A direita não é burguesa.

O liberalismo (desde o marginalismo e o keynesianismo – sic! – até suas mais novas variações, o que chamam de “libertarismo”) não é uma ideologia burguesa.

Apesar de a direita e o liberalismo defenderem a burguesia com tórrida paixão – sentimento escaldante por aquilo que não possuem, por aquilo que não são e, principalmente, por aquilo que não podem ser e nem podem possuir.

Direita e liberalismo são, respectivamente, posição política e ideologia pequeno-burguesas.

A burguesia não está interessada em ideologia, teoria, pensamento político ou social. Tudo isso tem para ela apenas o valor e importância de uma curiosidade metafísica. Enquanto isso, ela financia os atores da política e mantém o Estado refém de seus papéis de dívida pública – paga eternamente usando o dinheiro dos trabalhadores – e não se incomoda com social-democratas se esfaqueando para assumirem cargos de lambedores de rabos burgueses.

Ou seja: a burguesia não é de direita, senão na medida de seu oportunismo. E muito menos é “liberal-platonista”, em busca do capitalismo “ideal” (que só existe na especulação sub-academicista dos economíticos), mas sim “liberal-realista”, ou seja, tão “liberal” quanto o seu pragmatismo imediatista demanda, convém e pode ser, ainda que isso se mostre o mais completo contrário do liberalismo (nada mais recorrente e trivial na história); donde o Estado realmente “ideal” para a burguesia, a medida “excelente” da intervenção estatal no mercado e de sua plena liberdade, ser aquilo que garante a ela o lucro, não importa se os pé-rapados da intelligentsia do capitalismo elaboram em seus think-tanks de esquina uns tantos termos pirracentos para resmungarem contra este “Estado ideal” verdadeiramente existente e possível de existir, tais como “totalitarismo”, socialismo (!) ou qualquer outro rótulo insignificante.

Enquanto isso, o dono da padaria, sua prole de dondocos e coleguinhas assumem a frente da defesa ideológica e política do capitalismo, imaginando que capitalismo é abrir uma padaria, trabalhar no caixa e vigiar os trabalhadores preguiçosos (pois é isso que os faz não serem patrões), sonegar impostos, lavar dinheiro trocado e reclamar de taxas, fiscalização e burocracia (essas coisas comunistas e desagradáveis).

Imaginam que capitalismo é esse negócio de trocar coisa por dinheiro e dinheiro por coisa. Simples assim. Para que Estado? Só para fazer tudo ficar complicado, e também para estimular o marasmo dos trabalhadores e sustentar vagabundos nos hotéis presidiários.

O Estado é que define o que é direito à propriedade, este que, por sua vez e em sua efetividade, permite existir o campo da sacrossanta “liberdade” burguesa – por meio do “jus utendi et abutendi” – e ainda estabelece as condições mínimas para haver alguma concorrência, mercado e o “respeito” a essas mesmas condições (o que não cabe à moral, mas à polícia, etc., assegurar); do que se conclui que capitalismo sem Estado é tão plausível quanto a vida na selva, tão livre quanto as relações entre leões e gazelas.

Apesar disso, o Estado é acusado de “roubar” o pequeno-burguês por meio de seus tributos injustos, sendo assim um ladrão por natureza. Mas é como se o roubo, enquanto violação da propriedade, não pressupusesse o direito à propriedade outorgado pelo próprio Estado; aliás, “roubo” é uma categoria jurídica. Sem o Estado, a propriedade só poderia ser um direito e uma realidade, e permitir existir o roubo, se a musculatura do braço e a firmeza dos punhos fechados pudessem servir-lhe de fundamentação. E também de moeda nos “mercados livres”, é claro.

(Estado também serve para financiar a propriedade privada. Mas, antes de acusarmos nosso proprietário de máquina registradora de cuspir no prato em que burguês come, notemos o seguinte: o Estado financia a propriedade burguesa, e não quitandas de feira hippie. Pequenos-burgueses não são burgueses, são apenas trabalhadores que brincam de imitar a burguesia e de fazer competição de tiro-ao-pé.)

Vamos ver este “roubo” mais de perto. Dizem os capitalistas nanicos que direitos trabalhistas oneram a produção e afetam seus lucros, ou melhor, os saqueiam; mas dizem outra coisa além disso: que este problema devia ser preocupação dos consumidores (ou seja: de ~todos~. “Somos os representantes universais da sociedade!”), pois nosso caixa de padaria repassa os custos dos direitos trabalhistas pro consumidor.

Como se o consumidor não fosse, antes de mais nada, trabalhador. Como se o trabalhador estivesse protegido de virar escravo por algo mais que tais direitos (muitos, ainda que “com direitos”, viram). Como se todo custo de produção não fosse incidir no preço final.

Mas o que é a concorrência, senão aquilo que fará o pequeno-burguês apelar para todas as formas de produzir mais barato, formas para além ou aquém da lei que o nivela aos seus concorrentes?

Se o trabalhador puder sustentar alguns custos, e se a ideologia justifica isso – é para o que ela serve, afinal -, então que eles paguem tais custos, principalmente porque o indivíduo que importa é “o cliente”. Tudo por ele! E deste tudo, o máximo do trabalhador.

Se o trabalhador não quiser, tudo bem. Ele é livre para trabalhar em outra padaria. Há muitas.

Eis o que é capitalismo, na visão do pequeno-burguês; segundo a qual banqueiros são comunistas, pois financiam a política, enquanto o pequeno-burguês é quem sustenta no lombo o Estado…