O que é exatamente o patriarcado?
Herdamos, principalmente do feminismo radical dos anos 70, o uso dos vocábulos “patriarcado” e “patriarcal” para nos referir a tudo aquilo que oprime ou manifesta a opressão das mulheres como tais na sociedade, mas quando se usa, muito poucas vezes alguém tem uma ideia clara do que se trata ou pode dar uma definição exata. O termo “patriarcal” que se usa muito frequentemente como sinônimo de machista ou sexista ou inclusive de “masculino”, não é simplesmente um termo descritivo de uma realidade muito obvia (a opressão das mulheres em tantas esferas da vida cotidiana), senão que contem um componente teórico: o patriarcado é a sociedade onde os homens como grupo exercem um controle e uma dominação sobre as mulheres, porque são os homens que tem o poder. Quer dizer, o que fica implícito no fato de definir uma sociedade de conjunto como um “patriarcado” é que se trata de uma sociedade onde as relações de poder estão colocadas a serviço dos homens ou do sexo masculino de conjunto e de seus interesses, que as relações de poder são principalmente relações antagônicas de sexo ou gênero.

[…] A crítica contemporânea feminista Ara Wilson concorda que o conceito de patriarcado é central na definição teórica e politica do feminismo radical ou da “segunda onda do movimento feminista”. Mas, apesar disso, em seu artigo para a Routledge Internacional Encyclopedia of Women (2000), confessa que não consegue formular uma definição teórica exata além de qualificá-lo “como um sistema social expandido de dominação de gênero”. A principal razão desta dificuldade é que as próprias feministas o usam de múltiplas maneiras sem defini-lo bem. […] Castro e Lavinas também concordam com o diagnostico de indefinição e generalidade do termo “patriarcado” na teoria feminista já que para algumas feministas o patriarcado acontece e se estrutura a nível de família e para outras a nível de Estado, por isso afirmam: “nos parece correto afirmar que este perde seu estatuto de conceito para se estabelecer como uma referencia implícita e sistemática e dominação sexual”. E o próprio da teoria, pelo menos para os marxistas é justamente o oposto a trabalhar com referencias vagas e implícitas: se trata de explicitar os conceitos, estabelecer sua origem, sua historia, seus fundamentos, se trata de esclarecer e precisar para ver como um conceito provem de e se ajusta a realidade histórica e mutável.

[…] Para algumas feministas radicais ou socialistas, o patriarcado é meramente uma superestrutura ideológica (Juliet Mitchell), ou politica, localizada na lei e no Estado (Carole Pateman e Zillah Eisenstein); para outras se trata da simples soma das manifestações de opressão nos distintos âmbitos e níveis sociais (Kate Millett) ou do resultado da evolução tecnológica da sociedade e da relação entre diferenças biológicas que consistem no controle da capacidade reprodutiva das mulheres ou de sua sexualidade.
Finalmente, no melhor dos casos, houve uma tentativa de se referir ou integrar na analise do patriarcado elementos da teoria marxista nas chamadas correntes materialistas, socialistas ou marxistas do feminismo. Nestas o patriarcado foi pensado mais concretamente como uma divisão desigual do trabalho por sexos, assim o teorizaram as feministas materialistas como Christine Delphy ou Lidia Falcon; como um sistema de exploração do trabalho reprodutivo das mulheres tal e como o teorizaram feministas socialistas ou marxistas como Heidi Hartmenn, Maria Rosa Dalla Costa, Silvia Federici ou Selma James; ou finalmente como um sistema de exploração e controle de outro tipo de produção designado as mulheres (diferente da produção de mercadorias), a produção da vida, como sustentaram Maria Mies ou Veronica Beennhold-Thomsen.

[…]Vemos, pois, que ao invés de haver alguma teoria do patriarcado não haveria uma, senão muitas. O importante e distintivo destas teorias do patriarcado, do sistema de poder dos homens, não é que sejam as únicas que explicam a existência de desigualdades sociais entre homens e mulheres, senão que são teorias que afirma que a divisão hierarquizada entre homens e mulheres é uma divisão que estabelece um antagonismo estrutural na sociedade. Ou dito de outra forma, que a principal relação de poder que estrutura a sociedade patriarcal ou o patriarcado é a de dominação das mulheres pelos homens.

