Passaram-se 50 anos daquele que foi o grandioso movimento que durante anos sacudiu profundamente a estabilidade do regime de dezenas de Países em todo o mundo, mas até hoje não há uma leitura convincente e coerente do 1968 que possa ser considerada um patrimônio comum do movimento operário. Na verdade, somos obrigados a admitir com pesar que, para além das leituras apologéticas, que porém não vão além de uma simpatia acrítica ou de uma nostalgia passiva por aquele período de lutas, nos últimos dez anos estão se difundindo na Itália, por refluxos do mais vulgar stalinismo (variadamente colocados), leituras que apresentam o 1968 como um movimento individualista funcional ao capital. Responsável pelo em que hoje se encontra o movimento comunista, isto é (reformismo stalinista), (1) baseando-se no fato de que, especialmente na Itália, muitos expoentes daquelas lutas tornaram-se (décadas depois) expoentes de partidos burgueses. (2)
É evidente que tudo isso não só é falso, mas denota o fato de que esta gente não tem a mínima ideia do que seja marxismo e que, acostumados a pensar em termos nacionais, eles não conseguem conceber análises internacionais dos fenômenos políticos. Nos parece, portanto, útil fornecer algumas chaves da leitura e retomar alguns aspectos esquecidos do 1968, que ajudam a entender melhor o movimento em suas diferentes dimensões. Este nosso breve ensaio visa traçar um quadro geral interpretativo no qual inserir outras reflexões sobre algumas das principais experiências que caracterizaram o movimento de 1968 publicadas na revista Trotskismo Hoje. Além de um artigo sobre o 1968 na Itália, optamos por nos concentrar em acontecimentos que nos últimos anos são muitas vezes deixados de lado quando falamos sobre o 1968, isto é a Primavera de Praga e a Revolução Cultural Chinesa.
A dialética internacional de expressões nacionais da luta de classes
“Paris, Da Nang, Praga – contra o capitalismo, contra o imperialismo e contra a burocracia -: as três frentes de revolução mundial avançam quase ao mesmo tempo”. (3) Esta é a descrição que fizeram vinte anos mais tarde, alguns dos protagonistas dos movimentos de 1968.
Para encontrar na história um momento com movimentos revolucionários estendidos em todo o mundo, como foi a excepcional mobilização daqueles anos era preciso voltar aos anos imediatamente posteriores às duas guerras mundiais ou a 1848, mas no caso de 1968, as mobilizações, com diferenças muito grandes entre os vários países, duraram quase uma década.
As primeiras mobilizações estudantis, que são geralmente consideradas os primórdios do movimento internacional de 1968 ocorreram no outono de ’64, no campus de Berkeley nos EUA, enquanto que entre a última expressão daquela onda de radicalização poderiam ser consideradas a Revolução Portuguesa (4) de ’74-’75 e o movimento de ’77 na Itália. (5)
É evidente que, dada a extensão global das mobilizações, não se deve pensar em um movimento com as mesmas características em cada país. Mas ao contrário, as mobilizações nos vários Estados seguiram dinâmicas diferentes, devido à condição do país, à composição social da população, às tradições locais da luta de classes. Apesar disso, formavam um único (embora não unificado) movimento internacional de rebelião essencialmente por duas razões: a primeira é que a mobilização em um ou mais países influenciava diretamente a radicalização em outros, a segunda é que havia alguns traços comuns na mobilização dos vários países. (6)
Tal fenômeno foi descrito por autores certamente não Trotskistas, como “desenvolvimento desigual e combinado dos movimentos anti-sistêmicos dos anos 60 e 70”. (7) Para além da imprecisão de parte da definição (8), é uma fórmula que descreve bem a dinâmica da luta de classes internacional naqueles anos, em que a explosão e o desenvolvimento de vários movimentos, que assumiam uma força revolucionária, não permitia determinar todos os inúmeros fatores que influenciaram e radicalizavam as manifestações, que a seguir, serviam como estímulo para reavivar em um plano mais elevado, a mobilização nos países que por primeiro tinham se mobilizado .
