Introdução
O trotskismo não é e não deve ser tratado como uma doutrina política. Trata-se de uma leitura precisa e atenta dos postulados de Marx, Engels e de Lenin que, ainda que de maneira mais breve ou não devidamente explorado, já indicavam, entre tantas coisas, a necessidade de uma incessante revolução – ou melhor, de uma revolução permanente – e do indispensável caráter internacional do levante operário. Nesse sentido, a contribuição teórico-político de Leon Trotsky para o marxismo e os desafios de seu tempo histórico foi a de nutrir e compilar argumentos para a defesa do horizonte intrinsecamente revolucionário do marxismo – tarefa essa que desempenhou até os seus últimos dias.

O marxismo é, acima de tudo, um método de análise, tal como afirma Trotsky (TROTSKY, 2010, p. 73), mas não somente, é a investigação da realidade concreta, mediado pelo trabalho. Este último, por sua vez, é resultado da ação humana sobre a natureza. Assentado nesse método que Trotsky desenvolveu suas análises e é a partir da teoria marxista, que não pode ser entendida como dogmática, mas sim orientada para a ação, que os intelectuais a serviço da transformação social, sob a bandeira do socialismo, o utilizaram como ferramenta. Por essa razão, o marxismo não deve vir acompanhado de um simples fetiche revolucionário, uma vez que o método marxista constitui uma ciência – essa sim, capaz de catalisar e transformar a realidade material.

A história do movimento trotskista internacional é marcada, assim como o movimento operário, por constantes perseguições. Contudo, do mesmo modo que o movimento operário, o movimento trotskista foi capaz de produzir sólidas análises teóricas no campo político, filosófico e das artes, superando as inúmeras tentativas de silenciamento de seus sabotadores históricos. O caráter internacionalista que os trotskistas carregam é um motor direto, dirigente e profundamente prático e não apenas uma ideia abstrata, fadada a ser violada sempre que a situação exija (TROTSKY, 2017, p. 396). Dessarte, à medida que o tempo histórico avança e produz novos ataques a este lado do front, é no arsenal marxista que os trotskistas recuperam e manejam as armas da crítica.

Um resgate histórico necessário
Durante a vitoriosa Revolução de Outubro de 1917 e consequente tomada do poder pelos sovietes, novos desafios políticos foram colocados para os insurgentes. Internamente, o Partido Operário Social-Democrata Russo passa não somente por uma mudança de nome e sigla, mas também por mudanças na composição do Comitê Central. Rigorosamente disciplinados e com apoio da classe operária, os bolcheviques se mostraram preparados para o triunfo da revolução (LENIN, 1978).

Com a morte de Lenin em 1924, as disputas internas do partido se agravam e mostram cada vez mais salientes. Se por um lado, o grupo de Kalinin e Stalin destacavam-se por serem os ideólogos da filosofia do “socialismo num só país”, de outro lado, alguns dos velhos bolcheviques juntam-se com Krupskaia, Zinoviev, Kamenev e Trotsky dando corpo político e teórico ao que tornou, em 1926, a Oposição de Esquerda Unificada. Como reação às duras críticas à política do grupo de Stalin, os membros da Oposição de Esquerda Unificada foram perseguidos, exilados, condenados ao trabalho forçado ou ao fuzilamento. Por mais de dez anos, Leon Trotsky foi exilado e expulso de diversos países, como Turquia, França, Noruega, até finalmente desembarcar no México em 1938.

Do exílio à morte, Trotsky dedicou-se a formular alternativas à política do stalinismo, sem hesitar na defesa da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, fruto da revolução em que teve papel fundamental. Paulatinamente, repetindo a tragédia de Trotsky, os adeptos do trotskismo foram afastados e expulsos dos partidos comunistas que construíram. Apoiados na tese de que o partido é o instrumento essencial da revolução proletária (TROTSKY, 1979) e que a Revolução de Outubro é legítima como primeira etapa da revolução mundial, que se estende, necessariamente através de dezenas de anos (TROTSKY, 1977), os trotskistas organizaram partidos, grupos políticos e organizações por fora das políticas do Komintern, assentados no internacionalismo descrito na teoria da Revolução Permanente (previamente elaborada por Trotsky em 1905) e no documento fundador da IV Internacional, o Programa de Transição.

