A importância dos recortes na luta trans
A transexualidade é um tema muito complexo e pouco discutido e conhecido. Por isso, penso ser de vital importância voltarmos à pauta sempre que possível. Porém, acho importante fazer uma ressalva antes de continuar. Tratarei no texto sobre transexualidade, por ser uma mulher transexual e por ter vivência sobre esta realidade.
Sou uma mulher trans privilegiada por ser branca, de classe média, que não foi expulsa de casa pela família, que conseguiu concluir todo os ensinos fundamental e médio, tenho graduação e adentrei no Mestrado agora, e, não estou no mercado da prostituição. Enfim, tenho um monte de privilégios se comparada com outras mulheres trans, travestis e homens trans. O que nem por isso faz com que não passe por transfobia diariamente.
Contudo, mulheres trans, travestis e homens trans devem ser incentivados a falar sobre suas respectivas interseccionalidades, fazendo seus devidos recortes, de classe, raça etc., que pioram e intensificam suas opressões: cor, raça, classe, religião, educação, profissão. Uma trans negra, periférica, que não completou os estudos, deficiente, de religião de matriz africana, no mundo da prostituição, passa por muito mais problemas do que eu. Além da transfobia lida com racismo, classismo, intolerância religiosa, preconceito quanto às deficiências, nível de instrução/educação e profissões exercidas.
Retomando alguns conceitos
1) Sexo biológico é aquele que é anatômico, fisiológico, gonadal e que pode ser observado pelos órgãos sexuais externos (macho e fêmea, sendo que macho nasce com pênis e testículos e fêmea com vagina);
2) Identidade de gênero é o modo como a pessoa se vê no mundo, como pensa em si mesma, como se sente. Em termos psicanalíticos, seria a sua psique. Em termos subjetivos, sua essência, sua autoconsciência subjetiva. Quando há uma correspondência entre a psique e o sexo biológico, a pessoa é denominada cisgênera, podendo ser homem cisgênero ou mulher cisgênera. Quando não há correspondência entre psique e órgão sexual, esta pessoa é transgênera, transexual, podendo ser uma travesti, uma mulher transexual ou um homem transexual;
3) Orientação Sexual é para quem se dirige o afeto, atração, desejo, as relações afetivo-sexuais e, por isso, a pessoa pode ser heterossexual (quando alguém do gênero masculino se interessa por alguém do gênero feminino ou vice-versa); homossexual (quando se relaciona com o mesmo gênero – gays e lésbicas); bissexuais (quando podem sentir-se atraídas por ambos os gêneros).
Causa ainda confusão, mas uma mulher trans ou travesti que se relaciona com um homem é heterossexual e caso se relacione com outra mulher é lésbica. Um homem trans que se relaciona com uma mulher é heterossexual e se ele se relacionar com outro homem, ele é gay.
Sintetizando: sexo biológico não tem relação com sua identidade de gênero, e identidade de gênero nada tem a ver com orientação sexual.
A diferença entre As travestis e As mulheres transexuais
Partindo dessa introdução, inicio com a polêmica distinção entre mulheres transexuais e travestis, tema que dá ‘pano pra manga’ inclusive dentro da própria militância T. Arrisco-me a tentar escrever sobre, tendo plena consciência de que posso ser crucificada, mas aberta aos comentários, críticas e divergências sobre tal distinção polêmica.
O senso comum simplifica a questão da seguinte forma: mulheres trans querem fazer a cirurgia de redesignação sexual (CRS) e as travestis não. Também há o pré-conceito de que as travestis são promíscuas e que são todas prostitutas. É uma distinção limitada e que não abarca toda a pluralidade de autoidentificações. “Autoidentificação” é a palavra-chave, basicamente se trata de uma questão subjetiva de autopercepção. Mulheres trans se autoidentificam como mulheres e podem ou não querer fazer a CRS: há as que desejam, porém há também as que estão satisfeitas apenas com hormonização, implante de próteses mamárias, depilação a laser da barba, não fazendo com que sejam menos mulheres ou menos mulheres trans por isso. A autoidentificação travesti é mais diversa, ampla: muitas se autoidentificam como mulheres, assim como mulheres transexuais; outras como “nem mulher nem homem”; outras como homem gay, apesar de usarem nome feminino e exigirem ser chamadas pelos respectivos artigos e pronomes femininos e outras mais possíveis autoidentificações.
Observo que a autoidentificação “mulher transexual” costuma ser mais pautada em uma subjetividade relacionada ao campo dos afetos e das vivências afetivo-sexuais dessas mulheres, enquanto que o termo “travesti” é mais pautado em uma questão histórica, social, econômica e política relacionada à exclusão, marginalidade, vistas como bandidas, criminosas, “putas”. O que é senso comum entre As travestis é que independente de qualquer outra autoidentificação, elas se autoidentificam como ‘travestis’. Há, porém, mulheres trans que também se autoidentificam como travestis, pois para a sociedade todAs (mulheres trans e travestis) somos “Os Travecos/Os Travestis”.
Transexualidade: doença mental?
A transexualidade, até bem pouco tempo “transexualismo”, é vista como uma doença pelo Código Internacional de Doenças (CID-10). De acordo com o CID-10, a doença codificada por F:64.0 corresponde à “Disforia de Gênero”. “Disforia” é um sentimento de insatisfação, ansiedade e inquietação. Portanto, pessoas cisgêneras também são altamente disfóricas ao não aceitarem seus corpos como são e recorrerem a métodos para alterá-los e torná-los mais próximos do ideal almejado por elas. A pergunta que nos fica é: por que pessoas cisgêneras não têm suas disforias patologizadas e não precisam de laudos para realizarem procedimentos em seus corpos enquanto que as pessoas trans são patologizadas, necessitam de laudos para realizarem qualquer tipo de intervenção em seus próprios corpos? O que diferencia a não-patologização da disforia de pessoas cisgêneras para a patologização da disforia de pessoas transgêneras/transexuais?