Foi assim, por exemplo, que a mobilização de estudantes norte-americanos em Berkeley, por sua vez, “herdeira” da experiência das mobilizações pelos direitos civis e dos negros no início dos anos 60 (onde vimos pela primeira vez a prática de sit -in, depois retomada na primeira parte do movimento estudantil) influenciou a mobilização de estudantes na Europa (Itália e França, em primeiro lugar) e, na América Latina, especialmente no México e na Argentina. A mobilização estudantil na França se uniu imediatamente às reivindicações operárias que deram origem à crise mais importante de 1968, o Maio francês, que serviu como um exemplo, no ano seguinte, para o ‘Outono quente’ italiano e para o “Cordobazo” argentino (9). Enquanto isso, as dificuldades que o imperialismo dos EUA enfrentava no conflito com o Vietnã (a ofensiva do Tet, em janeiro ’68) começavam a se refletir na sociedade civil americana, radicalizando em primeiro lugar os protestos estudantis e, em pouco tempo, criando um movimento de massas contra a guerra, consistindo principalmente (mas não exclusivamente) de jovens que não queriam morrer em uma guerra que cada vez era mais percebida como errada. Estendeu-se para outros países do mundo primeiro por obra de grupos políticos, envolvendo depois sempre maiores e mais camadas da população, transformando-se em um movimento de solidariedade internacional com o Vietnã. Este movimento, que continha dentro também setores pacifistas, contribuiu para a propagação de uma forte consciência anti-imperialista também entre as massas populares menos politizadas (graças em parte à concorrência de outros fatores, principalmente o potencial revolucionário da Revolução Cubana (10) e do exemplo de Che Guevara), relançando assim a mobilização geral em nível superior.
Os exemplos que apresentamos aqui (e que poderíamos dar muitos outros) traçam, acreditamos que, com suficiente exatidão a dinâmica com que a mobilização estendia-se gradual e geograficamente em nível internacional e radicalizava-se em nível nacional. Falta esclarecer o grau de homogeneidade ideológica das várias expressões nacionais da luta de classes: não acreditamos que possamos falar de um movimento unitário do ponto de vista ideológico ou do nível da consciência mundial, mas podemos identificar algumas temáticas comuns na radicalização das massas dos diferentes países. Estas são, por exemplo, o internacionalismo e o anti-imperialismo, do qual já falamos brevemente. E um anti-autoritarismo generalizado que começava com um profundo, mas confuso, anti-stalinismo dos setores mais politizados da radicalização da juventude, que julgamos ser necessário aprofundar. Inclusive, à luz de dois eventos que marcaram profundamente o 1968: a grande revolução cultural proletária na China e a Primavera de Praga, na Tchecoslováquia.
O anti-stalinismo de 1968 entre a Revolução Cultural Chinesa e a Primavera de Praga
É importante salientar imediatamente que este anti-stalinismo, que era quase inato no movimento, identificava o stalinismo com a sua expressão fenomênica da União Soviética, seus Estados satélites e dos partidos comunistas leais à política da burocracia de Moscou. Mas não poderia ser capaz, pela compreensível falta de conhecimento teórico nos setores jovens da classe que estavam se mobilizando, de identificar o que o stalinismo era em sua essência uma subordinação da luta de classes internacional para às exigências de uma casta burocrática nacional. Não eram, portanto, considerados stalinistas nem o Partido Comunista chinês, nem o vietnamita ou o cubano (que completava o seu total apoio ao stalinismo na segunda metade dos anos 60). As razões são facilmente identificáveis. Em primeiro lugar, a política de coexistência pacífica da União Soviética daqueles anos era vista como uma rendição ao imperialismo e uma falta de solidariedade internacionalista em relação à luta dos povos coloniais pela sua independência. Em segundo lugar, nem todos os países havia se constatado completamente as traições dos partidos comunistas nas lutas dos trabalhadores. A China, no entanto, naqueles anos estava em uma situação econômica muito mais difícil a da União Soviética, tanto devido ao maior subdesenvolvimento da China no momento da revolução em comparação a Rússia, quanto pelas escolhas erradas da liderança maoísta, e estava sob a ameaça direta e concreta (ou pelo menos percebida como tal) do imperialismo dos EUA. A crise das relações sino-soviéticas, que ocorreu a partir do final dos anos 50 e se intensificou na primeira metade dos anos 60 (com a retirada de conselheiros econômicos de Moscou) unia-se à luta de tendências dentro do aparato burocrático do PCC, onde a linha moderada de Liu Shaoqi era a favor de uma reaproximação a Moscou, estando em maior sintonia com as posições soviéticas do que com a linha de Mao e a de Lin Piao. Com o início da Revolução Cultural – que foi uma tentativa de manipulação, por parte da fração de Mao e de Lde in Piao -, o descontentamento dos jovens estudantes contra as estruturas burocráticas das universidades e do partido que, nas intenções de Mao, devia direcionar-se contra a fração rival, mas que correu risco de tornar-se um golpe mortal para a ditadura burocrática chinesa.(11) Multiplicaram-se os ataques a URSS, chegando a afirmar que Khrushchev havia restaurado o capitalismo na União Soviética (e que Liu Shaoqi queria fazer o mesmo na China).