O acaso trotskista
A perspectiva da revolução permanente não significa de nenhuma maneira que os países atrasados tenham que esperar dos adiantados o sinal de partida, nem que os povos coloniais tenham que aguardar pacientemente que o proletariado dos centros metropolitanos os libere (TROTSKY, 1940).

Os primeiros contatos de militantes comunistas latinos com a Oposição de Esquerda Internacional foi, segundo Pierre Broué (2005, p. 172), “contatos de acaso”, como a presença do sociólogo e escritor surrealista francês Pierre Naville nas revistas francesas Clarté (e que se tornaria mais tarde La Lutte de Classes) responsáveis por colocar o brasileiro Mario Pedrosa e o peruano José Carlos Mariateguí em conexão com o pensamento trotskista. Ainda para o autor, “a América Latina ficou muito tempo à margem do movimento operário mundial, apartada de suas principais correntes e somente recebendo da Europa estímulos com um atraso por vez considerável” (2005, p. 171).

Com o atraso de poucos anos, a Oposição de Esquerda toma forma na América Latina surgindo a partir de cisões dos partidos comunistas, sendo o Comitê Comunista de Oposição da Argentina (em 1929) o primeiro deles, surgido como uma fração do Partido Comunista Argentino. Coggiola (1984, p. 18) ressalta que nem todas as cisões trotskistas foram impulsionadas pela Oposição de Esquerda Internacional; Cuba, Chile e Brasil são exemplos disso. As frações trotskistas desses países já existiam e apenas foram assimiladas à política desenvolvida internacionalmente pela Oposição.

A Oposição Internacional ganhou, na década de 30, várias frações dentro dos partidos comunistas latino-americanos, mostrando que a convergência internacional do movimento trotskista expressava também uma forte aderência ao operariado latino. A luta contra o imperialismo estadunidense torna-se mote para a criação de partidos e grupos de oposição na Argentina, Uruguai, Chile, Brasil, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Costa Rica, México, Cuba, Panamá e Porto Rico.

Chile
A Oposição chilena surgiu da luta interna contra a burocratização do PC em 1929. Jorge Lavín – dirigente do Partido Comunista Chileno dissidente e posteriormente filiado à Oposição de Esquerda Internacional, usava Humberto Mendoza como pseudônimo – e Manuel Hidalgo, dirigente do Partido Comunista Chileno e senador por Tarapacá y Antofagasta na época da cisão; destacam-se na reorganização do Comitê Central (CC) do Partido Comunista Chileno no período de governo de Carlos Ibañez (militar presidente do Chile por dois mandatos, 1927-1931 e 1952-1958). Porém, tal tentativa de rearranjo não agradou o Secretariado Sul-americano da Internacional Comunista (SSIC), que, tendo Elías Lafferte (candidato à presidência por duas vezes e senador por dois mandatos pela província de Tarapacá y Antofagasta) como representante do estalinismo dentro do PC local, orientou a constituição de um novo CC, dirigido pelo mesmo Lafferte.

O resultado da fragmentação do PC chileno foi a constituição de dois Partidos Comunistas: o de Hidalgo e o de Lafferte, que disputaram a representação oficial na Internacional Comunista (IC), tendo o segundo (o de Lafferte) ganhado a preferência da IC, enquanto o grupo ligado à Hidalgo acusava a outra fração de burocratismo e o ultra-esquerdismo (segundo eles, o PC Lafferte “não se aproveitam as possibilidades de ação legal no Chile”).

As divergências entre o grupo de Hidalgo e de Lafferte externaram-se de tal forma que nas eleições presidenciais de 1931, os dois PC apresentaram candidatos à presidência. Porém, o PC hidalguista sustentava os candidatos do outro PC (dando chance a eleição de Lafferte ao cargo de senador), já o PC Lafferte boicotaram os candidatos de Hidalgo, gerando uma perca de votos significativa ao PC de Hidalgo. No campo sindical, o PC Hidalgo defendia a atuação nos sindicatos para-oficiais criados pelo governo de Ibañez (que agrupavam a maioria do operariado), enquanto o PC Lafferte e a IC defendiam a reconstrução da FOCH (Federación Obrera de Chile), quase extinta por conta da repressão governamental.

Em 1937, após a adesão oficial à IV Internacional e vários rearranjos organizativos e partidários, é fundado o Partido Operário Revolucionário (POR).