O processo transexualizador: a maior mentira e crueldade
Quanto às mulheres transexuais que querem realizar a CRS, essas precisam se enquadrar ao “protocolo transexualizador” e serem classificadas dentro desse como “transexuais verdadeiras”: uma das maiores mentiras e crueldades da Medicina e da Psiquiatria para com a nossa população.
O Brasil, atualmente, possui apenas 9 centros ambulatoriais pelo SUS que realizam o processo transexualizador, que inclui a hormonioterapia e as cirurgias, entre elas a CRS, que não é realizada em todos os ambulatórios, pois muitos apenas realizam a parte da hormonioterapia.
Para iniciar o acompanhamento é necessário procurar um serviço do SUS que fará o acompanhamento para um dos centros ambulatoriais que fazem o processo transexualizador. A/o paciente passará por uma triagem e deverá ter idade mínima de 18 anos para iniciar a hormonioterapia. Para obtê-la, a/o paciente deve fazer acompanhamento com uma equipe multidisciplinar, que deve incluir endocrinologista, psicólogo, psiquiatra, assistente social. Quanto às/aos pacientes que desejam fazer intervenções de readequação cirúrgicas, devem ter idade mínima de 21 anos e passar pela mesma equipe multidisciplinar por pelo mínimo 2 anos, obtendo laudo do endocrinologista atestando 2 anos, no mínimo, de tratamento hormonal; 2 anos de acompanhamento, no mínimo, com psicólogo para obtenção de laudo favorável atestando a Disforia de Gênero e 2 anos de acompanhamento, no mínimo, com psiquiatra para obtenção de laudo também favorável à Disforia de Gênero.
As cirurgias que podem ser realizadas em homens trans podem ser: tireoplastia (cirurgia que permite a mudança no timbre de voz); mastectomia (retirada das mamas); histerectomia (retirada do útero); ooforectomia (retirada dos óvulos); neofaloplastia (é a cirurgia de construção do novo pênis, ainda pouco comum e feita apenas em âmbito experimental e que no Brasil só é autorizada em hospitais universitários autorizados).
As cirurgias que podem ser realizadas em mulheres transexuais podem ser: tireoplastia (cirurgia que permite a mudança no timbre de voz); inclusão da prótese de silicone e plástica mamária (procedimento estético para correção de intervenções anteriores); feminização facial (rinoplastia: cirurgia plástica no nariz; cirurgia nos lábios; cirurgia nos maxilares; frontoplastia: cirurgia de suavização da testa com diminuição das proeminências ósseas; cirurgia dos osso malares (maçãs do rosto); mentoplastia: cirurgia no queixo; raspagem do Pomo de Adão; neovulvocolpoplastia (cirurgia de construção da nova vagina).
O SUS disponibiliza, desde 2008, por meio da Portaria 457, às mulheres transexuais, o acesso à terapia hormonal, cirurgia para redução do Pomo de Adão, adequação das cordas vocais para feminilização da voz, neovulvocolpoplastia. A partir de 2013, por meio da Portaria 2.803, passou a disponibilizar também a cirurgia de implante de silicone nas mamas. Para os homens transexuais, por meio da Portaria 2.803, de 2013, passou a incluir os procedimentos para os homens trans: tratamento hormonal, mastectomia, ooforectomia e histerectomia.
Alguns (mas) transexuais têm diversos problemas de saúde como diabetes, pressão alta, problemas cardíacos ou são alérgicas às anestesias e, por isso, não podem realizar tais procedimentos. Há ainda as que lidam bem com o fato de serem de tal gênero, independentemente dos caracteres biológico-sexuais discordantes. O que estamos dizendo é que não é a genitália que fará de uma mulher trans menos mulher ou que fará um homem trans menos homem.
Embora lutem por assistência às especificidades de suas saúdes, pessoas transexuais lutam, há anos, para que não sejam classificadas como doentes mentais. O mesmo acontecia com os homossexuais que, até 1990, eram considerados doentes pela Organização Mundial da Saúde. As consequências deste tipo de classificação foram as mais nefastas: lobotomias, internações, castrações químicas, desemprego, tratamentos impossíveis e dolorosos para readequação da orientação sexual, “curas gays” e até prisões em manicômios psiquiátricos.
Efeitos dos hormônios nas travestis e mulheres transexuais: Termo de Esclarecimento e Responsabilidade
Ao iniciar o acompanhamento/tratamento em um centro ambulatorial e/ou hospitalar as travestis e as/os transexuais devem assinar um termo de esclarecimento e responsabilidade, assumindo para si estar consciente dos riscos à saúde que podem advir do uso dos hormônios. O termo de esclarecimento e responsabilidade que as travestis e as transexuais têm de assinar contém as seguintes informações listadas abaixo.
Mudanças permanentes que não desaparecerão se parar o uso dos hormônios: desenvolvimento das mamas (desenvolvimento máximo em até 2 anos), diminuição dos testículos; diminuição da produção de testosterona (hormônio masculino) pelo testículo; diminuição do volume de esperma ou mesmo parada da ejaculação; diminuição da fertilidade (que pode voltar ou não ao normal após interrupção), no entanto se mantiver relações sexuais com alguém que possa ficar grávida, pode haver fecundação (gravidez), fazendo-se assim necessário o uso de métodos anticoncepcionais; dificuldade de ereção, para penetração e diminuição da próstata.