A Revolução Cultural foi percebida no exterior graças à propaganda maoísta que tentava passar o mesmo conceito também entre as massas chinesas como uma segunda revolução contra a burocracia do partido, uma luta entre duas linhas dentro dos partidos comunistas, a revisionista e restauracionista burguesa, e a revolucionária proletária, quase como um tentativa de autorreforma por parte do maoísmo no sentido antiburocrático da ditadura do proletariado. (13) (o que conseguiu fazer até bem demais, vendo-se depois forçado a recorrer ao exército de Lin Piao para normalizar situação e reprimir os grupos extremistas das Guardas Vermelhas), (12)
Esta percepção também foi favorecida pela escassez de informações provenientes da China, em parte devido ao controle ditatorial da burocracia do PCC, em parte por evidentes dificuldades linguísticas e de tradução, e assim se poderia dispor (especialmente no primeiro período) apenas dos documentos e das declarações oficiais feitas pelo regime e era quase impossível ter acesso à documentação dos grupos das Guardas Vermelhas que não gozavam da aprovação maoísta, ou seja, aquelas que moviam críticas da esquerda ao regime chinês.
A ação do Partido Comunista da China estava assim em nítido contraste com a do Partido Comunista da União Soviética, que não só se autorreformava e cedia cada vez mais diante o imperialismo norte-americano, mas reprimia com sangue a tentativa de autorreforma do Partido Comunista da Checoslovaquia sob a direção de Dubček. (14).
Apesar de absurdas as posições chinesas na Primavera Praga, que era considerada como uma tentativa de restabelecimento do capitalismo fomentada pelo imperialismo americano (não substancialmente diferentes, portanto, das próprias posições soviéticas), a condenação da intervenção soviética como “o social-imperialismo” atraiu a simpatia dos jovens que se radicalizavam naqueles meses de lutas. Era uma explicação muito mais imediata e aparentemente mais convincente do que as teses trotskistas sobre a natureza reacionária do stalinismo, sobre a natureza social da URSS, etc. Ninguém se lembrava do apoio dado por Mao à invasão de Budapeste doze anos atrás … O apoio dado por Castro à invasão soviética de Praga contribuiu para apresentar o maoísmo como a única alternativa revolucionária ao stalinismo soviético, um mito que, felizmente, durou pouco, mas o suficiente, especialmente em alguns países (incluindo a Itália). Assim, a jovem vanguarda, cujo anti-stalinismo ‘primitivo’ foi seduzido por uma variante nacional específica do stalinismo, nunca foi capaz de desenvolver uma coerente visão internacionalista e revolucionária, mas ficou encalhada em um confusionismo eclético, feito de movimentismo, espontaneidade, germes de maoismo que, a seguir, levaria ao retrocesso das mobilizações (antes ou depois, dependendo dos países), ao abandono consciente da perspectiva revolucionária (embora distorcida e ilusória) em favor de capitulações reformistas e parlamentaristas, até passar diretamente para o campo da burguesia.
Mas, no final das contas, mesmo sem o maoísmo, na ausência de um partido revolucionário sólido no programa, tudo isso teria ocorrido de qualquer maneira.
Conclusões
Nos limitamos neste artigo a apontar somente alguns aspectos que consideramos controversos e dignos de atenção. Por outro lado, há uma vasta literatura sobre o 1968, que quem quiser aprofundar-se pode consultar. (15) O 1968 foi, em última análise, tudo isso e muito mais. Foi uma explosão revolucionária internacional de energia revolucionária concentrada das massas, devido à acumulação nos anos do segundo pós guerra de uma série de contradições profundas, tanto nos países imperialistas e nas colônias, quanto nos Estados operários por causa das direções burocráticas que os governavam.
