A discussão sobre as táticas de unidade, e por conseguinte de enfrentamento, dentro da esquerda é um tema apaixonante. O sentimento comum das massas, em especial nos momentos de crise é, quase sempre, de unidade para lutar. O proletariado sabe, quase instintivamente que necessita de unidade para vencer e que sua maior vantagem sempre foi o fator numérico.

Por outro lado, há muito se sabe que dentro das organizações da classe operária não são poucos os que contrabandeiam a ideologia burguesa, o reformismo, mais ou menos de esquerda, conforme o calor da luta de classes, para o movimento operário, o que exige, sem sombra de dúvida uma clara demarcação entre as muitas propostas existentes.

A tática de frente única foi uma formulação da terceira internacional que buscou responder a essa dupla necessidade do movimento de massas.

Mas a própria tática de frente única tem diversas interpretações. As diferenças vão tanto no sentido do que é uma frente única, e se ela é ou não uma frente política, passando por discutir se a frente única deve alguma vez apresentar-se também como alternativa política, além da pergunta se a formulamos para a base ou a direção do movimento operário.

O tema é por si só vasto, e exige de todos os que queiram opinar de forma apropriada um estudo de vários materiais. Escrever uma síntese de toda a experiência da frente única, desde sua criação, passando por sua aplicação oportunista na China e Inglaterra, pelo incansável chamado de Trotsky a aplicá-la na Alemanha e na França, até sua reformulação por Nahuel Moreno, sempre em base à concepção original, seria uma tarefa que exigiria muito mais tempo do que dispomos atualmente.

Resolvemos, no entanto, no texto que segue, apresentar uma primeira síntese das opiniões de Nahuel Moreno sobre a Frente Única. A eleição desta opção se deve em primeiro lugar por que cremos que Moreno tem a leitura correta do que é e como se aplica a Frente Única, ademais de permitir uma certa delimitação do tema, que sendo amplo como é, exigiria mais tempo que o que dispomos.

Por fim, vale a pena também frisar que não se deve confundir a frente única com os organismos de frente única, tais como o sindicato, as cipas as comissões de fábrica e etc. Tema este, que não tocaremos neste artigo.

A origem da tática
Segundo Nahuel Moreno

“a tática de frente única operária surgiu entre o III e IV  congresso da III Internacional. É, por tanto, uma tática posterior à revolução Russa.”1

Mais adiante Moreno dirá:

“ é uma tática e como tal se aplica em determinado momento. Essa tática surgiu quando a III internacional descobriu que, devido a que não havia triunfado a revolução européia, os partidos social democratas seguiam sendo amplamente majoritários. Isto obrigou a mudar as táticas elaboradas pelo primeiro e segundo congressos da terceira internacional”2

A aplicação da tática
No morenaço, Nahuel Moreno explica que:

“Em primeiro lugar, a frente única não é um princípio, não é uma estratégia do nosso partido, mas uma tática política para situações específicas da luta de classes.

(…)

Em segundo lugar, como qualquer outra de nossas políticas deve responder às necessidades profundas de uma etapa do movimento de massas, e não às relações internas entre os diferentes setores do movimento.”3

Ou seja, Moreno reafirma que a frente única é uma tática e agrega, para situações específicas da  luta de classes, e mais ainda é uma necessidade. Quais são estas situações específicas? Por que surge tal necessidade?

Moreno dirá:

“justamente por responder a uma necessidade objetiva do movimento de massas numa etapa precisa da luta de classes a frente única operária geralmente é uma tática defensiva”4

Nas Teses para Atualização do Programa de Transição ele dá uma primeira explicação para por que é defensiva ao dizer que:

“Somente quando existe uma necessidade premente e imperiosa para que o movimento operário se una, e também a consciência dessa necessidade no movimento operário, fundamentalmente seu setor mais majoritário e mais atrasado, é que podemos aplicar essa tática. Caso contrário, ela se torna a declaração de um aparente princípio. Isso quer dizer que, em geral, somente quando há uma feroz ofensiva da classe burguesa é que surgem as condições para propor a frente única. Porque a classe trabalhadora sente essa ofensiva brutal contra ela e quer dar uma resposta unitária. Por isso, os momentos da frente única são os de brutal ofensiva contra o nível de vida e trabalho da classe operária ou quando há perigo de  golpes bonapartistas ou fascistas.”5

Abramos um parêntesis, a frente única enfrenta a uma ameaça eminente, seja política, seja sindical, portanto ela própria é politica e sindical. Que queremos dizer com isso? Que a frente única pode ser tanto entre partidos operários como entre organizações operárias sindicais.

