Primeiramente o trabalho, em seguida e depois com ele a linguagem
(Friedrich Engels)
É por ter sido faber (artesão), que o homem se tornou sapiens (inteligente)
(Ki-Zerbo)
Neste ano se completaram 200 anos de nascimento daquele que foi, junto com Karl Marx, o maior titã na luta pela libertação da classe trabalhadora: Friedrich Engels. Esta efeméride é motivo de alegria para trabalhadores do mundo inteiro e tem reavivado o interesse por sua vida e obra com a publicação de biografias, novas edições de seus livros e a produção de especiais como o feito pela Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional (LIT-QI)1.
Em meio a isso, dirigimos nossa atenção ao artigo Apontamentos sobre a questão evolutiva e a origem da linguagem em Engels2 que tem o mérito de se debruçar sobre um dos textos mais originais do marxismo, O papel do trabalho na hominização do macaco, de Engels.
Em seu artigo o autor afirma que: 1) Engels era lamarckista3; 2) Engels apresenta uma noção de trabalho equivocada e diferente daquela desenvolvida por Karl Marx4; 3) a linguagem pressupõe o trabalho5; 4) a conclusão de Engels é antidialética6.
Para confrontar essas afirmações, faremos o que achamos mais prudente: consultaremos diretamente as obras de Charles Darwin, particularmente, A Origem das Espécies, publicada em 1859 e A Origem do Homem e a seleção sexual, publicado em 1871. E, evidentemente, mencionaremos o manuscrito de Engels em sua mais recente edição em língua portuguesa. Vamos lá!
O que diz a Teoria da Evolução de Charles Darwin?
Darwin elaborou uma consistente teoria que repeliu definitivamente “Deus” do centro das Ciências Naturais demolindo o seu último refúgio nesse campo: a ideia de que o surgimento das espécies deu-se de forma completamente individual e até mesmo pronta.
A Origem das Espécies começa explicando a variação dos seres vivos no estado doméstico, abordando especialmente a seleção operada pelo ser humano em plantas e animais segundo suas intenções. Darwin dá exemplos de modificações empreendidas pelo ser humano que, em poucos anos, conseguiram produzir grandes modificações em bois e ovelhas.
Não poderíamos supor que todas essas variedades e raças já se tenham formado de uma só vez tão perfeitas e úteis como hoje as temos. Em muitos casos, efetivamente, sabemos que sua história não foi assim tão simples. A explicação reside na capacidade humana de seleção acumulativa: a natureza fornece as variações sucessivas; o homem sabe como levá-las para determinadas direções úteis para ele. Nesse sentido pode-se até dizer que o homem criou raças úteis para si próprio (DARWIN, 2012, p. 58).
Em oposição a essa seleção realizada pelo ser humano, Darwin chama a seleção operada numa longa duração pela natureza de seleção natural:
A esses princípios [a luta pela sobrevivência e a preservação das modificações úteis para os indivíduos de uma determinada espécie e subsequente transmissão hereditária] através do qual toda variação, por menor que seja, deve preservar-se, desde que apresente utilidade para o indivíduo, denominei Princípio de Seleção Natural, a fim de frisar sua relação com a capacidade humana de seleção (2012, p. 80).
Mas, apesar de ignorar o que o próprio Darwin escrevera e ignorar que Engels mencionara Darwin duas vezes, o artigo é categórico: há uma evidente leitura lamarckista feita por Engels.
E começa atribuindo à Lamarck a noção de uso e desuso ignorando que esta noção também foi utilizada por Darwin. O resultado é que, para ele, a noção de Engels é equivocada pois concebe um movimento de fora para dentro: “o ambiente pressiona os indivíduos a se adaptarem” (PONTES, 2020).
Mas, no que realmente consiste a Teoria da Evolução de Darwin? Nas palavras do próprio Darwin, consiste no conjunto destas leis:
a do Crescimento, que caminha ao lado da de Reprodução; a de Hereditariedade, quase sempre englobada na precedente; a da Variabilidade, decorrente da ação direta e indireta das condições externas de vida e do uso e desuso; a da Multiplicação dos Indivíduos, tão acelerada que acaba por acarretar a da Luta pela Existência, e consequentemente a da Seleção Natural, atrás da qual seguem a da Divergência dos Caracteres e a da Extinção das Formas menos aptas (2012, p. 381, grifos nossos).