Cuba
No território cubano, as origens do trotskismo tangem o nacionalismo e a luta antiimperialista. A formação da Oposição de Esquerda em Cuba dá-se pela ação de um notável dirigente operário, Sandalio Junco e a Ala Esquerda Estudantil, que, juntos, constituem em 1933 o Partido Bolchevique Leninista (PBL). Graças a sua forte inserção, centenas de militantes aderem ao PBL e o partido consegue dirigir as duas principais Federações Obreras de Cuba: Havana e Santiago.

Após a insurreição dos suboficiais e a formação do governo Grau San Martin-Guiteras, a emenda Platt (Lei que permite os Estados Unidos a intervirem militarmente em Cuba) é derrubada. O governo é breve e em janeiro de 1934, Fulgêncio Batista1 derruba o governo após a Revolta dos Sargentos, que é financiada por chefes militares e pelos partidos tradicionais. Ulteriormente aos ataques do governo de Batista aos trabalhadores, Guiteras e os membros do governo Grau San Martin edificam o grupo nacionalista Jovem Cuba, que organiza a luta armada contra o regime pró-imperialista de Batista.

O PBL forma uma aliança junto ao Jovem Cuba para o preparo de uma greve geral e uma insurreição armada, contudo, o PBL comete um erro grave, como descreve Coggiola

Em verdade, o PBL gasta a maior parte do seu tempo organizando a greve insurrecional e definindo um programa futuro de governo junto com Jovem Cuba. Em março, é lançada a greve geral: se bem que de grande impacto, ela não é seguida por todos os setores operários, e acaba sendo esmagada pelo Exército. (…) O fracasso da greve geral leva também à crise os planos militares de Jovem Cuba: em maio, o próprio Guiteras é morto a tiros pelo Exército. Segue-se um período de terror, no qual o PBL perde a maioria dos seus militantes (1984, p. 27).

Apesar do aparente “fracasso”, é de se notar que “nenhuma tendência trotskista da época esteve tão perto da formulação de uma tática da Frente Única Antiimperialista” (COGGIOLA, 1984, p. 26), própria para países “atrasados”. O enfraquecimento do PBL deu origem ao Juventudes Autênticas, que dará também origem ao Movimento 26 de Julho, organizador das guerrilhas atuantes dos anos 1950 e que serão mais tarde responsáveis pela derrubada da ditadura pró-estadunidense de Fulgêncio Batista.

Ainda que muito enfraquecido, finalmente em 1938 o PBL adere à IV Internacional. Posteriormente, o partido muda de nome para Partido Operário Revolucionário (POR), aglutinando os trabalhadores da estrada de ferro de Guantánamo até a revolução castrista de 1959.

Brasil
Bensaid indica que a dissidência comunista de modo geral:

Assumiram por desafio uma denominação que se queria infamante, os ‘trotskistas’ dos anos 1930 preferiam definir-se como ‘bolcheviques – leninistas’, ‘marxistas revolucionários’ ou ‘comunistas internacionalistas’, pleonasmo tornado necessário para se distinguirem do comunismo confiscado pela reação burocrática (2010, p. 15).

No Brasil, não foi diferente. Segundo Coggiola (1984, p. 30), “a organização trotskista politicamente mais forte neste período é, sem dúvida, a do Brasil”, isso porque o Partido Comunista Brasileiro (PCB) sofreu uma grande perda após antigos militantes e dirigentes da Oposição Sindical, como Joaquim Barbosa e João Costa Pimenta romperem com o partido em 1928 sob a acusação de que o partido estava convertendo os sindicatos em instrumento político. Outro grupo, desta vez composto por intelectuais (Livio Xavier – escritor, e Rodolfo Coutinho – membro do Comitê Central) rompe com o partido por descontentamento ao que eles acreditavam ser “excesso de nacionalismo” e também por discordarem com a proposta de aproximação com a Coluna Prestes2.

