O tema das classes sociais, ao ser bem estudado, revela-se extremamente árido, merecendo considerações muito cautelosas. Ao mesmo tempo, o marxismo se vê instado a apresentar respostas teóricas cada vez mais precisas sobre esse assunto, sobretudo em tempos de influência ideológica pós-moderna.
Queremos aqui travar um debate sobre a definição e a compreensão das classes subalternas contemporâneas, e o faremos numa perspectiva centralmente econômica, apegada à teoria marxista do valor. Não desconhecemos que uma caracterização completa das classes sociais exige considerações de cunho mais político. Todavia, entendemos que o aspecto econômico-estrutural é o mais importante, e que toda e qualquer análise política sobre as classes deve partir dele.
Pretendemos demonstrar que o marxismo oferece possibilidades muito interessantes acerca da moderna compleição das classes sociais, a despeito das elaborações pós-modernas e das iniciativas revisionistas dentro da teoria marxista. Seguindo de perto o pensamento de Marx, perceberemos a sua atualidade e a sua força explicativa.
Passemos, pois, à discussão, mas não sem antes tocar um problema conceitual prévio.
Antes de tudo: o conceito de trabalho produtivo
Para início de conversa, é preciso esclarecer em que consiste o conceito marxista de trabalho produtivo, pois ele será decisivo para nossas conclusões. Diríamos que Marx usa o termo em duas acepções distintas, embora próximas. Convém anunciar e explicitar desde logo esta distinção para evitar confusões, reservando, no entanto, seus desdobramentos para o estudo propriamente dito da localização dos trabalhadores.
O sentido “forte” – mais conhecido e admitido – de trabalho produtivo é o de trabalho que produz mais-valia. Este é o trabalho produtivo na sua acepção principal, pois corresponde à peculiaridade da produção capitalista. Marx (1978, p. 70) coloca que, “como o fim imediato e [o] produto por excelência da produção capitalista é a mais-valia, temos que só é produtivo aquele trabalho […] que emprega a força de trabalho – que diretamente produza mais-valia”. É próprio da produção capitalista gerar e extrair valor excedente no processo produtivo, e este é o eixo do modo de produção burguês.
Para ser produtivo nesta conotação, ou seja, para ser gerador de mais-valia, o trabalho não precisa ser material. Frequentemente, o trabalho produtivo é material, e o caso clássico é o das fábricas. Mas mesmo os serviços, que correspondem a uma produção imaterial (consistem num efeito útil e não se objetivam num produto separado da atividade laboral), podem gerar mais-valia. Marx explica com um exemplo: uma cantora contratada por um empreendedor para fazer uma apresentação num espetáculo pode ser uma trabalhadora produtiva se o espetáculo for cobrado. Num caso como este, a lógica de valorização do capital funciona normalmente: o capitalista contratante investe em capital constante (as condições técnicas para o evento musical) e em capital variável (o pagamento da cantora, que vende sua força de trabalho). Com a venda dos ingressos, o empreendedor recolhe mais dinheiro do que investiu para contratar a trabalhadora e para sediar o evento. Esta diferença que ele embolsa nada mais é do que um valor excedente, uma mais-valia.
Este exemplo é importante porque demonstra que a mais-valia não necessariamente depende de produtos físicos. Aliás, Marx dizia que podemos revirar à vontade uma mercadoria, mas não encontraremos nela um único átomo de valor. O valor não é físico, sua materialidade é dada nas relações sociais do mercado e na produção para o mercado, não na coisa em si. Tanto é assim que o trabalho criador de valor é chamado de trabalho abstrato: são abstraídas as condições concretas do processo do trabalho que resulta na mercadoria para levar em conta apenas a quantidade de trabalho indiferenciado, genérico, e socialmente necessário para a sua produção. Isto significa que, para o valor, pouco importa se as pessoas produzem calçados, alimentos, serviços de advocacia ou apresentações musicais. Se este trabalho se dirige ao mercado, ele será abstraído como mera quantidade de trabalho indiferenciado, como mera soma de valor. E se houver um excedente apropriado por outrem (como no caso do empreendedor em relação à cantora), haverá aí a coleta de mais-valia.