Mudanças reversíveis que acontecem somente enquanto estiver usando hormônios, mas que desaparecem quando se para de tomá-los: aparecimento de celulite; redistribuição da gordura corporal com possibilidade de depósito de gordura nas coxas e quadris; ligeira redução dos pelos; afinamento da pele; diminuição das acnes (espinhas); diminuição da queda de cabelo; diminuição do suor e mudança no cheiro do corpo; diminuição da gordura no abdômen; diminuição do desejo sexual (libido); orgasmos menos intensos; agravamento de enxaquecas; aparecimento de náuseas e vômitos; aumento da pressão arterial; alteração na função do fígado e aparecimento ou agravamento de depressão.
Não ocorrerão (nem com a retirada dos testículos): desaparecimento dos pelos; afinamento da voz e diminuição do pomo de Adão.
Riscos e complicações à saúde com a terapia hormonal (o uso de hormônios aumenta a chance de ocorrer ou pode piorar estes problemas de saúde, quando aparecem: câncer de mama; trombose venosa profunda; embolia pulmonar; enfarto; derrame cerebral; osteoporose e fraturas ósseas; piora das taxas de colesterol; aumento nas taxas de triglicérides e câncer de fígado.
A/o transexual “de verdade”
É de extrema importância salientar que para conseguir todos esses procedimentos cirúrgicos e a retificação do prenome civil e do gênero nos documentos, a pessoa trans deve ser classificada pelo psicólogo e psiquiatra como um/uma “transexual de verdade”.
Leva-se em conta para isso o tempo de terapia hormonal; os testes de vida real (a/o candidata/o viver a pelo menos 2 anos, 24 horas por dia, como sendo do sexo oposto, vestindo-se, portando-se socialmente com o esperado por tal gênero); os testes de personalidade para atestarem a “transexualidade verdadeira”; exames hormonais de rotina; forte e persistente identificação com o gênero oposto por pelo mínimo 2 anos ou sentimento de inadequação no papel de gênero deste sexo; forte sofrimento psíquico por haver nascido daquele determinado sexo; repulsa aos órgãos sexuais, nojo inclusive de fazer a higiene pessoal íntima deles ao ter de tocá-los; desejos ou tentativas de mutilação e autocastração; personalidade altamente suicida, podendo inclusive já haver tentado tirar a própria vida alguma vez; falta de desejo sexual; não se masturbar por sentir asco de seus órgãos genitais; não ter vida sexual ativa, podendo, muitas vezes, até ser virgem, em suma, ter uma vida sexual assexuada; ser heterossexual.
Em crianças, a perturbação é manifestada por quatro (ou mais) dos seguintes quesitos: 1. Declarar repetidamente o desejo de ser, ou insistência de que é, do sexo oposto (em meninos, preferência pelo uso de roupas do gênero oposto ou simulação de trajes femininos; em meninas, insistência em usar apenas roupas estereotipadamente masculinas); 2. Preferências intensas e persistentes por papéis do sexo oposto em brincadeiras de faz de conta, ou fantasias persistentes acerca de ser do sexo oposto; 3. Intenso desejo de participar em jogos e passatempos estereotípicos do sexo oposto; 4. Forte preferência por companheiros do sexo oposto.
O pior do protocolo transexualizador são seus conceitos arcaicos e preconceituosos de estereótipos de gênero, afirmando que mulheres transexuais devem ser femininas; delicadas; emotivas; submissas; preferindo serviços domésticos ou na área de Humanas; e, homens transexuais como másculos; brutos; racionais; dominadores; preferência por serviços braçais, de lógica e/ou mecânica ou nas áreas de Biológicas ou Exatas.
Muitos desses critérios não são verbalizados, mas fazem partem da análise dos profissionais psicólogo e psiquiatra para atestarem favoravelmente ou não a transexualidade da/o paciente; critérios, inclusive, presentes nos testes psicológicos antiquados, preconceituosos, reforçadores de estereótipos de gênero, e, muitas vezes ridículos, dos conceitos de masculinidade/feminilidade, do que é ser um “homem de verdade”, e, consequentemente, um “homem trans de verdade” e do que é ser uma “mulher de verdade”, e, consequentemente, uma “mulher trans de verdade”.
Além desses critérios, pessoas trans que não apresentam repulsa extrema aos órgãos genitais; que não têm problemas em realizar sua higiene pessoal dos órgãos sexuais; que não possuem ou já não tentaram mutilar-se e/ou castrar-se; que não tentaram ou pensam em suicídio; que possuem desejo sexual; que se masturbam; que tem vida sexual ativa; e que não possuem orientação sexual heterossexual são classificadas/os como não sendo “transexuais de verdade” e, portanto, alijados do processo transexualizador do SUS e impedidos de realizarem os procedimentos hormonais e/ou cirúrgicos, tudo isso baseado em estereótipos ultrapassados e ridículos.
Em suma, há uma negação das individualidades e particularidades das vivências de pessoas trans e uma universalização do que seria a “transexualidade verdadeira”, gerando “as/os transexuais verdadeiras/os”.