Da família patriarcal à sociedade patriarcal
Os primeiros livros que promoveram o conceito de patriarcado nesse sentido tao amplo de “sistema” ou “estrutura” social foram os das feministas radicais estadunidenses Kate Millet com Sexual Politics (Politicas Sexuais, 1969) e Shulamith Firestone, The Dialetic of Sex, The Case for a Feminist Revolution (A dialética do sexo, por uma revolução feminista, 1970). Foram obras que tiveram um grande impacto em um setor social amplo da classe media e do estudantado norte americanos. O que conseguiram implicitamente , tanto Millet como Firestone e as feministas que as seguiram, foi reconceitualizar o termo de patriarcado. Antes da década de 70 do século passado (e de toda a prolifica literatura feminista que acompanhou o movimento de luta das mulheres), “patriarcado” era um termo próprio da ciência antropológica que definia um tipo de família no desenvolvimento das sociedades humanas e assim o encontramos utilizado, por exemplo, na obra de Engels.

Mais adiante, em Economia e Sociedade (1968), o sociólogo Max Weber definiu o patriarcado ou mais exatamente o “patrimonialismo” como uma forma de governo baseada no poder dos pais de família, própria do longo período feudal na Europa, quer dizer, como uma forma de organização social onde o poder da monarquia patrimonial é uma projeção aumentada dos múltiplos patriarcados (ou estruturas familiares) nos quais se sustenta. […]

A teoria marxista fez desde o inicio um uso muito cuidadoso do termo patriarcado, tentando se apoiar nas pesquisas dos antropólogos. Em A origem da família, da propriedade privada e do Estado (1884), Engels, como o resto dos antropólogos de sua época, usa o termo “patriarcal” para caracterizar um tipo de família, em uma época onde as famílias eram comunidades, por isso Engels fala em um momento de “comunidade familiar patriarcal”. Na analise materialista de Engels, mais especificamente, a família patriarcal é uma forma transicional da família que surge entre as famílias baseadas no direito materno ou o que Engels chama de “matriarcado” e a família monogâmica, que é a forma da família ate hoje, transformada pelo capitalismo. A família patriarcal é a família que surge, segunda a hipótese dos antropólogos, quando a filiação feminina e o direito materno são substituídos pela “filiação masculina e o direito hereditário paterno”, pelo qual o pai se torna o chefe da família e se constitui em torno do gene paterno. A família patriarcal se caracteriza pelo aumento da autoridade e do poder do pai de família sobre o grupo e a incorporação de membros dependentes e servis nesta estrutura de dominação. Mas para Engels esta família permanece, por um período relativamente curto da historia humana porque a maior mudança que vai cristalizar a opressão das mulheres ainda vai acontecer. O que vai surgir muito rapidamente, com o desenvolvimento das forcas produtivas, é o aparecimento da sociedade de classes e, portanto de um novo tipo de família baseada no matrimonio monogâmico, onde o homem reduz sua esposa a uma propriedade e garante assim uma autoridade firme e generalizada no sistema social.[…]

O importante para nós marxistas é entender que Engels buscou na ciência antropológica mais avançada de sua época elementos para desnaturalizar a opressão da mulher e fazer sua historia critica com o método materialista e histórico, para entender e expor a origem das relações de exploração e opressão. Para arrancar a exploração e opressão pela raiz, foi necessário elaborar a teoria de como pode ser possível que essas relações se estabeleceram como tais e se cristalizaram, já que não vem dadas pela natureza e existiram sociedades que lhes foram alheias. Engels percebeu, pois, que houve uma mudança qualitativa na família, que não foi só uma mudança nas relações de parentesco ou filiação, senão uma mudança do papel social da família e sua localização nas comunidades ou sociedades primitivas. Essa mudança ocorre com a sociedade de classes, que dá um novo caráter a família.

[…]A mudança qualitativa para Engels é, pois, o surgimento da propriedade privada da terra, dos bens e, portanto, também das mulheres e filhos, que passam a ser percebidos como a propriedade do pai de família. Esta mudança das relações sociais e o surgimento de classes é o que modifica o caráter das relações de poder que já existiam na família, dando uma base material e estabilidade as relações de dominação. A família monogâmica, também a unidade social básica de produção nessa época, se baseia na propriedade privada e estabelece uma hierarquia dos sexos, já que “se baseia no predomínio do homem, seu fim expresso é o de procriar filhos cuja paternidade seja indiscutível e esta paternidade indiscutível é exigida porque os filhos, na qualidade de herdeiros diretos, hão de entrar um dia em posse dos bens de seu pai.”.

[…]Não obstante, as feministas radicais deram outro sentido ao termo patriarcado, o re-conceitualizaram para abarcar um âmbito muito além da família e passaram a usa-lo para definir as relações de poder no conjunto da sociedade, que garantia que os homens (todos os homens) estão “acima” de ou tem o poder sobre as mulheres (todas as mulheres) em todos os níveis da sociedade.

