolas? E quanto a Haddad, que mandou reprimir as manifestações de junho de 2013, na cidade de São Paulo, com aval da polícia militar do estado de mesmo nome? E Ciro Gomes, que tem uma certa tendência a agredir professores e estudantes, sem falar de sua vice-presidente na chapa, Kátia Abreu, a “rainha da motosserra”, acusada de atacar movimentos sociais e terras indígenas? O que ambos farão pelos movimentos LGBTs, pelas mulheres trabalhadores, pelos negros que sofrem o racismo etc.? A questão é que não há perspectiva para os trabalhadores em nenhum destes nomes, em nenhum destes projetos, assim como não há perspectiva para aqueles que sofrem. Qualquer um deles, considerando a crise do capital e os interesses que seus projetos visam atender, jogarão a crise para às costas dos trabalhadores, promovendo reformas que pioram ainda mais as suas condições de trabalho. O que vemos, diante de uma variedade de candidatos que tem o monopólio da fala e imagem nas campanhas televisivas e nos debates, na verdade, é uma falsa diversidade de uma mesma raiz da exploração. O que vemos é uma grande diversidade de excremento!
Diante de uma crise que atinge o nosso bolso, o bolso do trabalhador, sem ter perspectiva alguma de superação, sem uma direção revolucionária, nos vemos iludidos pelas alternativas que nos apresentam. Devemos nos lembrar, também, que o problema de direção não se resume apenas a uma ausência de direção revolucionária, mas a um caráter oportunista das velhas direções, do reformismo, do sindicalismo etc., que levam os movimentos dos trabalhadores para uma perspectiva que se assenta nas próprias eleições, nos próprios limites nesse sistema que nos destrói a cada dia que passa. É preciso lembrar que essa “esquerda Boulos, Haddad, Ciro, etc.,” não vai melhorar, de fato, a vida do trabalhador. O trabalhador vai continuar sendo explorado, dia a dia, no seu trabalho, ganhando mal, tendo que lhe dar com uma educação sucateada, com uma saúde sucateada, sem falar nas reformas que serão jogadas às suas costas para ter que lhe dar com uma crise que ele não fez.
A questão é que não é no voto que vamos resolver os problemas que nos assolam. Quem continua a ganhar com as eleições, tal como com essa “democracia” é uma minoria de poderosos. Ao se tratar do voto útil, por exemplo, num eventual segundo turno entre Alckmin e Bolsonaro, temos que escolher, sempre, entre o menos pior? Geralmente, é um argumento bastante utilizado, mesmo ao se tratar pela busca de melhores condições. Entre ter que escolher apanhar de chicote ou que passem as minhas mãos a ferro, prefiro escolher em ter reais condições de vida, reais condições de trabalho, pelos quais eu possa realmente exercer a minha humanidade. Para isso, nenhuma ilusão na democracia dos ricos! A quem serve o voto útil? Certamente, não aos trabalhadores, não à maioria da população, mas aqueles que controlam a política e a economia, aqueles que nos exploram. Assim, como pensar um voto realmente útil? Não é necessário escolher entre o “papa-merendas” e “militar rebelde”.
É preciso, sim, que nos organizemos debaixo, por conselhos de bairro, de fábrica, de trabalhadores em educação etc., etc., para fazermos o enfrentamento com aquilo que não nos representa, para fazermos enfrentamento ao jogo de cartas marcadas do qual não participamos. Façamos a nossa própria democracia!
REFERÊNCIAS
TROTSKY, Leon. Programa de Transição. The Marxists Internet Archive. Acesso em: 2018.
NOTAS
1 Que se propõe a reformar o capitalismo.
2 Os limites de se permanecer apenas na luta sindical, sem buscar uma organização partidária, um partido revolucionário.
3 União de partidos em busca de um projeto comum.