Toda essa obrigatoriedade de ter de ser classificado/a como um/a “transexual verdadeiro/a” obriga os/as transexuais a omitirem e/ou mentirem sobre essas questões para se enquadrarem no estereótipo criado pelos psicólogos e psiquiatras, assim não perdem a vaga e podem continuar no processo para obtenção dos laudos para retificação do nome e entrada na fila para realização dos respectivos procedimentos cirúrgicos. O processo transexualizador é cruel e desumaniza as vivências transexuais ao obrigá-las a se enquadrarem em um molde arcaico, retrógrado e engessado.
O processo transexualizador do SUS disponibiliza a modalidade ambulatorial e a modalidade hospitalar em seus centros de atendimento ambulatoriais de travestis e transexuais. A modalidade ambulatorial consiste nas ações de âmbito ambulatorial, quais sejam acompanhamento clínico; acompanhamento pré e pós-operatório e hormonioterapia. A modalidade hospitalar consiste nas ações de âmbito hospitalar, quais sejam realização de cirurgias e acompanhamento pré e pós-operatório. Após a CRS a/o transexual ainda deve passar, obrigatoriamente, por acompanhamento com psicólogo e psiquiatra por mais 1 ano pelo SUS.
O SUS conta com cinco serviços habilitados pelo Ministério da Saúde no processo transexualizador que realizam atendimento ambulatorial e hospitalar. O SUS também conta com quatro serviços habilitados pelo Ministério da Saúde no processo transexualizador que realizam atendimento ambulatorial. Existem na rede de saúde pública serviços ambulatoriais, criados por iniciativa estadual, destinados ao atendimento de travestis e transexuais no Processo Transexualizador: Ao final do texto haverá uma lista com o nome de todos esses serviços, local e contato.
Segundo o site do Ministério da Saúde, com dados de 2012, o SUS pagava R$1.113,57 pela cirurgia de neovulvocolpoplastia e os 5 centros ambulatoriais costumam fazer 12 dessas cirurgias ao ano, uma por mês. A cirurgia particular custa por volta de 50 mil reais, atualmente. Cada centro ambulatorial gastaria por volta de R$13.500,00 por ano, bem menos que o valor pago por uma única cirurgia particular.
Um breve relato…
Farei 3 breves relatos sobre como é o tratamento no ambulatório em que faço todo o processo. 1. Em março, obtive todos os laudos para entrar na fila para a CRS. Em maio, retornei e ao falar com a assistente social sobre o meu lugar na fila, ela me disse que eu não estava nela; havia o laudo do psiquiatra, mas não o da psicóloga. Procurei a secretaria administrativa e no meu prontuário faltava o laudo da psicóloga. Falando com ela, ela me disse que havia esquecido de imprimir e anexar. Já havia se passado dois meses, mas, como não era algo extremamente importante na vida dela, ela apenas se esqueceu. Após isso, adentrei à fila, que no Ambulatório de Travestis e Transexuais (TT) de São Paulo, capital, está entre 7 a 10 anos, chegando, em alguns casos, a até 12 anos. Não tenho informação sobre os outros centros ambulatoriais, mas as realidades devem ser parecidas. 2. Apesar de ser um Centro de Referência em travestilidade e transexualidade, muitos funcionários ainda acabam chamando as/os pacientes pelo nome de registro civil (não-retificado) nos documentos. Falta de treinamento/capacitação? Desatenção? Falta de respeito para com as/os pacientes? Transfobia? 3. Tive de mudar alguns dados do meu cadastro, dentre eles a minha escolaridade, já que estou na pós-graduação: Mestrado. Porém, obtive uma surpresa ao saber que no sistema de banco de dados não há tais opções: pós-graduação, Mestrado, Doutorado. Para o sistema, travestis e transexuais no máximo obtêm graduação e nem cogitam que possamos chegar a um nível superior como uma pós-graduação. Lapso do sistema? Preconceito para com a população T? Transfobia?
Quanto à retificação do prenome civil
Em linhas gerais, apesar do fundamento da demanda variar de acordo com as necessidades e particularidades de cada caso, temos que a maior parte das demandas de Retificação de Registro Civil ligadas à questão da sexualidade, encontram fundamentação jurídica na: Notoriedade: ser conhecido por nome diverso daquele do documento, tanto no trabalho, como no convívio social; e no Constrangimento: incongruência entre o nome do documento e a aparência, gerando constrangimento face à necessidade de apresentação de documentos.
A retificação do prenome civil é muito burocrática, sendo necessários vários documentos, dentre eles: cópia da certidão de nascimento, cópia do RG, cópia do CPF, cópia da Reservista, cópia da carteira de trabalho, cópia do comprovante de residência, laudo psicológico atestando a disforia de gênero (após o mínimo de 2 anos de acompanhamento/tratamento), laudo psiquiátrico atestando a disforia de gênero (após o mínimo de 2 anos de acompanhamento/tratamento), documentos que comprovem o uso do referido nome (pode ser cartão do banco, cartão SUS, contas de perfis online etc.), laudo médico (caso já tenha realizado cirurgia de readequação sexual, e, em caso de cirurgias realizadas fora do Brasil, deve se realizar a tradução juramental do respectivo laudo), certidões negativas (Certidão da Justiça Militar Estadual: finalidade criminal, Certidão da Justiça Militar da União (Federal): finalidade criminal, Certidão de Distribuição Criminal: finalidade criminal, Certidão de Execuções Criminais Estadual: finalidade criminal, Certidão Negativa de Dívida Ativa, Certidão de Quitação com a Justiça Eleitoral, Certidão de Distribuição da Justiça Federal, Certidão de Ações Trabalhistas do Estado de São Paulo , Certidão do Distribuidor Cível Estadual, Certidão do Distribuidor Cível, Executivos Fiscais Estadual, Certidão de Distribuição de Ações e Feitos da Justiça Federal Estadual) que podem ser solicitadas pela internet, 3 fotos 10×15 de corpo inteiro – corpo e rosto -, (sendo interessante conter pelo menos 1 anterior à transição), 3 cartas a próprio punho de pessoas que reconhecem o uso do determinado nome a pelo menos 5 anos. Esses documentos são a base, dependendo o juiz, ele pode pedir algo a menos ou a mais.