Os dois grupos dissidentes reúnem-se no Grupo Comunista Lenin e passam a editar o jornal A Luta de Classe. O responsável pela junção fora Mario Pedrosa, que teve contato com a Oposição de Esquerda na Alemanha. Mais tarde, o grupo torna-se a Liga Comunista Internacionalista (LCI), que fazem as primeiras traduções das obras de Trotsky para o português. Ao contrário do PCB, a LCI realiza uma análise veraz da revolução de 1930:

A economia nacional exprimiu-se, pela primeira vez, sob uma forma política bastante nítida, em outubro de 1930, com a revolta de suas forças produtivas contra a hegemonia da economia cafeeira… Sem cair no erro da direção burocrática do PC (que identifica) cada um dos grupos políticos em luta, com os dois grupos imperialistas que agem como um fator externo à luta de classes no interior do país. (…) o processo de diferenciação política das classes que decorreu do movimento reagiu por sua vez sobre a sua própria base social, alargando-a e preparando ocasiões para a intervenção independente do proletariado na luta partidária. (COGGIOLA, 2006, p. 413)

É com essa análise de conjuntura dos efeitos da revolução de 1930 que a LCI reivindica a Assembleia Constituinte e ganha a qualificação de “lacaios do imperialismo” por parte do PCB, que considerava a revolução de 1930 apenas um simples episódio da luta interimperialista.

Entre os principais feitos da LCI nos anos 30 foi a impulsão da Coligação das Esquerdas (frente que reunia anarquistas, socialistas, grupos operários estrangeiros e o Comitê de São Paulo do PCB) contra o fascismo brasileiro: o integralismo. No campo sindical, a LCI baseia-se na linha da Frente Única e torna-se uma força em várias categorias, como no sindicato dos gráficos, comerciários, ferroviários e químicos.

Com a violenta repressão contra toda a esquerda brasileira sob o governo Vargas, vários militantes trotskistas foram presos e a LCI entra em crise em 1935. Pedrosa e os remanescentes da LCI conseguem capitalizar todas as crises do PCB, e em 1937, junto com a Oposição Classista do PCB, cria o Partido Operário Leninista (POL).

Sob o Estado Novo, o POL se junta a mais uma dissidência do PCB, a do Comitê São Paulo e dá origem ao Partido Socialista Revolucionário (PSR) em agosto de 1939, que garante a continuidade do movimento trotskista mesmo sob a ditadura varguista.

Argentina
Apenas em um sentido limitado pode-se falar de uma história própria do movimento trotskista argentino: a corrente política representada pelo trotskismo se define como internacional por natureza, e exige ser julgada nessa escala quanto ao seu programa, sua análise e sua atividade. Mas esse internacionalismo não é uma abstração, oposta às especificidades nacionais sobre a qual um movimento político toma forma. (COGGIOLA (2006, p. 23, tradução nossa)3.

O movimento trotskista na Argentina não chega a constituir nenhuma organização importante. Pequenos grupos contam com rearranjos e cisões, por vezes marcados com tom pessoal e desligados do movimento operário. Dentro dessas polêmicas que surge a Liga Obrera Revolucionaria (LOR) com o mote da libertação nacional, contradizendo os outros grupos trotskistas argentinos que baseados nos escritos de José Carlos Mariateguí defendiam a ideia de que “só a revolução socialista corresponde ao estágio de desenvolvimento das forças produtivas do país, e que nenhum setor burguês está disposto a encabeçar um movimento nacionalista”.

Diante da polêmica, o Comitê Executivo da IV Internacional dá razão aos grupos que sustentavam uma revolução puramente socialista e une-se ao Partido Operário da Revolução Socialista (PORS) em dezembro de 1941. A duração do PORS foi curta e o partido dissolve-se em 1943, após o país entrar num ciclo nacionalista (culminando no aparecimento do peronismo). O partido negava tal ciclo e internamente já estava fracionado em dez grupos.

Bolívia
Sobre a origem do trotskismo boliviano, Broué afirma que

Foi no Chile que José Aguirre futuro fundador, em Córdoba, na Argentina, do Partido Operário Revolucionário (POR) boliviano, foi ganho pelos militantes da Esquerda Comunista chilena. Os homens da segunda geração da Bolívia, Walter Asbun e Guillermo Lora, muito mais que ao POR, devem sua formação de trotskistas a um militante brasileiro, Fulvio Abramo, que veio em um carro de boi da fronteira brasileira até Santa Cruz de la Sierra, onde o encontraram (2005, p. 174-175).