Mas há um segundo significado, em Marx, de trabalho produtivo. Para a nossa infelicidade, ele usou um mesmo termo para designar situações que não são exatamente iguais, embora guardem uma similitude importante. Cabe a nós, marxistas, destrinchar os conceitos e enfrentar o desafio.
Ao tratar dos trabalhadores do comércio no livro III d’O capital, Marx diz que eles são produtivos para os seus empregadores, pois são explorados por eles e os enriquecem. Sem o comerciário, o capital do ramo do comércio não poderia prosperar, sendo que este capital que atua somente na circulação valoriza-se ao nutrir-se dos custos da troca mercantil:
Para o capital industrial, os custos de circulação se revelam e são custos necessários, mas não produtivos. Para o comerciante revelam-se fonte de lucro, que – suposta a taxa geral de lucro – está na proporção da magnitude deles. O desembolso a fazer nesses custos de circulação é, portanto, investimento produtivo para o capital mercantil. Pela mesma razão, o trabalho comercial que compra é para ele diretamente produtivo (C. III, V, p. 401).
Ora, esta é uma segunda definição, um novo conceito. Primeiro, trabalho produtivo foi descrito como aquele que cria novo valor, mais-valia. A dificuldade agora está no fato de que o comércio não gera mais-valia. O comerciário, na primeira acepção, não é produtivo. Sua atividade não adiciona nenhum valor ao processo de produção de uma mercadoria, e neste aspecto ela é improdutiva. Todavia, o trabalhador do comércio permite com que uma parte do valor das mercadorias produzidas seja embolsada pelo seu empregador, aumentando a sua riqueza – sendo que Marx o chamou, no tocante a isto, de produtivo, ou melhor, produtivo para o capital que o utiliza. Tal empregado é indispensável para a atividade de seu patrão, pois nenhuma empresa comercial pode funcionar sem empregados.
No “capítulo inédito” d’O capital, Marx (1978, p. 79) coloca que “a diferença entre o trabalho produtivo e o trabalho improdutivo consiste tão-somente no fato de o trabalho trocar-se por dinheiro como dinheiro ou por dinheiro como capital”. No caso da firma comercial, o trabalhador é contratado para enriquecer o patrão: seu salário corresponde a uma troca de trabalho por dinheiro como capital. O comerciário serve ao seu empregador não como um criado particular, mas como um instrumento para arrecadar lucro. O quadro de empregados da empresa de comércio consiste num capital variável, sem o qual ela não consegue alimentar sua acumulação. Por outro lado, afirma-se como produtivo, no mesmo texto, o trabalho que produz diretamente mais-valia, o trabalho que é “consumido diretamente no processo de produção com vistas à valorização do capital”.
Insistamos, pois, neste ponto: o trabalho produtivo aparece em Marx de duas maneiras: em primeiro lugar, como a atividade pela qual o trabalhador produz um valor superior ao valor de sua própria força de trabalho (mais-valia) no processo social de produção de uma mercadoria qualquer, seja ela tangível ou intangível. E em segundo lugar, o mesmo termo é utilizado para reportar outro caso, o do trabalhador que, sem gerar nenhum tipo de valor no processo de produção (ele não participa deste processo, na verdade), apenas realiza a venda da mercadoria produzida, o que implica a valorização do capital do empregador – e não do capital em seu conjunto social.
Chamarei de trabalho produtivo “em sentido fraco”, na falta de terminologia melhor, o trabalho do comerciário. E digo “fraco” porque este trabalhador, ao mesmo tempo em que é “produtivo” para o seu patrão (faz crescer sua riqueza – segundo significado), é improdutivo do ponto de vista do processo capitalista de produção (primeiro significado), o qual transcende os empregadores individuais e remete ao capital social total. Veremos mais à frente que esta perspectiva traz implicações da maior relevância.