As certidões negativas servem para provar que não se deseja retificar o prenome por possuir pendências ou débitos junto ao órgão emissor, tais como: sonegação fiscal, falsidade ideológica, entre outros.
O grande problema da retificação do prenome civil é que ele dependerá, basicamente, da opinião pessoal do juiz, já que não há lei específica. Se houver sorte de o processo cair em mãos de um juiz “não conservador”, há maiores chances; mas se houver o azar de cair nas mãos de um juiz conservador, ele poderá dificultar ao máximo, pedindo o máximo de documentação possível e, assim, arrastar o processo por anos a fio, ou, ainda, indeferir o pedido. Em um pais em que se pode recorrer a tudo em várias e várias instâncias, travestis e transexuais não possuem este privilégio. Se o pedido de retificação for indeferido, não há mais como recorrer em primeira instância, tendo, assim, que recorrer junto ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Quanto ao direito ao uso do nome social
O Decreto de Lei 8.727/16 dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
A lei 1.820/09 dispõe sobre o uso do nome social na Carteirinha do SUS, em seu artigo 4º, Parágrafo Único, Inciso I:
“Art. 4º. Toda pessoa tem direito ao atendimento humanizado e acolhedor, realizado por profissionais qualificados, em ambiente limpo, confortável e acessível a todos.
Parágrafo único. É direito da pessoa, na rede de serviços de saúde, ter atendimento humanizado, acolhedor, livre de qualquer discriminação, restrição ou negação em virtude de idade, raça, cor, etnia, religião, orientação sexual, identidade de gênero, condições econômicas ou sociais, estado de saúde, de anomalia, patologia ou deficiência, garantindo-lhe:
I – Identificação pelo nome e sobrenome civil, devendo existir em todo documento do usuário e usuária um campo para se registrar o nome social, independente do registro civil sendo assegurado o uso do nome de preferência, não podendo ser identificado por número, nome ou código da doença ou outras formas desrespeitosas ou preconceituosas”.
A possibilidade de usar o nome social no Enem foi aberta em 2014. Naquele ano, foram apresentadas 102 solicitações. Na edição de 2015, o número subiu para 278 e na edição 2016 o número foi para 406. Esta foi uma oportunidade que atraiu mais pessoas travestis e transexuais para prestar o exame, pois diminuiu o constrangimento de serem chamadas/os pelo nome de registro civil não retificado e passarem por situações de preconceito, vexatórias.
O Decreto Estadual nº 55.588/10 dispõe sobre o tratamento nominal das pessoas transexuais e travestis nos órgãos públicos do Estado de São Paulo e dá providências correlatas. A Deliberação 125/2014 do Conselho Estadual de Educação do Estado de São Paulo dispõe sobre a inclusão de nome social nos registros escolares das instituições públicas e privadas no Sistema de Ensino do Estado de São Paulo e dá outras providências correlatas. A Resolução da Secretaria da Educação, n 12/2015, estabelece parâmetros para a garantia das condições de acesso e permanência de pessoas travestis e transexuais – e todas aquelas que tenham sua identidade de gênero não reconhecida em diferentes espaços sociais – nos sistemas e instituições de ensino, formulando orientações quanto ao reconhecimento institucional da identidade de gênero e sua operacionalização, além de garantir o uso de banheiros, vestiários e demais espaços segregados por gênero, quando houver, de acordo com a identidade de gênero de cada sujeito.
O uso do nome social por estudantes é uma medida que visa evitar a “evasão” escolar dessas/es estudantes travestis e transexuais. O termo correto não seria “evasão” escolar, mas sim “expulsão” escolar, visto que tais estudantes sofrem diariamente com o desrespeito às suas identidades de gênero e nomes; são vítimas de chacotas por parte de alunos e funcionários; sofrem perseguições; são proibidas/os de utilizarem o banheiro com o qual se identificam pelos seus respectivos gêneros; sofrem agressões físicas, e, até sexuais, dentro de banheiros, que são promovidas por grupos de alunos como forma de estupros corretivos. Toda essa conjuntura as/os expulsa da escola e o uso do nome social serve como uma medida paliativa. O correto seria uma capacitação do corpo docente e de funcionários e, posteriormente, uma maior conscientização dos alunos e pais para aceitarem e acolherem estudantes transexuais.
Alguns bancos começaram a aceitar o uso do nome social em crachás de seus funcionários e em cartões de clientes.
O direito ao uso do nome social é apenas uma “muleta” administrativa que não resolve o problema, não chega a ser um direito básico assegurado em si. De nada adianta o nome social se vier em uma carteira escrito: nome social. As pessoas ainda podem agir com transfobia pelo fato de vir evidenciado tratar-se de um/a transexual ou travesti.
A carteira de nome social acaba segregando ainda mais uma população tão marginalizada e segregada.