Mas em que consiste exatamente o chamado à frente única? Para que se propõe a frente única?

Em  A traição da OCI Moreno diz:

 “a frente única é uma tática que consiste em convidar os partidos operários majoritários e suas bases para lutar contra a burguesia e seu governo em torno de pontos comuns, que são as reivindicações mais urgentes das massas. É a chamada a uma luta imediata, já, agora.”6

Ou seja, a Frente Única é sempre um chamado à ação, não para fazer uma palestra, ou uma atividade de propaganda, mas para pôr as massas em movimento. No mesmo texto, Nahuel Moreno dirá:

“Em qualquer caso, a frente única é uma tática para mobilizar as massas, e só então deve surgir.”7

Moreno considera ainda que a tática de frente única se aplica entre grandes organizações:

 “Deve ser defendido quando existe uma determinada relação de forças entre o partido revolucionário e o reformista, sendo aquele mais fraco que este, mas sem constituir uma minoria insignificante do movimento operário.”8

Ou seja, quando o partido revolucionário é uma minoria insgnificante, não faz sentido, nem poderia fazer, ele propor uma frente única com um grande partido.

Mais a frente, ainda na Traição da OCI, dirá que quando

“ (…) os trotskistas rompem com a Comintern, passam a existir como grupos independentes e praticamente abandonam a tática de frente única. Quer dizer, não totalmente: continuam a desenvolvê-la apenas localmente, em torno de lutas reivindicatórias dos trabalhadores, mas na esfera nacional só a defendem propagandisticamente no sentido de “isso é o que deveriam fazer os partidos operários de massas”, abandonando-a como tática para ação imediata do próprio partido. A simples menção à frente única desaparece da literatura trotskista a partir da ascenção das Frentes Populares na Espanha e na França.”9

E justifica a razão do desaparecimento desta tática de nossa corrente histórica dizendo que a frente única

“(…) é uma tática para a ação imediata. O trotskismo, corrente muito fraca e extremamente minoritária no movimento operário, não estava em condições de defendê-la.”10

E remata sobre a possibilidade de o trotskismo propor frentes únicas locais ou setoriais:

“Pode haver uma circunstância em que a frente ainda possa ser proposta: é no plano local, sindical ou de uma nacionalidade oprimida. Por exemplo, diante de uma greve em uma fábrica, ou de uma mobilização de trabalhadores imigrantes pode se propor a frente única  com a burocracia sindical, ou a direção local do partido socialista ou  stalinista, visando a vitória da mobilização. Mas isso é inteiramente diferente da frente única na esfera nacional, como foi defendida originalmente pela Terceira Internacional”11

Moreno inova neste sentido, o de que havendo uma tarefa nas proporções do partido revolucionário, ainda que pequeno, minúsculo, ele pode sim colocar o tema da frente única com os outros partidos operários para aquela tarefa limitada. No entanto, destaca, isso é totalmente diferente da frente única a nivel nacional, como originalmente levantado pela Terceira Internacional.

Há ainda um caso no qual é inadmissível a frente única, que é quando o partido majoritário da classe operária, reformista, governa junto com a burguesia, neste caso, sentencia Moreno:

 “Em primeiro lugar, a chegada dos partidos operários traidores ao governo, exige uma mudança radical na caracterização dos mesmos e, consequentemente, uma mudança na política do partido revolucionário” 12

E conclui:

 “nenhum acordo, ruptura total, isolamento, dirigir as massas contra eles, quando participam de um governo burguês.”13

A única exceção possivel a ter uma frente única com um partido operário traidor que governa junto com a burguesia é a possibilidade do golpe fascista ou bonapartista. Neste único caso e circunstancialmente, para impedir a vitória de um golpe bonapartista ou fascista que leve as massas a uma profunda derrota, se pode unir a um partido frente populista para defender os interesses da classe operária. Esta frente única no entanto não prevê, como nenhuma outra, nenhum tipo de apoio político ao governo vigente.

