O Programa de Transição é a conclusão política da teoria da revolução permanente. Ambos estão atravessados pela mesma compreensão das tarefas atuais, a saber, o do fim da separação mecânica entre a revolução democrático burguesa e a revolução socialista.
É uma reafirmação, em outros termos, de duas premissas da revolução permanente: a revolução socialista incorpora as tarefas da revolução democrático burguesa, e, para seu triunfo, é indispensável um partido revolucionário.
Se estas revoluções não são separadas por épocas históricas distintas e sua realização se dá em uma mesma época, o programa que as anuncia, as prepara e as propõe também não se separa, nem se divide em mínimo e máximo, democrático e socialista, senão que são permanentes, transitam.
Assim, o Programa de Transição parte da conclusão de que as condições para a revolução socialista estão maduras e que, se ela ainda não triunfou, isso se deve à crise de direção revolucionária do proletariado.
Coerentemente, o eixo pelo qual se ordena o Programa de Transição é a tomada do poder pelo proletariado.
Seu método é apresentar, em cada momento da luta de classes, um sistema único de palavras de ordem, que parte das necessidades objetivas, levando em conta o nível de consciência das massas, e faz uma “ponte” entre as reivindicações imediatas e a necessidade da tomada do poder pelo proletariado.
Por isso, o sine qua non do Programa de Transição são as palavras de ordem contra a propriedade privada capitalista, ou “transicionais”. Sem isso, não há Programa de Transição.
1 – Os eixos do Programa de Transição
O Programa de Transição tem como eixo central a tomada do poder pela classe operária, ou seja, é um programa para a revolução socialista.
Trotsky, em suas explicações sobre o programa, e Moreno, no texto “A traição da OCI”, diziam que o programa trotskista é um conjunto de palavras de ordem e tarefas que têm como objetivo a mobilização revolucionária da classe operária para a derrubada da burguesia – ou seja, do governo burguês de turno – e a conquista do poder pelo proletariado1.
O desenvolvimento do Programa de Transição busca dar resposta a três grandes problemas: o governo, as instituições usadas para governar e o Estado propriamente dito, e a superação da crise de direção revolucionária do proletariado.
Responder a isso é impossível se: a) não temos uma política concreta para os governos de turno, b) não damos uma alternativa a estes governos, uma proposta de instituições que substitua as atuais e o Estado burguês e c) não criticamos duramente às direções traidoras, na busca de sua superação.
Para Moreno, nenhum programa pode ser considerado transicional se não incluir consignas de governo. Frente aos Estados, o trotskismo deve sempre apresentar uma formulação de tipo soviética e, finalmente, o que, na opinião de Moreno, “constitui o eixo central do programa, é a superação da crise de direção revolucionária do proletariado. Isto implica na crítica constante e brutal dos partidos operários contrarrevolucionários”2, com o objetivo de: “esmagar, varrer, massacrar às direções traidoras”3 para “construirmos o partido revolucionário, que só pode ser um partido trotskista”4.
2 – O método do Programa de Transição
Todo o Programa de Transição, em sua elaboração, está guiado pelo mesmo método: partir das necessidades das massas, partir das “condições objetivas do capitalismo que se deterioram”5.
Trotsky e Moreno insistiram: o elemento central para a elaboração do programa são as necessidades das massas. O nível de consciência é importante, não para determinar o conteúdo das palavras de ordem, mas a sua forma.
É a partir das necessidades das massas que o Programa de Transição encadeia suas palavras de ordem até uma única conclusão, a tomada do poder. Como observa Moreno, além disso, “não há programa de transição sem a proposta de poder sistemático para agitar todos os dias como eixo essencial de todas as nossas palavras de ordem”6.
3 – O Programa hierarquiza tudo: não existe autonomia das táticas ou das palavras de ordem
Diferentemente do que pensam e interpretam alguns, Moreno afirmava que, “para nós, o importante é um programa que corresponda à situação objetiva”7, porque, entre outras coisas, “o programa é um obstáculo importante para a confraternização com a pequeno-burguesia, os intelectuais, pessimistas, céticos e aventureiros; nós, ao contrário, estamos convencidos de que o programa determina tudo”8.
Trotsky disse que “milícia operária e derrotismo revolucionário não constituem um programa. Todo o mundo as aceita com tais ou quais reservas”9, ou seja, mesmo palavras de ordem ultrarradicais, sem um Programa de Transição, não são suficientes.
Para Moreno e Trotsky, o método de pautar tudo pelo Programa e exigir às demais organizações um posicionamento em relação a ele, nada tem a ver com sectarismo. Ambos dirão que “nada de ultimatismo em relação às massas, aos sindicatos e ao movimento operário; ultimatismo intransigente em relação a qualquer grupo que aspire a dirigir as massas. O ultimatismo que nos referimos se chama programa marxista”10.