O patriarcado segundo as feministas radicais
[…][Alice Echols] Suas elaborações sobre a opressão da mulher foram feitas no calor das lutas dos Negros e do movimento Black Power (Poder Negro). Frente a dificuldade de conseguir que fossem aceitas suas reinvindicações na National Conference for New Politics (Conferencia Nacional para Nova Politica) em 1967, onde Firestone participou, um grupo de Chicago publicou um manifesto “To the Women in the Left” (Para as mulheres na Esquerda), defendendo a “secessão” das mulheres do sistema patriarcal masculino, do mesmo modo que a ala radical do movimento negro reivindicava a autodeterminação frente ao Estado Norte-americano. Desde seu inicio, pois, o feminismo radical esteve associado, em sua estratégia politica ao separatismo e a luta de um sexo contra o outro para acabar com o sistema de dominação chamado patriarcado, defendendo uma revolução feminista.

O feminismo radical se pensou a si mesmo como uma corrente da Nova Esquerda que queria demarcar-se tanto das posições reformistas liberais como do stalinismo. Frente à “esquerda tradicional” que tinha considerado o problema da mulher como algo secundário que se solucionaria automaticamente com a chegada ao socialismo e que reproduzia dentro de suas organizações relações de opressão, o feminismo radical argumentou que as relações de poder, que permitiam a submissão das mulheres aos homens, não podia ser reduzido a simples reflexos ou instrumentos para preservar a exploração econômica, que eram distintas e deveriam ser pensadas com conceitos próprios. Antes de prosseguir devemos esclarecer que nós que reivindicamos o marxismo revolucionário estamos de acordo com o fato de que as relações de opressão não são só “meios” para explorar ou dividir a classe trabalhadora, que tem uma existência social própria e semi-autonoma e por isso diferenciamos o conceito de opressão do de exploração. Não obstante, não estamos de acordo com a submissão inversa que quer fazer o feminismo radical (reduzir a exploração e as relações de classe a opressão entre sexos) nem com a ideia de que ambas as relações tenham hoje um significado igual na hora de organizar a sociedade, ainda que sejam diferentes e estejam combinadas, os marxistas afirmamos que são as relações de classe as que emergem como dominantes, quer dizer, as que decidem em ultima instancia, que opressões são necessárias e quais são prescindíveis e que dimensão podem tomar.

[…] Echol explica que o impulso que reuniu estas ativistas e intelectuais da esquerda norte-americana a articular um feminismo radical, superador do feminismo liberal e do marxismo, foi uma diferenciação clara frente aquelas ativistas que eram chamadas de “politicas”, em um sentido depreciativo, porque “atribuíam a opressão da mulher ao capitalismo e sua principal lealdade era com a esquerda”, à subordinação da libertação das mulheres à esquerda organizada” que considerava que “a dominação feminina era um simples epifenômeno do capitalismo”. Portanto o eixo politico e programático que definiu o feminismo radical foram “que as mulheres constituíam um sexo-classe, que as relações entre mulheres e homens tinham que ser pensadas e termos políticos e que o gênero, e não a classe, era a principal contradição”.

E daí surgiu a necessidade de dar uma base teórica a uma localização social e a um projeto politico, que resultou na elaboração das distintas teorias do patriarcado. Mas o feminismo radical não parou ai, na hierarquização das relações de sexo sobre as de classe, senão que afirmou que as relações de dominação patriarcais são anteriores no só ao capitalismo senão ao surgimento da exploração e que, portanto, sua origem não tem nada a ver com a sociedade de classes. […] Sua maior dificuldade foi e segue sendo onde localizar então a origem da opressão sem voltar a biologia ou natureza humana e o patriarcado. *Lembremos as inúmeras vezes onde nossa corrente se enfrentou contra a transfobia das feministas radicais no movimento (adendo meu).