Feita esta diferenciação entre “trabalho produtivo em sentido forte” (cria mais-valia) e “trabalho produtivo em sentido fraco” (corta custos ou enriquece alguém sem criar mais-valia), podemos avançar para o debate sobre o proletariado, a classe operária e os trabalhadores do Estado, sabendo de antemão que há diferentes formas pelas quais os trabalhadores se relacionam com a mais-valia e com o capital.
O proletariado
Existe, no marxismo, a tradição de definir como proletário aquele que vive do salário, ou ainda, da alienação de sua força de trabalho. Este conceituação não está errada, mas é insuficiente, pois o proletariado só pode ser compreendido a fundo na sua relação com seu antípoda, a burguesia. Ou seja: para ser proletário, o indivíduo deve ser explorado pelo capital, não basta que sua renda se dê na forma de salário. Com isto, já adianto nossa visão de que alguns funcionários do Estado, mesmo sendo assalariados, não poderiam ser enquadrados nesta classe.
Do ponto de vista da produção de mais-valia, o proletário pode ser produtivo ou improdutivo, embora seja sempre explorado, de alguma forma, pelo capital – do mesmo modo que o capital, para ser digno deste nome, precisa explorar valor excedente alheio, ainda que indiretamente (como na finança e no comércio).
A exploração pelo capital pode ser direta ou indireta. Será direta se algum capital, individualmente, elevar-se à custa do trabalho de seus empregados, seja extraindo mais-valia, seja se beneficiando com o corte de despesas ou com qualquer tipo de atividade que o alimente. Será indireta, no entanto, se isto ocorrer apenas com relação à totalidade dos capitalistas, e não perante um capital individual. Neste ponto, entra em cena o conceito de capital social total (ou capital global), cuja explicação está em Marx, e a reproduzimos para que não haja dúvidas, pois se trata de um conceito d’O capital que aparece apenas nos livros II e III:
“Mas cada capital separadamente não é mais do que fração autônoma, dotada por assim dizer de vida individual, mas componente do conjunto do capital social, do mesmo modo que cada capitalista isolado é apenas elemento individual da classe capitalista. O movimento do capital social consiste na totalidade dos movimentos de suas frações dotadas de autonomia, na totalidade das rotações dos capitais individuais” (C. II, III, p. 399).
“Os capitalistas dos diferentes ramos, ao venderem as mercadorias, recobram os valores de capital consumidos para produzi-las, mas a mais-valia (ou lucro) que colhem não é a gerada no próprio ramo com a respectiva produção de mercadorias, e sim a que cabe a cada parte alíquota do capital global, numa repartição uniforme da mais-valia (ou lucro) global produzida, em dado espaço de tempo, pelo capital global da sociedade em todos os ramos. (…) Aqui, do ponto de vista do lucro, os capitalistas são vistos como simples acionistas de uma sociedade anônima em que os dividendos se repartem segundo percentagem uniforme, só se distinguindo os dividendos correspondentes a cada capitalista pela magnitude do capital que cada um colocou no empreendimento comum, pela participação percentual que tem na empresa, pelo número de ações que possui” (C. III, IV, p. 211-212).