A ideia de que as palavras de ordem e a tática têm autonomia é uma visão oportunista e não morenista. Moreno faz uma clara ressalva ao dizer que “o princípio é uma categoria oposta à tática, ainda que intimamente ligada, por que a tática é um meio e o princípio é muito mais que uma estratégia, é a base de nossa política”11 e que “toda tática tem que ser principista”12.
4 – A elaboração das palavras de ordem tem o mesmo método do programa
Para Moreno, a “consigna depende da situação objetiva e não da mentalidade do movimento operário”13 e “todo o oportunismo da OCI parte de considerar que o fator fundamental, decisivo a tomar em conta para elaborar nossa política e consignas são as ilusões do movimento operário”14. E, mais ainda: “o critério de que o que há que tomar em conta essencialmente o nível de consciência das massas para elaborar nossa política e nossas consignas tem sido um critério tradicional do oportunismo”15.
5 – O caráter das palavras de ordem
O Programa de Transição não é um programa máximo. Ele reordena o conjunto das tarefas existentes, mínimas, democráticas, da revolução política e transitórias, em um mesmo Programa, acabando com a divisão entre programa mínimo e programa máximo. É a conclusão lógica da teoria da revolução permanente. Isto é, se não existe uma etapa separando as tarefas democrático burguesas das tarefas socialistas, também não existe um programa separado para as tarefas democráticas e as tarefas socialistas.
Dito isto, é preciso estudar o caráter das palavras de ordem e sua relação com o Programa de Transição. Moreno, por exemplo, em sua crítica à OCI, observa que “as palavras de ordem e tarefas que formula a OCI são todas mínimas: nenhuma atenta contra a propriedade privada capitalista, que são o sine qua non para que uma consigna seja transicional”16.
Muitos, equivocadamente, acreditam que só devemos agitar aquelas palavras de ordem que servem para mobilizar imediatamente as massas. Para Moreno, no entanto, “isto é um erro: agitação e ação imediata não são sinônimas. As palavras de ordem agitativas são as três ou quatro ideias fundamentais que apresentamos ao movimento de massas de forma constante, independentemente de que este se mobilize por elas imediatamente”17.
Moreno, em outro texto, observa que, “ainda quando nossa palavra de ordem esteja cientificamente elaborada e seja perfeita, há uma infinidade de razões históricas e objetivas imediatas que podem impedir as massas de transitar por essa ponte que nós estendemos, que é o mesmo que mobilizar por nossas palavras de ordem”18.
É Nahuel Moreno quem diz que as nossas “palavras-de-ordem agitativas são as três ou quatro ideias fundamentais que apresentamos ao movimento de massas de forma constante, independentemente de que este se mobilize por elas imediatamente”.
6 – As palavras de ordem para ação
Não são poucos os que insistem no argumento de que a consciência das massas é um elemento determinante quando elaboramos as palavras de ordem para a ação, aquelas que as massas assumem para sua ação imediata.
Em primeiro lugar, lembremos que Moreno dizia que os revolucionários devem agitar as tarefas fundamentais da luta de classes, independentemente de que isto gere, ou não, mobilização imediata.
No entanto, para mobilizar as massas, muitos dizem que as palavras de ordem devem estar próximas de sua consciência, propondo tarefas que elas julguem possíveis, que possam destravar a ação do movimento, etc.
Esta argumentação pode gerar confusão, já que, a rigor, a ação do movimento raramente depende de nós. Na verdade, segundo Moreno, as mobilizações são, em geral, um fator objetivo. Elas se dão independentemente de nosso chamado.
É a nossa intervenção no curso destas mobilizações, ou seja, as palavras de ordem que apresentarmos, o determinante para nossa política.
No entanto, pode haver casos em que a nossa palavra de ordem, ao se combinar com uma determinada necessidade sentida pelas massas, permita que haja mobilização. Ou seja, uma palavra de ordem que, de fato, se coloque para a ação e que as massas se mobilizem por elas. Neste caso, o essencial é elaborar um sistema de consignas que permita que as palavras de ordem iniciais sejam rapidamente superadas.
No entanto, e aqui reside o erro, possuir palavras de ordem deste tipo não tem absolutamente nada que ver com palavras de ordem no nível da consciência das massas, e menos ainda em transformá-las no centro de nossa agitação por dois ou três anos.
Na verdade há uma confusão entre palavras de ordem que mobilizam ou que podem mobilizar – e que na maioria das vezes não temos como saber se mobilizarão ou não antes de lançá-las – e o senso comum das massas, ou seja, palavras de ordem que repetem o senso comum e, por isso mesmo, não encontram opositores, no entanto, não geram, também, nenhum tipo de mobilização e nem elevam o nível de consciência das massas.