O POR boliviano, liderado por José Aguirre, ex-dirigente do partido comunista clandestino da Bolívia e do PC Chileno, pretendia seguir a linha política bolchevique, enquanto o grupo liderado por Tristán Marof – escritor e publicista boliviano, líder do Grupo Tupac Amaru – queria um POR mais amplo para permitir a ascensão ao poder. Marof acabou separando-se do POR e funda Partido Socialista Obrero Boliviano, que, nas palavras de Coggiola (1984, p. 40) “após uma trajetória espetacular acabou dissolvendo-se”. Aguirre redige um programa baseado pela palavra de ordem da libertação nacional e junta-se ao LOR argentino e ao POR cubano na defesa desse mote.

O POR boliviano sagra-se por ser o primeiro grupo trotskista a conseguir aderência numa organização de massas: a Federação Universitária (em 1938 com René Ayala Mercado), fazendo que com o tempo, o trotskismo torne-se uma das principais vertentes políticas na Bolívia, mesmo após a morte de Aguirre em um acidente em 1938.

México
O trotskismo no México surgiu com Russel Blackwell, Militante do PC estadunidense enviado ao México para organizar a Juventude Comunista, e sua adesão à Oposição de Esquerda. Em 1933 é organizada a Oposição Comunista de Esquerda (logo transformada em Liga Internacionalista do México). Mas o movimento trotskista mexicano difere-se dos demais por conseguir agregar o muralista Diego Rivera, responsável pela intervenção direta na decisão de Cárdenas4 de aceitar o exílio do “homem para o qual o mundo era um planeta sem visto: Leon Trotsky” (COGGIOLA, 1984, p. 42-43).

Trotsky chegou ao México em janeiro de 1937 e permaneceu até seu assassinato em 21 de agosto de 1940. Na posição de exilado, Trotsky não é autorizado a participar de atividades políticas mexicanas, porém não tarda a impulsionar a publicação da revista Clave, que busca orientar o movimento trotskista latino-americano.

A Segunda Guerra trouxe dificuldades ao movimento trotskista, afrouxando seus laços com a América Latina. A direção dos trotskistas teve suas negativas (Argentina) e positivas (México). O pós-guerra deu certa independência no desenvolvimento dos movimentos e capitalizou mais cisões aos PC latinos, agora mais alinhados com o stalinismo.

Não se pode apagar a história
Essa foi apenas uma breve retrospectiva acerca da história do surgimento dos partidos e organizações trotskistas na América Latina e, portanto, um recorte latino sobre uma vertente marxista que se alimenta pela luta e organização dos trabalhadores pelo mundo todo. O trotskismo é por essência um movimento internacional. Para os trotskistas, não se pode reorganizar e nem mesmo compreender o capitalismo nacional sem encará-lo como parte da economia mundial (TROTSKY, 1977), porém, ao endossar Stalin e seus adeptos, o erro recai sobre o entendimento do que é propriamente o socialismo: para esses, não passa senão de um “socialismo nacional”.

Muito se investe contra o trotskismo, dizendo que as divisões e o grande número de cisões entre os trotskistas são frequentes, levando apenas a “destruição” por onde passam. No entanto, o monolitismo leva à morte de uma organização. Um exemplo nítido é que sob o comando de Stalin, a Internacional Comunista quase não reconheceu as divergências e quando foi dissolvida em 1943 não houve resistência, a IC já estava internamente morta, como já anunciava Trotsky anos antes da aniquilação do Komintern.

Por mais que Stalin e seus seguidores – que mascaram e autoproclamam-se herdeiros do que chamam vulgarmente de marxismo-leninismo – tenham tentado demonizar e deturpar a figura de Leon Trotsky, a importância de seus escritos e atuação política são exemplos e leituras obrigatórias para todo e qualquer marxista. Da queda do muro de Berlim em diante, movimentos orientados e dirigidos pelo trotskismo ganham força no mundo todo.

Para instigar o futuro, é necessário recordar das sucintas linhas do testamento de Leon Trotsky, escrito entre fevereiro e março de 1940:

Posso ver a larga faixa de verde sob o muro, sobre ele o claro céu azul, e por todos os lados, a luz solar. A vida é bela, que as gerações futuras a limpem de todo o mal, de toda opressão, de toda violência e possam gozá-la plenamente. (…) Mas, sejam quais forem as condições de minha morte, morrerei com uma fé inquebrantável no futuro comunista. Esta fé no homem e em seu futuro dá-me, mesmo agora, uma tal força de resistência como religião alguma poderia me fornecer.”

A bandeira da solidariedade internacional com os povos explorados flameja diante dos trotskistas. Os comunistas devem saber que, seja como for, o futuro lhes pertente (LENIN, 1978), porém, sem esquecer que o presente também nos cabe.