Certamente, o Maio francês foi a expressão mais nítida desta explosão mundial: foi uma verdadeira crise revolucionária, um sinal de que o 1968 não foi uma transição indolor para a burguesia, que levou anos para se recuperar das conquistas arrancadas pelos trabalhadores e pelas massas naquela época de lutas.
Novamente, o que emerge como a lição desses eventos é a necessidade absoluta de um partido revolucionário para tentar responder de forma eficaz e favorável à classe operária, aos desafios colocados pelo desenvolvimento da sociedade capitalista e da luta de classes, e a necessidade de uma Internacional revolucionária centralizada para analisar os eventos em escala global e dar uma resposta ampla à crise do sistema imperialista. Na ausência de uma liderança revolucionária, a classe operária não foi capaz de explorar a brecha aberta no sistema capitalista no final dos anos 60 para derrubá-lo. Não foi de fato o 1968 que permitiu a renovação do sistema capitalista, mas sim as contradições de um sistema que estava abandonando uma estrutura de produção que gradualmente esgotava a sua força motriz (a fordista que foi imposta após a segunda guerra mundial) para permitir a explosão de um movimento que questionava não só o sistema imperialista, mas também a dominação da burocracia stalinista sobre o movimento operário mundial, dominação que permitiu a sobrevivência do capitalismo mundial no último período revolucionário no final da Segunda Guerra Mundial. Não se pode prever quando uma situação desse tipo e dessa magnitude se repetirá na história, mas as crescentes contradições do sistema econômico imperialista criam todos os dias as condições mais favoráveis para tais explosões. A tarefa dos revolucionários é preparar o instrumento que nos permita usar cada contradição para minar a sociedade capitalista e construir uma sociedade mais justa na qual finalmente desapareça a exploração do homem sobre o homem, e este instrumento é o partido revolucionário internacional.
Originalmente publicado pela revisa italiana Trotskismo Hoje. Traduzido por Alberto Albiero jr,.
Notas
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Embora seja desagradável, consideramos útil mencionar alguns desses discursos, a fim de que o leitor tenha conhecimento da quantidade de bobagens que os jovens militantes possam ler. “Agora, é historicamente confirmado, que o capitalismo reforçou-se e não se enfraqueceu “ao se livrar” da velha ética familiar burguesa, isso deveria deixar claro de uma vez por todas que o “capitalismo” e “burguesia” não coincidem. No entanto, os valores libertários e comunitários da geração dos anos sessenta não podem ser reduzidos a uma mera “astúcia da produção capitalista”. É realmente possível ver no Maio de 68 um fenômeno da gestão da crise pelas elites dominantes, que sabem selecionar cuidadosamente as exigências aceitáveis e inaceitáveis e, assim, dividir aqueles que elas dominam, satisfazendo alguns e isolando outros” (Preve). O Maio francês, portanto, teria sido apenas um “fenômeno de gestão da crise pelas oligarquias dominantes” (!). Posições semelhante expressou também Domenico Losurdo, ponto filosófico de referência para muitos membros deste “novo” stalinismo, mas que não tem nada de marxista e tudo de capitalista. Embora com maior transformação nas palavras (como de costume), expressa os mesmos conceitos Marco Rizzo: “Amargamente, em seu conjunto, o ’68 resultou, para além das vontades individuais e coletivas e sendo mais um processo de reestruturação e modernização do capitalismo do que uma mudança estrutural da sociedade. Não foi um movimento de emancipação do capitalismo, mas realizado pelo capitalismo”. Diga-se de passagem, todas estas leituras denotam uma visão nacionalista e substancialmente eurocêntrica do 1968.
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Para além dos bens conhecidos italianos, citamos, por exemplo, Daniel Cohn-Bendit, um dos líderes do Maio francês, que em 84 entra no Partido Verde alemão, mais tarde se tornará deputado europarlamentar e atualmente é um convicto defensor da integração europeia, ou seja da União Europeia imperialista. No entanto, julgar um movimento a partir do que alguns de seus expoentes, até mesmo de alto nível, fizeram 15-20 anos depois, tem o mesmo valor de imputar a Marx e Engels a traição de social-democracia alemã, o revisionismo de Bersntein e o centrismo de Kautsky, ou seja , nada.