Sobre os assassinatos
O relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB) que lança anualmente um estudo sobre a população LGBT assassinada no ano anterior, mostra-nos em seu relatório mais recente, do ano de 2016, que: “Tais mortes crescem assustadoramente: de 130 homicídios em 2000, saltou para 260 em 2010 e para 343 em 2016. Durante o governo FHC mataram-se em média 127 LGBT por ano; no governo Lula 163 e no governo Dilma/Temer, 325”.
O GGB também nos diz que um LGBT é morto a cada 25 horas no Brasil. Ele ainda nos aponta que: “dos 343 LGBTs que foram assassinados em 2016, 31% desses assassinatos foram praticados com arma de fogo, 27% com armas brancas, incluindo ainda enforcamento, pauladas, apedrejamento, muitos crimes cometidos com requintes de crueldade: tortura, queima do corpo. Travestis geralmente são assassinadas a tiro ou espancadas na rua, enquanto gays são mortos dentro de casa, com objetos domésticos: facas, fios elétricos, sufocados na cama, muitas vezes encontrados pelos vizinhos somente pelo odor do corpo já em putrefação. Proporcionalmente, as travestis e transexuais são as mais vitimizadas: o risco de uma “trans” ser assassinada é 14 vezes maior que um gay, e se compararmos com os Estados Unidos, as 144 travestis brasileiras assassinadas em 2016 face às 21 trans americanas, as brasileiras têm 9 vezes mais chance de morte violenta do que as trans norte-americanas. Segundo agências internacionais, mais da metade dos homicídios de transexuais do mundo, ocorrem no Brasil”.
O Relatório iniciou-se em 2012, e quanto ao segmento de travestis e transexuais observou-se que: em 2012, foram 128 assassinatos; em 2013, 108; em 2014, 134; em 2015, 119 e em 2016, 144. Outro fator importante a salientar é a crueldade dos assassinatos praticados. Transfeminicídios acabam tendo mais requintes de crueldade do que os feminicídios, talvez por carregarem em si o machismo e misoginia, aliados ao fator da transfobia. Travestis e transexuais não são apenas assassinadas/os, o número de facadas ou tiros acaba sendo maior do que o cometido contra mulheres cisgêneras. O ódio é tanto que descarregam o pente todo da arma, degolam, espancam, torturam, queimam, esquartejam, esmagam os crânios, muitas vezes, de tal modo, que fica praticamente impossível reconhecer a identidade dos corpos. Esta é uma forma de realmente vilipendiar esses corpos, tirando-lhes toda a humanidade, mesmo após a morte; deixando-lhes nuas, com genitálias expostas, em um misto de culto à violência com altas doses de sádico erotismo.
Pessoas travestis e transexuais são assassinadas 2 vezes: uma, literalmente; outra, ao terem seus nomes e identidades de gênero desrespeitados em notícias na mídia e ao serem enterradas com os seus nomes de registro civil não-retificados.
Porém, todos os dados de pesquisa estão longe de apontar a realidade, pois cabe lembrar que estes dados são subestimados, pois baseiam-se apenas em notícias da mídia em que a motivação do crime nem sempre é explicitada e muitos são, ainda, omitidos pelas famílias. Assim, o Brasil é o país do mundo que mais mata pessoas trans.
Segundo a Rede Trans Brasil, 94% das vítimas estão solteiras; 50,6 são profissionais do sexo, e, em cada 24 homicídios, o assassino era cliente da pessoa trans. O mais interessante e hipócrita é que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, mas, também é o país que mais consome pornografia deste segmento em suas buscas no Google por pornografia “tranny” ou “shemale”, dois termos altamente pejorativos utilizados pela indústria pornográfica mundial.
O Mapa de Assassinatos de Pessoas Trans no Brasil, feito pela ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais, informa-nos que, só em 2017, de janeiro até o início de julho, foram cometidos 91 assassinatos contra travestis, mulheres e homens transexuais em nosso país.
O não-lugar no mercado de trabalho
De acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e outras organizações de travestis e transexuais, o preconceito no trabalho é tanto que a porcentagem de pessoas trans que precisa se prostituir para sobreviver é de cerca de 95%. Novamente a hipocrisia é tremenda, pois somos o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, que não aceita dar oportunidades de trabalho, para essas mulheres, no mercado formal, mas que paga por seus serviços sexuais na calada da noite.
Há raras exceções de empregos precarizados, como telemarketing (onde não se vê quem está do outro lado da linha) ou salões de beleza. É raríssimo encontrar professoras, médicas, advogadas etc. que sejam trans. Até mesmo no comércio, em que os donos dos estabelecimentos querem passar uma determinada imagem de seus produtos e de seu atendimento, não servem as pessoas trans, porque são estigmatizadas.
Prostituição: o único caminho
Já nas ruas escuras do nosso mundo hipócrita, elas podem estar a serviço do lucro dos cafetões e cafetinas, expostas a todo tipo de violência e relações marginais, realizando um dos trabalhos mais opressivos que se criou: a prostituição. Afinal, a pessoa que se prostituiu não presta um serviço ou vende sua força de trabalho com direitos regulamentados. Ela vende a si mesma, sem garantia de nada, correndo o risco de ser espancada e morta, lembrando que, segundo a Rede Trans Brasil, 50,6% das vítimas são profissionais do sexo, e, em cada 24 homicídios, o assassino era cliente da pessoa trans.