Hoje, pelo marxismo
Em primeiro lugar, é indispensável pontuar que ser trotskista hoje consiste em compreender que o movimento do conjunto de ideias que se chamou de trotskismo deve ser, ao mesmo tempo, crítico e autocrítico. Assim é o método marxista. Isso significa assumir e aprender com os deslizes e as imprecisões das formulações desse campo. Ao se orientar pelo marxismo, assumimos que este não possui rugas, mas lacunas a se preencher. É essa tarefa que os trotskistas assumiram teórico e politicamente. Não nos cabe reproduzir ou parodiar os mesmos cenários para reeditar as mesmas conjecturas de outrora, como fazem alguns trotskistas. Tampouco se deve associar o trotskismo como uma doutrina ou qualquer coisa separada do marxismo.

O trotskismo não é anacrônico ou fora do lugar. Em tempos de precarização e flexibilização do trabalho, e consequente reorganização internacional das classes e do poder – a qual vem sendo construída em todos os âmbitos da vida por meio da cultura, da política e da economia –, a leitura de Trotsky se mostra indispensável mesmo após 80 anos de seu assassinato. É vital porque compreende o método e revela a essência do movimento, atacando a estrutura ao lançar mão de caminhos para a romper com o regime e sistema.

Se na realidade mundial um pequeno grupo de empresários e bancos controlam o capitalismo seja na face industrial ou no campo financeiro e, por conseguinte, moldam modos de vida cada vez mais débeis e limitantes, a chamada para a ação deve ser à altura: a organização internacional dos trabalhadores. Assim os trotskistas estão empenhados e enfileirados nas cadeiras dos diversos partidos e organizações socialistas do mundo todo, travando a luta pelo socialismo e por uma vida digna. Na América Latina, estamos dispostos em quase todos os partidos de esquerda do Brasil, na Argentina, somos praticamente toda ela, no Chile, na Bolívia e no México, formamos partidos cujas ações e formulações políticas tem como patrimônio teórico as ricas e cintilantes contribuições de José Carlos Mariátegui e Julio Antonio Mella para tecer perspectivas revolucionárias à nossa complexa realidade pós-colonial.


RERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BENSAID, Daniel. Trotskismos. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2010.

BROUÉ, Pierre. O movimento trotskista na América Latina até 1940. Cad. AEL, v.12, n.22/23, 2005.

COGGIOLA, Osvaldo. Historia del trotskismo en Argentina y América Latina. Buenos Aires, Argentina: RyR, 2006.

COGGIOLA, Osvaldo. O trotskismo na América Latina. São Paulo: Brasiliense, 1984.

LENIN, Vladimir. Esquerdismo, doença infantil do comunismo. São Paulo: Símbolo, 1978.

TROTSKY, Leon. As lições de outubro. Lisboa: Antídoto: 1979.

TROTSKY, Leon. A revolução permanente. Lisboa: Antídoto: 1977.

TROTSKY, Leon. A teoria da revolução permanente. São Paulo: Editora Sundermann, 2010.

TROTSKY, Leon. Manifesto da IV Internacional Sobre a Guerra Imperialista e a Revolução Proletária Mundial. EUA, Socialist Appeal: 19 de junho de 1940. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1940/05/manifesto.htm>. Acesso em 5 de julho de 2019.

TROTSKY, Leon. Minha vida. São Paulo: Editora Sundermann, 2017.

TROTSKY, Leon. Testamento. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1940/02/27.htm>. Acesso em 5 de julho de 2019.



Notas:

1  Presidente de Cuba entre 1940 e 1944ditador entre 1952 até sua deposição em janeiro de 1959 pela Revolução Cubana.

2  Movimento político-militar brasileiro existente entre 1925 e 1927 ligado ao tenentismo

3 No original, lê-se: “Solo en un sentido limitado puede hablarse de una historia propia del movimiento trotskista argentino: la corriente política representada por el trotskismo se define como internacional por naturaleza, y exige ser juzgada en esa escala en cuanto a su programa, sus análisis y su actividad. Pero este internacionalismo no es uma abstracción, opuesta a las especificidades nacionales sobre las que un movimiento político cobra forma”.

4 Militar, político e estadista mexicano, presidente do México entre os anos de 1934-1940.