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Alain Krivine, Daniel Bensaïd, Nunca sim! 1968-1988 rebelles et repentis, 1988, La Breche, p. 67. Para além das opiniões dos autores, e sem considerar os méritos da teoria das “três frentes”, esta frase expressa bem a dimensão internacional das lutas que abalaram várias partes do mundo ao longo dos anos: as três frentes da revolução eram precisamente a luta contra o capital nos Estados imperialistas, a luta contra o imperialismo nos países coloniais, a luta contra a burocracia stalinista nos estados Operários.
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Quando falamos da Revolução Portuguesa não nos referimos à chamada Revolução dos Cravos, isto é, o golpe de estado militar de 25 de Abril de 1974, mas o período aberto pela mobilização operária do Primeiro de maio 1974, que colocou em crise os projetos bonapartistas da burguesia portuguesa e ao processo de luta das massas trabalhadoras que durou até novembro de 75, quando a mobilização foi derrotada. Portugal, em ’68, estava sob a ditadura de Salazar, que foi sucedido pela de Caetano em 1970, e não participou diretamente do movimento. No entanto, o fato de que a revolução começa seu curso com a vitória dos movimentos de libertação nacional nas colônias portuguesas e com os efeitos que a grande mobilização proletária teve nas lutas dos trabalhadores na Europa, no final dos anos 70, acreditamos que a filha do movimento seja o 1968.
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Sobre o 1968 na Itália, que começou com a revolta juvenil e estudantil, a seguir deslocando-se no ano seguinte as mobilizações operárias (o famoso ‘outono quente’ de ‘69) e que, através também do nascimento e crescimento das “frentes de esquerda extra-parlamentar” vai continuar até o assassinato de Moro em ’78, ver o artigo de Diego Giachetti, “Antes, durante e depois do 1968 italiano”, publicado nesta edição de Trotskismo hoje.
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Como dissemos antes, o fato de que as manifestações em diferentes países se influenciem dialeticamente de forma recíproca é uma constante da luta de classes internacional (basta pensar no revolta dos ’56 em Budapeste, que tinha sido influenciada pelas mobilizações do mesmo ano na Polônia), mas a característica particular do 1968 foi que as mobilizações estenderam-se em escala mundial, mantendo uma série de características comuns, apesar das diferenças entre os vários países. Um fenômeno semelhante foi visto também no período da “Primavera Árabe”, quando a forte mobilização das massas populares egípcias e tunisinas, que por primeiro entraram em luta, se espalhou em grande parte do mundo árabe com resultados diferentes (Síria, Tunísia, Iêmen, Bahrein), influenciando depois as lutas das massas ocidentais (movimento Indignados e Occupy Wall Street), bem como as lutas dos trabalhadores imigrantes árabes nos países capitalistas (como nas lutas logísticas na Itália).
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Giovanni Arrighi, Terence K. Hopkins, Immanuel Wallerstein, Movimentos anti-sistêmicos, 1989, Verso, p. 36. O livro foi publicado em italiano com o mesmo título em 92 por Manifestoibri: a trecho transcrito e traduzido com uma pequena diferença, sempre na página 36.
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Os autores do texto citado, em particular Wallerstein, reivindicavam uma terceira visão de terceiro mundo, na verdade mais próxima de uma leitura geopolítica que de uma análise marxista (à qual os próprios autores se reportaram), das mobilizações dos anos ‘60 e ‘70, uma visão em que o “Sul do mundo” se opunha ao “Norte do mundo” (que incluía tanto os Estados imperialistas como e a União Soviética com seus satélites), conservador. Daí o uso da expressão de movimentos anti-sistêmicos isto é, que desafiaram o status quo que, sem uma visão de classe, conduz a definições problemáticas: por exemplo, da direção do Partido Comunista vietnamita como “movimento anti-sistêmico clássico” pela sua oposição aos planos de coexistência pacífica da burocracia soviética (no que se referia a Indochina) e, portanto, ao seu prosseguimento na luta anti-colonial no final da Segunda guerra Mundial, devendo, contudo, reconhecer (op. cit., p. 36) mais tarde que uma vez no poder este partido stalinista fortaleceu a burocracia estatal.