Como dissemos muitos confundem palavras de ordem para ação com palavras de ordem adaptadas ao senso comum das massas. As palavras de ordem para ação são aquelas que as massas tomam para agir. Simples assim. Elas estão vinculadas a uma necessidade que as massas sentem. É, por exemplo, o chamado à greve no momento certo, ou à manifestação, ou a uma ação concreta. Caso se torne uma palavra de ordem agitativa permanente, e não desencadeie ação nenhuma, ela não é palavra de ordem para ação.
7 – Existe sim uma grande tarefa subjetiva no Programa de Transição: a superação das direções traidoras
Dito tudo isso, há algo que queremos destacar no Programa de Transição como a grande tarefa subjetiva proposta por Trotsky. A saber, a superação da crise de direção revolucionária do proletariado.
Trotsky diz textualmente que “O principal obstáculo na transformação da situação pré-revolucionária em situação revolucionária é o caráter oportunista da direção do proletariado, sua covardia pequeno-burguesa diante da grande burguesia, os laços traidores que mantém com esta, mesmo em sua agonia”19.
Por isso Moreno diz que “a outra cara da coluna vertebral do Programa de Transição é a campanha agitativa e sistemática a favor da construção de um partido trotskista com influência de massas. Esta campanha sistemática se expressa de duas maneiras: não se pode leva-la a cabo se não há uma crítica permanentemente e uma delimitação taxativa com os partidos operários traidores que justifique que o partido trotskista chame a vanguarda a construir e desenvolver o nosso partido como o único partido mortalmente enfrentado ao governo frente populista e aos outros partidos operários contrarrevolucionários. Se não se cumpre a primeira tarefa de denunciar os traidores não se pode cumprir a outra, de chamar a fortificar nosso partido, por que nenhum operário poderá entender hoje na França por que tem que vir à OCI, se a OCI está, em linhas gerais, com o programa do Partido Socialista e se não o critica, como tampouco critica ao PCF”20.
Mais claro impossível. A grande tarefa subjetiva é a construção de uma direção, diz Trotsky. Para isso, diz Moreno, é necessária uma crítica implacável aos partidos operários traidores, uma delimitação taxativa.
Nada mais longe da ideia de um acordo no qual a crítica se interrompe no limite do aceitável no intuito de manter algum tipo de frente. Nada mais longe da ideia de que, às vezes, o que prima é a unidade e, às vezes, o enfrentamento.
8 – Conclusões
Este texto não contém absolutamente nada de novo. É basicamente uma reafirmação das opiniões de Moreno sobre o Programa de Transição. Todas as principais ideias aqui apresentadas podem ser confirmadas em dois textos: o capítulo VII do livro “A Traição da OCI”, cujo subtítulo é “A OCI abandona o programa de transição em favor de um programa mínimo” e o Capitulo VI da Carta de Nahuel Moreno al CC do Partido Operário Socialista Internacionalista da Espanha, cujo título é “Programa Mínimo ou de Transição baseado em uma consigna de poder?” (tradução nossa).
São textos posteriores às “Teses para a Atualização do Programa de Transição” e de muitas formas, complementares a estas, pois polemizam com a OCI de um ângulo distinto. A saber, a partir da adaptação da OCI ao governo de Frente Popular na França.
A atualidade do Programa de Transição não decorre apenas de seu conteúdo, que, por sinal, é bastante vigente, mas, principalmente, de suas perspectivas, de seu método, de seu critério e das bases históricas em que se alicerça.
Notas
1 MORENO, Nahuel. A Traição da OCI.
2 Idem.
3 Idem.
4 Idem.
5 TROTSKY, Leon. O Programa de Transição.
6 MORENO, Nahuel. Carta ao POSI. Disponível em http://www.geocities.ws/moreno_nahuel/26_nm.html (destaque e tradução nossos).
7 MORENO, Nahuel. A Traição da OCI.
8 Idem.
9 Idem.
10 Idem.
11 MORENO, Nahuel. Teses para a atualização do programa de transição, tese XXXVI.
12 Idem
13 MORENO, Nahuel. Carta ao POSI (tradução nossa).
14 Idem (destaque nosso).
15 Idem (destaque nosso).
16 MORENO, Nahuel. A Traição da OCI.
17 MORENO, Nahuel. A Traição da OCI (destaque nosso).
18 MORENO, Nahuel. O Partido e a Revolução.
19 TROTSKY, Leon. O Programa de Transição. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1938/programa/cap01.htm#1
20 MORENO, Nahuel. Carta ao POSI (tradução nossa).
Ótimo texto