Há pouco tempo, diante de grandes eventos como a Copa do Mundo e as Olimpíadas, quiseram aprovar a Lei Gabriela Leite que legalizaria a prostituição. Infelizmente, a defesa e a proteção daquelas/es que se prostituem não passa por essa iniciativa nefasta, que aprofunda as relações de desigualdade de identidade de gênero, de raça e de classe social. É assim, porque regulamentaria, na realidade, a cafetinagem, permitindo que 50% do valor do serviço prestado pudesse ser apropriado por quem agenciasse as pessoas travestis/trans e que, além de outros motivos, negaria a possibilidade de estupro, o qual seria entendido como negação da oferta do serviço e estimulando o que há de mais degenerado no que toca às relações humanas, transformando pessoas em mercadoria.
Ainda sobre a assimilação pelo capitalismo, há todo um mercado de adequação ao corpo e auto-tratamento desenvolvido para que as mulheres travestis/trans tenham corpos mais próximos daqueles que desejam ou que procuram os clientes. Assim, de maneira arriscada, muitas dessas mulheres compram hormônios no mercado informal e/ou aplicam silicone industrial em seus corpos com as “bombadeiras” (mulheres que injetam o silicone industrial). Como consequência, o silicone industrial pode causar trombose, gangrena e até amputação. Em alguns casos, provoca a morte.
Toda essa vida difícil e exclusão sofridas pelas pessoas trans provoca, não raro, situações de envolvimento com a marginalidade e a fuga para suportar a dor causada por tamanhas dificuldades e rejeição, levando ao envolvimento com o tráfico de drogas, ao adoecimento, à depressão, a tentativas de suicídio e ao uso de drogas para anestesiar tanta dor.
É necessário exigir iniciativas urgentes dos governos, como aquelas concernentes ao uso do nome social sem burocracia e amplo acesso à saúde pública e de qualidade, incluindo tratamento respeitoso e humano. E também, estando atentos/as às demais instituições, como a mídia, que tem enorme responsabilidade sobre a dinâmica social.
Suicídio de pessoas trans: assassinatos cometidos pela sociedade transfóbica
Segundo pesquisa realizada pelo Centro Nacional pela Igualdade dos Transgêneros, em que 17.715 pessoas trans foram entrevistadas, constatou-se que: 14% das/os transexuais foram enviados a um profissional, após revelarem sua identidade de gênero à família, com a intenção de impedi-las/los de passarem pela transição; 10% sofreram violência de algum membro da família; 8% foram expulsos de casa devido à sua identidade de gênero; a taxa de desemprego das pessoas trans é de 15% e um terço disse estar vivendo na pobreza – o dobro da taxa da população norte-americana em geral, 40% das/os transexuais já tentaram o suicídio em algum momento de suas vidas. Em outra pesquisa, feita em Ontário, no Canadá, aponta-se que 35% das pessoas trans entrevistadas relataram ter pensado em suicídio em 2014 e 11% chegou a tentar se matar.
Em 2006, o Departamento de Psiquiatria da Universidade Case Western Reserve, em Cleveland, Ohio, realizou um estudo clínico dos transtornos comórbidos dos últimos 10 pacientes entrevistados em sua Clínica de Identidade de Gênero. Constataram que “90% desses diversos pacientes tiveram pelo menos um outro tipo de psicopatologia (…) [como] problemas de humor, ansiedade e dificuldade em adaptar-se no mundo”.
A taxa de tentativas de suicídio registradas entre pessoas transgênero é pavorosa – acima de 40%. De acordo com o site Suicide.org, 90% de todos os suicídios são resultado de algum transtorno mental não tratado. Mais de 60% (e possivelmente mais de 90%, como mostrado pela Universidade Case Western Reserve) dos transgêneros têm transtornos psiquiátricos comórbidos, que frequentemente permanecem sem qualquer tipo de tratamento.
Um estudo de 2014 descobriu que 62,7% dos pacientes diagnosticados com disforia de gênero tinham pelo menos mais um outro transtorno e 33% tinham transtornos depressivos, vinculados à ideação suicida.
Um outro estudo de 2014 realizado em quatro países europeus apontou que quase 70% dos participantes tinham um ou mais transtornos do Eixo I, sobretudo transtornos afetivos e de ansiedade.
O suicídio da população trans é motivado pelo Estado; pela política, que não contempla esta população; pela sociedade transfóbica que faz com que queiram se matar; pelos inúmeros constrangimentos, humilhações, situações vexatórias, opressões; pela falta de apoio familiar para lidar com toda a transfobia vivida, já que muitas/os são expulsas/os de casa; pela ausência de amparo familiar, social, institucional; pela transfobia verbal, física, psicológica, institucional que atinge pessoas trans todos os dias.
A solução para prevenir suicídios entre travestis e transexuais seria dar mais respeito, dignidade, direitos, cidadania, humanidade à população trans e tratar os possíveis transtornos psiquiátricos decorrentes do abandono; dos maus-tratos; abusos; violências verbais, psicológicas, físicas e sexuais; em suma, da transfobia em si.
A quem pertencem as vidas trans?
A Escola/A Educação decidem se pessoas trans podem frequentar a escola ou não, se elas estudam ou não, se as aceitam ou se as expulsam.
O Estado e o Direito/Justiça mandam na vida de pessoas trans, na identidade delas, no nome delas, no gênero ao qual elas pertencem, em quem elas são.
O Estado, Medicina/Psiquiatria mandam na saúde mental, psicológica, emocional da população trans e sobre o que podem ou não fazer com seus corpos. Eles quem decidem: o aval é deles.