Assim sendo, pensamos que um estudo sobre o proletariado, ao propor classificações, deve se ater aos critérios objetivos das relações dos trabalhadores com o processo criador de mais-valia, tanto em face de cada capital isolado quanto em face do capital em seu conjunto. Esta distinção, esperamos, provará a sua importância cabal nas questões mais polêmicas. Por ora, não nos esqueçamos que a sociedade capitalista é uma sociedade voltada para a produção de valor excedente, e não para a produção de utilidades concretas. Pensar o proletariado na sua localização social e nas suas frações demanda, assim, que tomemos em conta as diferentes maneiras pelas quais o trabalho é incorporado na produção e na circulação do valor. Este é um primeiro momento da análise, e que reputamos determinante. Passemos, pois, à nossa proposta de classificação:
Proletariado da produção: seu trabalho é sempre produtivo, tanto para o capitalista imediato quanto para o capital social total, gerando mais-valia nos setores que atua e no interior de uma divisão técnica do trabalho (“trabalhador coletivo”). A mais-valia que ele cria é a substância de toda a riqueza que opera na sociedade capitalista, inclusive dos salários dos trabalhadores improdutivos. Compreende-se aqui uma noção ampliada de indústria: não só a produção material diretamente, como nas fábricas, usinas, canteiros de obras etc., mas também a produção imaterial (indústria dos serviços) e os processos econômicos que são uma extensão da produção, como embalagem, transporte, logística etc. Corresponde à classe operária, cujo núcleo duro (“os grandes batalhões”) encontra-se nas concentrações fabris – trataremos deste setor como uma fração (ou “subfração”) à parte no próximo item. Importante destacar aqui que se trata de um proletariado da produção pelo fato de produzir mais-valia, e não de produzir bens materiais.
Proletariado da circulação: seu trabalho é improdutivo para o capital social total, na medida em que não produz mais-valia, apenas faz os valores circularem (agem na “metamorfose das mercadorias”), e produtivo (em sentido fraco) para o capitalista imediato, pois permite que este embolse uma parte da mais-valia gerada na produção – sendo esta a fonte primária do lucro comercial. Compreende as atividades que se separam do processo produtivo e que representam custos de circulação para o capital produtivo, como o comércio e os serviços financeiros (a publicidade figurava no mesmo ramo até se destacar como uma indústria de serviços). Corresponde ao que seria uma “periferia” dos trabalhadores produtivos em sentido forte, da mesma forma que a circulação é uma “periferia” da produção. Sua exploração se dá pela diferença entre o seu salário (que corresponde ao valor de sua força de trabalho) e os ganhos que permite que a empresa receba. Ressalte-se que os trabalhadores do setor financeiro, a despeito de comporem, formalmente, o setor de serviços, integram o proletariado da circulação, pois são parte não de um capital produtivo, mas sim de um capital que vive da circulação (o capital portador de juros).
Subproletariado: seu trabalho é improdutivo para o seu empregador imediato (que pode ser um proletário, inclusive), na medida em que constitui um custo remunerado com renda, ou seja, seu pagamento não corresponde a dispêndio de capital variável (sua força de trabalho é consumida improdutivamente). Simultaneamente, é produtivo para o capital social total, pois reduz os custos de reprodução da força de trabalho para a classe capitalista como um todo, potencializando a mais-valia social. Corresponde ao trabalhador doméstico (ou melhor, às trabalhadoras domésticas), e que é explorado não pelo empregador imediato, e sim pela totalidade do capital, que adquire vantagem ao se desonerar dos serviços domésticos de reprodução da mercadoria força de trabalho. O capital “subcontrata” tacitamente (daí propormos o termo subproletariado com esta acepção) o trabalho doméstico, seja de modo gratuito, no caso das “donas de casa”, seja a custo precário, no caso das empregadas domésticas (diaristas ou mensalistas). No caso brasileiro, esse tipo de trabalho encontra-se hipertrofiado, ainda que em declínio recente, sendo que esta hipertrofia remonta à inserção tardia do proletariado negro (em relação aos imigrantes europeus) nos principais ramos da indústria e à constituição, desde os primórdios do capitalismo nacional, de um exército industrial de reserva esmagadoramente composto por afrodescendentes.
A classe operária
O tema da classe operária merece uma seção à parte. Por classe operária, entendemos uma fração do proletariado da produção (ou, paralelamente, uma subfração do proletariado em geral) que se caracteriza pela submissão aos processos de trabalho típicos das fábricas, ou seja, centrados no maquinário.