Algumas feministas radicais, como Millett ou Witting se opuseram radicalmente à ideia de que a opressão da mulher tivesse raízes naturais e afirmaram que era algo absolutamente cultural e social, defendendo uma posição conhecida como “construtivismo radical”. O materialismo e o marxismo foram de fato as primeiras teorias a rechaçar qualquer tipo de essencialismo ou a ideia de que o homem, a mulher ou a humanidade de conjunto tenha “destino biológico algum”. Não existe uma “essência humana”, senão que é o humano – e todas suas categorias – são uma construção social e histórica em constante mutação. O que o marxismo afirma, diferente do construtivismo, é que não basta dizer que o sexo ou o gênero (como a raça etc.) são categorias socialmente criadas, quer dizer, não basta fazer um trabalho crítico contra a naturalização das opressões. O que preocupa os marxistas é explicar como foram geradas ou se formaram relações de sexo ou gênero cristalizadas e opressão e porque, para poder pensar como mudá-las e lutar contra elas, quer dizer, elaborar uma politica e uma estratégia de libertação que implique na transformação real, material da sociedade, muito além do importante e necessário trabalho crítico e intelectual. […]

Ainda assim, podemos destacar três elementos teóricos comuns nas distintas formulações do feminismo radical que merecem uma discussão: o caráter a-histórico e estruturalista do conceito de patriarcado, a cooptação e inversão do marco marxista de analise e o individualismo utópico contido no slogan popular do feminismo radical: “o pessoal é politico”.

[…] Não sabemos muito bem segundo o livro de Millet quando surge o patriarcado como tal, mas isto não é problema só de Millet senão da maioria das teóricas feministas radicais. De fato, o caráter a-histórico do patriarcado que parece ter existido “desde sempre” é uma das principais criticas que o feminismo radical recebe dos marxistas e outras alas mais radicais do feminismo.

[…] Todas elas recorre, cada uma de sua maneira, à teoria marxista para pensar e desenvolver uma teoria feminista do patriarcado, pegando emprestados os conceitos, mas invertendo sua hierarquia, produzindo assim quase uma teoria marxista negativa, como em um negativo fotográfico. Todas elas partiram da redução falsa e reducionista que subordina todos os conceitos e fenômenos a meras variações ou reflexos das relações de exploração, que são as únicas “verdadeiras” e “importantes”. Firestone, por exemplo, construiu sua Dialética do Sexo em um dialogo intenso com Marx e Engels argumentando: “Seria um erro tentar explicar a opressão da mulher a partir desta analise de classes constitui um trabalho engenhoso, mas de alcance limitado (…) não tem profundidade suficiente”. Firestone afirma que “existe um substrato sexual na dialética histórica” analisada por Engels (a evolução da família), mas que este não lhe agrada porque só se empenha em “perceber a sexualidade só através de uma impregnação econômica”. […] Esta tentativa de cooptar o marco teórico do marxismo e aplicá-lo de outra forma para gerar novas divisões e categorias levou Firestone a falar de um “sistema de classes sexuais” onde ainda que esta opressão tenha uma origem biológica é perpetuada socialmente pelas técnicas de controle e dominação, que se materializa, que se materializa principalmente através do controle da capacidade reprodutora das mulheres.
[…]

O terceiro ponto que é importante destacar é a ideológica politica contida no slogan “o pessoal é politico” que situa o individuo, não o sujeito coletivo, como o agente e o objetivo estratégico da mudança. A revolução feminista partiu de um problema muito real e muito presente na autodenominada esquerda e nas organizações operarias: a contradição entre um discurso emancipador, que contemplava teoricamente a libertação das mulheres (ainda que frequentemente como um objetivo secundário) e uma serie de praticas machistas e opressivas: desde uma divisão do trabalho desigual e “essencializante” dentro das organizações politicas e uma subordinação das mulheres a fazer o trabalho “invisível”, cinzento e cotidiano, até comportamentos machistas totalmente aceitos, casos de abusos, tentativas de controlar a vida sexual das militantes. Etc. O slogan “o pessoal é politico” pretendia em primeiro apontar e lutar contra essa contradição presente em muitos quadros e militantes varões do movimento social, radical, sindical, socialista e comunista. Era uma tentativa de mudar na pratica, no dia a dia, os métodos e o trato para fazer politica.

Mas o slogan para feminismo radical derivou em muitos casos a apontar uma estratégia e não uma simples tática: o feminismo foi pensado como um processo politico que deveria culminar em uma transformação pessoal, em particular uma mudança da consciência, uma politização da vida pessoal, onde o individuo era por sua vez o ponto de partida e de chegada nesse processo e as dinâmicas coletivas (as marchas, os grupos de autoconsciência, a divisão do trabalho militante, a vida em comunas feministas, as ações diretas) eram só uma mediação para alcançar essa transformação pessoal que se pensava a si mesma como contagiosa. Nesse âmbito, o feminismo radical pegou emprestada a estratégia do socialismo utópico de Owen ou Fourier.