A Imprensa/A Mídia decidem se vão se referir às pessoas trans, após mortas, pelo nome com o qual se identificavam quando vivas ou pelo nome de registro civil não-retificado delas. Quase certeza que seriam veiculadas manchetes sensacionalistas, tais como: “Fulano, vulgo Dandara, que se vestia de mulher”, “O travesti”…
A Religião/Igreja decidem se pessoas trans podem ou não proferir e exercer a fé e/ou a espiritualidade delas, se são pecadoras ou não, se são aberrações ou não, se estão condenadas ou não. E tudo isso não tendo nada a ver com religião, mas sim, com Capital e Poder.
O SUS decide quem são ou não “transexuais de verdade” e que, portanto, podem fazer o tratamento hormonal e intervenções cirúrgicas em seus próprios corpos por se enquadrarem no protocolo transexualizador.
A Sociedade Cisheteronormativa/O Direito decidem se a população trans pode ou não fazer suas necessidades fisiológicas no banheiro do gênero com o qual se identificam.
A Sociedade Cisheteronormativa decide se a população trans terá emprego formal ou se terá de trabalhar em subempregos exploradores, desumanos, com horas-semanais absurdas de trabalhos, com precariedade, com remuneração incipiente. A Sociedade decide se a população trans terá ou não de se prostituir.
A Sociedade Cisheteronormativa decide se pessoas trans serão xingadas, humilhadas, espancadas, descartadas, violentadas de todas as formas possíveis, desumanizadas, estupradas e/ou assassinadas.
Após a morte, A Sociedade Cisheteronormativa, O Direito/Justiça, A Família decidem se A travesti e a/o transexual poderão ou não ser enterrados com o nome condizente ao gênero com o qual se identificavam em vida. Se não tiverem feito a retificação do nome, quase certeza que serão enterradas/os com o nome de registro civil não-retificado.
A população trans é assassinada duas vezes: uma, literalmente, com requintes sádicos de tortura e crueldade; outra, metaforicamente, quanto às suas identidades, quanto a quem são.
Nós travestis, mulheres transexuais e homens transexuais não decidimos nada sobre nós e nossas próprias vidas. Para tudo precisamos do aval das Instituições de Poder para sermos minimamente legitimadas/os.
Vivemos como marionetes, com nossas vidas sendo decididas pelos outros. Vivemos como fantoches manipulados pelos fios invisíveis conduzidos pelas mãos do Direito/Justiça, da Escola/Educação, do Estado, da Imprensa/Mídia, da Medicina/Psiquiatria, da Religião/Igreja, do SUS/Protocolo Transexualizador, da Sociedade Cisheteronormativa, do Capital e do Poder. Essa é a realidade das pessoas trans da classe trabalhadora, diferente daquelas que podem pagar pela sua segurança, liberdade, saúde e qualidade de vida.
Por tais razões que nós, que lutamos contra a exploração do Capital, dos corpos, contra a desumanização de seres humanos, contra as diversas opressões de classe; credo; racismo; machismo; misoginia; sexismo; homolesbobifobia; devemos também nos empenhar na luta contra a transfobia e trazer todas e todos aqueles que são oprimidas/os pelo Capitalismo e suas Instituições de Opressão.
A transfobia mata!!!
Rede de serviços
O SUS conta com cinco serviços habilitados pelo Ministério da Saúde no processo transexualizador que realizam atendimento ambulatorial e hospitalar:
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Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás/ Goiânia (GO); Telefone: (62) 3269-8200.
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Universidade Estadual do Rio de Janeiro – Hospital Universitário Pedro Ernesto/ Rio de Janeiro (RJ); Telefone: (21) 2868-8000.
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Hospital de Clínicas de Porto Alegre – Universidade Federal do Rio Grande do Sul/ Porto Alegre (RS); Telefone: (51) 3308-6000.
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Hospital de Clínicas da Faculdade de Medicina FMUSP/Fundação Faculdade de Medicina MECMPAS – São Paulo (SP); Telefone: (11) 3061-7000.
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Hospital das Clínicas/Universidade Federal de Pernambuco – Recife (PE); Telefone: (81) 2126-3633.
O SUS também conta com quatro serviços habilitados pelo Ministério da Saúde no processo transexualizador que realizam atendimento ambulatorial:
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Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia (IEDE) – Rio de Janeiro/RJ; Telefone: (21) 2332-7159.
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Ambulatório do Hospital das Clínicas de Uberlândia – Uberlândia/MG; Telefone: (34) 3218-2111.
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Centro de Referência e Treinamento (CRT) DST/AIDS – São Paulo/SP; Telefone: (11) 5087-9911.
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Centro de Pesquisa e Atendimento para Travestis e Transexuais (CPATT) do Centro Regional de Especialidades (CRE) / Metropolitano – Curitiba/PR; Telefone: (41) 3304-7567.
Existem na rede de saúde pública serviços ambulatoriais, criados por iniciativa estadual, destinados ao atendimento de travestis e transexuais no Processo Transexualizador:
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Ambulatório AMTIGOS do Hospital das Clínicas de São Paulo – São Paulo (SP); Agendamento de triagem somente pelo e-mail: [email protected].
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Ambulatório para travestis e transexuais do Hospital Clementino Fraga – João Pessoa (PB); Telefones: (83) 3218-5415 e (83) 3218-5416.
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Ambulatório Transexualizador da Unidade de Referência Especializada em Doenças Infecto-Parasitárias e Especiais (UREDIPE) – Belém (PA); Telefone: (91) 3244-5364.
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Ambulatório de Saúde Integral Trans do Hospital Universitário da Federal de Sergipe Campus Lagarto – Lagarto (SE); Telefone: (79) 3632-2082.