Sob o prisma do valor, ou ainda, do trabalho produtivo, ela não se diferencia, em princípio, das demais categorias do proletariado da produção. Tal como elas, o operariado é criador de mais-valia e, portanto, produtivo em sentido forte – para o capital que o explora e para o conjunto do capital.
Resta buscar sua peculiaridade, portanto, no processo de trabalho. Para Marx, o trabalhador da fábrica é aquele que está sujeito de modo mais intenso ao poder do capital no processo de produção. Afirma que, enquanto na época da manufatura, pré-fabril, o operário se servia das máquinas, com as fábricas isto muda: é o maquinário do complexo fabril que se serve do operário, que o transforma em apêndice da máquina. Este é o ápice daquilo que Marx denominou subsunção real do trabalho ao capital: o trabalhador, nestas condições, sofre a máxima opressão pelo capital no processo produtivo, e é também por isto que o capitalista dele retira mais-valia relativa de modo qualificado. Por conta da maquinaria e dos avanços técnicos, o operariado é aquele que fornece a maior quantidade de mais-valia em relação ao valor de sua própria força de trabalho. O tempo que ele gasta produzindo o equivalente à própria força de trabalho é ínfimo – hoje em dia quase infinitesimal –, ensejando um nível brutal de exploração. Objetivamente, isto é, pela óptica da taxa de mais-valia, o operário da fábrica é muito mais explorado do que muitos proletários mal remunerados e em regime contratual precário (como é o caso dos serventes terceirizados, por exemplo).
Note-se que, mesmo dentro da classe operária, há variações em termos de intensidade da subsunção real do trabalho ao capital. Os operários da construção civil estão menos subsumidos que os petroleiros, os quais, por sua vez, estão atrás dos metalúrgicos nesta gradação. O nível de dependência do processo de trabalho em face do maquinário corresponde ao nível de subsunção do trabalho ao capital, e o significado desta constatação é muito mais social do que técnico, pois indica o grau de investimento capitalista sobre os setores da economia e as possibilidades de captura de mais-valia relativa.
Nesta ordem de considerações, consideramos que a aposta estratégica do marxismo clássico na classe operária continua pertinente. Não por uma questão numérica (importa pouco, para a análise, se este setor é mais ou menos numeroso que as demais frações), mas pelo fato de que é nas fábricas que se gera a maior parte da mais-valia que opera na sociedade (e que alimenta a acumulação comercial e financeira). Também se coleta valor excedente nas outras frações do proletariado da produção, mas é nos complexos fabris que o montante gerado é maior, e isto graças às técnicas avançadas de extorsão de mais-valia relativa, e que repousam fundamentalmente no maquinário. Aliás, foi a subsunção real da classe operária ao capital que, ao elevar a produtividade, diminuiu a proporção numérica deste setor no interior do proletariado, deslocando um contingente populacional para outros ramos da economia.
Cumpre perceber, pois, que é o maquinário fabril que potencializa economicamente o trabalho do operário, e não o seu caráter coletivo e concentrado. O trabalho coletivo em unidades concentradas não se resume à classe operária: encontramo-lo hoje até mesmo no comércio e nos serviços. A fábrica, com o seu sistema de máquinas, é muito mais eficiente na coleta de mais-valor do que as demais unidades produtivas.
E mais: foi apenas com a formação da classe operária a partir da moderna indústria capitalista que o capitalismo, enquanto modo de produção, alcançou o seu máximo desenvolvimento. Na medida em que introdução da maquinaria em certos ramos da indústria fomenta a instalação de maquinário nos ramos associados (MARX, 1978, p. 67), percebe-se que a produção fabril inspira e dirige toda a organização social do trabalho, disseminando as suas determinações mais gerais. Nos dias de hoje, vemos como este processo amadureceu, atingindo até mesmo o campo, onde a subsunção real do trabalho ao capital transforma grandes contingentes de assalariados rurais em autênticos operários agrícolas, em trabalhadores submetidos à disciplina da máquina. E vemos ainda esse regime de controle de produtividade ser estendido mesmo para os setores onde não há produção de valor.