A sexualidade se tornou, para muitas feministas radicais, o elemento mais profundo e mais autentico de uma subjetividade feminista radical, assim como afirma Germaine Greer, uma feminista australiana: “O pessoal segue sendo politico. A feminista do novo milênio não pode deixar de ser consciente de que a opressão é exercida na e através de suas relações mais intimas, começando pela mais intima de todas de sua relação com o próprio corpo.” Algumas feministas defenderam o lesbianismo ou a bissexualidade como uma ação politica de transformação. […]

Uma critica marxista às teorias do patriarcado do feminismo radical
O problema geral das teorias do patriarcado é que ainda que localizem a totalidade das manifestações da opressão em todos os âmbitos da existência humana, não reconhecem que a opressão surgiu historicamente se manteve estável durante séculos ate hoje porque se combina com a exploração, que é a base material que a sustenta. Propõem uma concepção abstrata e anti-histórica da opressão como estrutura, fora da divisão social do trabalho e indiferente à mudança histórica dos modos de produção. Seu método anti-histórico não pode explicar, portanto, como surge (a origem) e se consolida como uma relação de opressão a nível social e como esta se cristaliza como autônoma com o surgimento da sociedade de classes e do Estado, que muda a natureza social das relações familiares.

[…]O feminismo radical propõe uma estrutura que só reconhece dois sujeitos sociais que se enfrentam: homens e mulheres. Ao não conseguir explicar como se combina a opressão da mulher com a luta pelo socialismo. O resultado é que o feminismo radical buscou sistematicamente contrapor as lutas, argumentando que a luta dos sexos era anterior e mais profunda que a luta de classes, em vez de integrá-las em uma estratégia comum de revolução e libertação como pretende fazer o trotskismo, como herdeiro do marxismo revolucionário. Conscientemente ou não colocou a mesma hierarquização mecânica que denunciava no stalinismo e no castrismo quando estes adiaram a libertação das mulheres para um momento futuro do socialismo. Neste sentido, se o feminismo radical conseguiu ser um dos motores ideológicos que animaram as lutas que conseguiram grandes conquistas democráticas (como o direito ao divórcio, ao aborto, aos direitos reprodutivos e uma sexualidade mais livre) também se tornou um obstáculo fundamental “para que as mulheres trabalhadoras se organizem independentemente da burguesia e levem aos lugares de trabalho e aos bairros operários as reivindicações democráticas.

[…]Em vez de postular que os homens da classe trabalhadora são aliados potenciais e que através de um duro combate ao machismo nas organizações operarias, estudantis, populares e nas lutas, teria que ser educados e ganhos para a libertação das mulheres, porque em ultima instancia o socialismo revolucionário (que abarca em seu programa a luta contra todas as opressões) é uma luta comum, o feminismo radical com suas teorias do patriarcado colocou os homens como inimigos sistemáticos das mulheres e defendeu uma estratégia de separação e confrontação entre homens e mulheres. […]

Em sua tentativa de gerar uma teoria do patriarcado como uma imagem congelada e invertida do marxismo vulgar, o feminismo radical não só produziu uma teoria abstrata, desconectada da realidade histórica, senão que afirmou que a realidade socioeconômica das mulheres não importa, que a relação de opressão se articula no nível da sexualidade ou da diferenciação de sexo, da capacidade reprodutora das mulheres. […] Uma categoria teórica surpreendentemente ausente do feminismo radical foi o trabalho, já que em nenhum momento se considerou como importante ou central o problema do trabalho domestico ou o trabalho reprodutivo ou o problema da exploração salarial do trabalho da maioria das mulheres (porque sua condição de exploradas as “aproximaria” dos homens da classe trabalhadora).

[…]A superestrutura burguesa (o Estado, as leis, a ideologia etc.) fez todo o possível para manter a discriminação em relação a mulher e não lhe outorgar a igualdade de direitos que reivindicaram as mulheres na época das revoluções burguesas. O capitalismo se apoiou em uma superestrutura sexista e machista, que discrimina as mulheres e fez o possível para assegurar sua sobre-exploração e sua exclusão da vida politica.

[…] Ainda que não estejam arraigadas só na família e no Estado, sua origem não esta na biologia nem na ideologia senão na sociedade de classes e, hoje em dia, no único motor que alimenta a sociedade burguesa: a busca de lucros capitalistas a todo e qualquer preço.

Síntese de Luana Ribeiro do artigo de Florence Oppen publicado na íntegra pela Revista Marxismo Vivo número 7, disponível em: http://phl.bibliotecaleontrotsky.org/arquivo/mv07neept/mv07neept-19o.pdf
Os grifos são de Luana Ribeiro

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