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O Cordobazo foi uma insurreição popular contra a ditadura que ocorreu em 29 a 30 de maio de 1969, em conjunto com uma greve na cidade de Córdoba, na Argentina. Abriu um período em que houve várias insurreições desse tipo que enfraqueceram a ditadura argentina, em um processo que acabou levando às eleições de ‘73. Curiosamente, entre os países latino-americanos, que também tinham experimentado a radicalização estudantil de 1968, foi justamente na Argentina, o país com a mais antiga industrialização do semicontinente e com a classe operária com a mais longa tradição de luta, que ocorreu o “transcrescimento” da radicalização estudantil para a operária e ‘popular’, como prova do que nós sustentamos anteriormente a respeito de um movimento global em nível internacional que, depois expandiu-se em diferentes países de acordo com o diferente contexto na qual expressava a mobilização em nível nacional.
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Embora hoje seja claro para que se recuse a fechar os olhos diante dos fatos de que o relativo impulso revolucionário da Revolução Cubana havia se esgotado em meados dos anos 60, e isso foi provavelmente a verdadeira causa da decisão de Guevara de sair de Cuba (a este respeito remetemos ao nosso artigo “um marxista inacabado. Concepções e prática política de Ernesto Che Guevara”, publicado no número 10 de Trotskismo hoje), aos olhos dos jovens estudantes e trabalhadores, que naqueles anos se mobilizavam, Cuba permanecia sendo o outro país ‘modelo’ do anti-imperialismo, também devido ao constante ataque dos EUA.
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No que diz respeito à Revolução Cultural chinesa, remetemos ao artigo de Alberto Madoglio “A Revolução Cultural: uma revolução política abortada”, que reconstrói a história, publicado nesta edição de Trotskismo hoje.
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A fim de mobilizar as massas estudantis e operárias contra os seus adversários na burocracia partidária, em seus discursos daqueles anos, Mao fez extensas referências demagógicas à Comuna de Paris, mas eis que surgiu toda uma série de organizações de Guardas Vermelhas radicais que questionava não só os burocratas de ‘direita’ no partido, mas também aqueles de “esquerda”. Foi, portanto, necessário iniciar uma campanha tanto contra os “extremistas de esquerda” quanto contra os excessos da Revolução cultural, de modo que, exceto alguns líderes como Liu Shaoqi e Deng Xiaoping, foram atingidos apenas expoentes de baixo ou médio nível da burocracia do partido e do Estado.
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Diga-se de passagem, essa percepção não foi apenas de setores jovens da nova radicalização, mas também de setores (muitas vezes jovens, mas não só) provenientes de organizações do Secretariado Unificado da Quarta Internacional. A estratégia do entrismo sui generis idealizada por Pablo, e ainda seguida naqueles anos pelas seções do SU, partia da previsão do desenvolvimento das correntes centristas de esquerda nos partidos comunistas, às quais os trotskistas deviam se unir para promover a sua tomada de consciência revolucionária. Os acontecimentos da Revolução Cultural e, mais tarde, a condenação chinesa pela invasão soviética da Checoslováquia, no quadro de uma confusão ideológica sobre o papel do partido revolucionário e sobre a natureza do stalinismo, levou muitos a crer que não fazia sentido manter a organização trotskista, cuja análise parecia ter sido ultrapassada pela maoísta, que havia conquistado muito mais simpatia entre as vanguardas da nova radicalização. Uma oportunista capitulação com graves consequências (na Itália os GCR foram quase dissolvidos), devido à estratégia errada de Pablo e do SU (em seu livro Les enfants du Prophete. Histoire du mouvement trotskista en France, Jacques Roussel, falando da ruptura dos grupos do Pc Frances que faziam entrismo no PCF, ironicamente pergunta: “o maoísmo não é o foco principal do reestabelecimento revolucionário anunciado?”) .
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Referimo-nos a como as vanguardas da juventude em processo de radicalização percebiam os eventos da Primavera de Praga, não em seu curso real, que foi mais contraditório: para uma análise, nos referimos ao artigo de Salvatore De Lorenzo, “1948-1968: vinte anos de stalinismo em Praga”, publicado nesta mesma edição de Trotskismo hoje.
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Para uma pesquisa mais abrangente dos diferentes aspectos do 1968, recomendamos a leitura do livro de Roberto Massari, Il ’68. Como e por que, 1998, Massari editore, ao qual nós recorremos para reconstruir uma visão de conjunto do período.