A frente única como construção de uma alternativa política
Moreno também se enfrenta com outra confusão comum, a de que a frente única seria para construir alternativas políticas para a classe trabalhadora. Tal confusão se deve, em especial, á aplicação desta tática na França, já depois da ruptura dos trotskistas com a III internacional.

Eis a passagem do livro Aonde Vai a França que gera esta confusão:

 “Já dissemos que a frente única dos partidos socialistas e comunistas encarna imensas possibilidades. Se quiser seriamente isso amanhã será a senhora da França. Mas deve possuir a vontade de fazê-lo. (….) A chave da a situação está na frente única. Se [o proletariado] não utilizar esta chave, a frente única cumprirá o papel lamentável que teria cumprido a frente única dos mencheviques e socialistas-revolucionários na Rússia em 1917 … se os bolcheviques tivessem permitido “(Na França, p 58. ).”14

Moreno comenta sobre esta passagem:

“É este um convite de Trotsky para formar uma frente única? Não,  é reconhecer que esta frente dos partidos operários existe na realidade e chama a adquirir uma política para ele. Essa política foi o entrismo no Partido Socialista e foi criado precisamente quando a frente única foi formada pelo PS-PC.”15

Algumas Conclusões
Como anunciado no inicio, o texto apresentando não é mais que uma síntese da opinião de Moreno sobre a Frente Única. Permitam-nos agora sistematizá-la em alguns pontos curtos e rápidos.

Primeiro, a frente única é uma tática, pode ou não ser usada e para sê-lo depende de vários fatores, inclusive o tamanho do partido. Segundo, é uma necessidade das massas. A frente única não pode ser concebida como um desejo super-estrutural, mas em base a uma necessidade sentida pelas massas

Terceiro, por isso é uma tática defensiva, ou normalmente defensiva, pois exige um tal desejo das massas, mesmo das mais atrasadas, para lutar, que isso normalmente só acontece quando há um profundo ataque, econômico ou político. Quarto, como conseqüência do anterior, é para a ação, a frente única busca obrigar os reformistas a lutar, coisa que eles normalmente não querem. Não é um convite a fazer propaganda sobre o socialismo, nem uma proposta abstrata de apresentar uma saída qualquer a uma problema ou crise, é uma proposta para agir, rápido e imediatamente.

Quinto, tal como foi concebida pela terceira internacional é entre grandes partidos, e faz sentido, imaginemos que dois pequenos partidos organizem uma frente única para construir a greve geral no país. Ainda que concordem, por seu peso na realidade tal ação jamais acontecerá. Moreno introduz uma inovação e diz que pode haver frentes únicas locais ou parciais para satisfazer a demandas específicas, mas esclarece, isso é distinto da proposta de frente única da III Internacional

Sexto, só é admissivel uma frente única com um partido operário que se encontre no governo, ou que o apoie, na luta para impedir um golpe de estado real e eminente do fascismo ou de setores bonapartistas da burguesia. Sétimo, em decorrência do já escrito, a frente única não é a apresentação de uma alternativa política, seja eleitoral, seja para capitalizar a crise existente. A tática política de formar frentes ou aproveitar oportunidades políticas é o bloco eleitoral ou político, e em alguns casos o entrismo e a exigência do governo operário e camponês, todos eles distintos da frente única.

 


Notas

  1. Moreno, N. Frente Obrero: El oringen de una táctica. Disponivel em https://www.archivoleontrotsky.org/download.php?mfn=9313. Acesso em 13 de Agosto de 2015
  2. Idem
  3. Moreno, N. O partido e a revolução. Traduzido por Cecilia Toledo. 2ª Edição. São Paulo, Editora Sundermann, 2008, p 321
  4. Moreno, N. O partido e a revolução. Traduzido por Cecilia Toledo. 2ª Edição. São Paulo, Editora Sundermann, 2008, p 322
  5. Moreno, N. Teses para atualização do programa de transição. Tradução Arnaldo Schreiner, Silvana Foá. São Paulo,CS Editora, 1992, p141
  6. Moreno, N. Os governos de frente popular na história. Tradução Helena Alegre, Amauri Mapa. São Paulo, Editora Sundermann, 2003, p 166
  7. idem, p 176
  8. Idem, p 174
  9. Idem, p 177
  10. Idem
  11. Idem, p 178
  12. Idem, p 170
  13. Idem, p 171

14 e 15. Idem, p 178-179

* Colaboração de Diana Curado