Em suma, se a fonte mais abundante de mais-valia e se o arquétipo da organização do trabalho no capitalismo vêm das fábricas (ou das unidades produtivas que a elas se assemelham), é indispensável que os(as) revolucionários(as) marxistas busquem se inserir nelas, visando dirigir politicamente a fração do proletariado localizada mais estrategicamente na produção capitalista.
Evidentemente, também deve ser levado em conta o papel que o operariado tem a desempenhar na transição socialista. Afinal, se a mais alta produtividade interessa ao capital para sugar uma maior quantidade de mais-valia, ela também interessa ao socialismo como meio de garantir o melhor abastecimento possível da coletividade em termos de valores de uso produzidos. A sobrevivência de uma sociedade socialista depende, além da expansão internacional do processo revolucionário, do controle dos principais meios de produção, daqueles que se mostrarem mais capazes de satisfazer as necessidades sociais. Roman Rosdolsky, não por acaso, citava a maquinaria moderna como condição necessária para a construção de uma sociedade sem classes:
Graças ao desenvolvimento da técnica moderna, estão finalmente dadas – pela primeira vez – as condições para suprimir total e definitivamente o “roubo do tempo de trabalho alheio”; agora – pela primeira vez – podem ser impulsionadas tão poderosamente as forças produtivas da sociedade que, de fato, e em um futuro não muito longínquo, a medida da riqueza social não será mais o tempo de trabalho, mas o tempo disponível. Até o presente, todos os métodos para elevar a produtividade do trabalho humano revelaram-se ao mesmo tempo, na prática capitalista, métodos de degradar, subordinar e despersonalizar cada vez mais o trabalhador. Hoje, o desenvolvimento técnico chegou a um ponto no qual os trabalhadores poderão finalmente libertar-se da “serpente dos seus tormentos”, da tortura sem fim do trabalho cansativo, monótono e fragmentado, para se converterem de meros apêndices a verdadeiros dirigentes do processo de produção. Nunca estiveram tão maduras as condições para uma transformação socialista da sociedade, nunca o socialismo foi tão imprescindível e economicamente viável (ROSDOLSKY, 2001, p. 356).
Conclusão
Pode-se resumir a proposta que apresento no quadro abaixo:
Produtivo em sentido forte | Produtivo em sentido fraco | |
Proletariado da produção | Sim | Não |
Proletariado da circulação | Não | Sim |
Subproletariado | Não | Sim |
Para o empregador | Para o capital social total | |
Proletariado da produção | Sim | Sim |
Proletariado da circulação | Sim | Não |
Subproletariado | Não | Sim |
Se nossa abordagem estiver correta, há de se reconhecer que i) a principal clivagem no proletariado, em termos de fração, é dada pela produção e pela circulação do valor na economia capitalista; ii) no tocante à produção da mais-valia, a classe operária ocupa posição de destaque, sendo o coração pulsante da valorização capitalista global e, portanto, o ponto mais sensível da exploração e da luta de classes a ela associada (mesmo que o operariado não se coloque em movimento em todas as conjunturas).
Referências
MARX, K. O capital: crítica da economia política: l. II, v. III, 12.ª ed. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
______. O capital: crítica da economia política: l. III, v. IV. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
______. O capital: crítica da economia política: l. III, v. V. Tradução de Reginaldo Sant’Anna. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
______. O capital: livro I, capítulo VI (inédito). Tradução de Eduardo Sucupira Filho. São Paulo: Livraria Editora Ciências Humanas, 1978.
ROSDOLSKY, R. Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx. Tradução de César Benjamin. Rio de Janeiro: EDUERJ; Contraponto, 2001.