Portanto, as condições externas e o uso e o desuso são fatores importantes dentro da chamada Teoria da Evolução darwiniana. Assim, já de início, há dois equívocos: 1) uma visão unilateral sobre a evolução (de dentro do organismo do indivíduo para fora); 2) um método individualista que pensa a evolução das espécies centrado no indivíduo, como aqueles que tratavam o trabalho como uma atividade desempenhada por um Róbinson Crusoé.
Dito isto, vejamos o que realmente diz a passagem de Engels tomada como uma “evidência” de seu lamarckismo:
O domínio sobre a natureza que começou com o aprimoramento da mão, com o trabalho, ampliou o campo visual do ser humano a cada novo progresso. Nos objetos da natureza ele descobria continuamente novas propriedades até ali desconhecidas. Em contrapartida, o aprimoramento do trabalho necessariamente contribuiu para estreitar os laços entre os membros da sociedade, na medida em que multiplicou os casos de apoio mútuo, de cooperação, e proporcionou uma clara consciência da utilidade dessa cooperação para cada indivíduo. Em suma, os humanos em formação chegaram ao ponto de terem algo a dizer uns aos outros. A necessidade criou um órgão para isso: a laringe pouco evoluída do macaco foi mudando de forma de maneira lenta, mas segura, passando da modulação para uma modulação cada vez mais desenvolvida, e os órgãos da boca aprenderam aos poucos a articular uma letra após a outra (ENGELS, 2020, p. 341, grifo nosso).
Ora, mas vejamos o que diz o próprio Darwin sobre os insetos da Ilha da Madeira:
Já os insetos da Ilha da Madeira que não são terrestres e que, como os coleópteros e lepidópteros que se nutrem de flores, são obrigados a usar suas asas para subsistir, sofreram, conforme suspeita Wollaston, não uma redução nas asas, mas sim um maior desenvolvimento das mesmas. Esse fato é inteiramente compatível com a ação da seleção natural. Quando um inseto novo chegou pela primeira vez à ilha, a tendência da seleção natural de aumentar ou reduzir suas asas dependeria dos resultados da batalha desse animal contra os ventos. Se muitos indivíduos enfrentassem com sucesso essa batalha, o resultado seria um; se a tentativa fosse suspensa e os indivíduos passassem a voar raramente, ou nunca, o resultado seria outro (2012, p. 133, grifo nosso).
Ou quando fala da redução ou ampliação de algum órgão:
[…] acredito que a seleção natural sempre terá êxito no longo processo de poupar-se de um desgaste através da redução e perda de qualquer parte do organismo, tão logo esta se torne supérflua, sem que isso de modo algum acarrete o desenvolvimento correspondente de outra parte qualquer. E, de modo inverso, que a seleção natural possa perfeitamente ter êxito em desenvolver grandemente qualquer órgão, sem que isso acarrete a necessidade de uma compensação, isto é, de se reduzir outra parte adjacente do organismo (DARWIN, 2012, p. 142, grifo nosso).
Ou, ainda, quando fala de pequenos roedores:
Do mesmo modo que na [Ilha da] Madeira as asas de certos insetos aumentavam de tamanho, enquanto que as de outros insetos foram reduzidas pela seleção natural, auxiliada pelo uso e desuso, no caso do rato-das-cavernas a seleção natural parece ter aceitado o desafio da falta de luz, aumentando o tamanho dos olhos, enquanto que, no caso dos demais habitantes das grutas escuras, o próprio desuso seria o responsável pelas variações neles verificadas (2012, p. 135, grifos nossos).
Perguntamos: acaso Charles Darwin estava sendo lamarckista?
Darwin foi mais longe do que todos os demais naturalistas de seu tempo porque, dentre outras coisas, ele se apoiou nos estudos da nascente Geologia, sobretudo nas pesquisas de Charles Lyell.
Ao dar uma nova escala temporal à vida e à própria Terra (na ordem de milhões e bilhões de anos), a Geologia permitiu que Darwin pensasse a seleção natural operando nas espécies numa longa duração temporal: “Fugazes são os desejos e esforços do homem, e curto é seu tempo – e como! Daí a pequenez de sua obra de seleção, comparada com a que pode ser acumulada pela natureza durante períodos geológicos inteiros” (DARWIN, 2012, p. 96).
Engels também estava atento a isto: “Certamente se passaram centenas de milhares de anos – que na história da Terra não representam mais do que um segundo da vida humana – antes que o bando de macacos que vivia trepado nas árvores desse origem a uma sociedade de humanos” (2020, p. 343).
Por isso, quando se ignora essa longa escala temporal na qual Darwin e Engels inserem os exemplos de modificações nas espécies, se tem a impressão de que eles operam com concepções lamarckistas de evolução onde indivíduos simplesmente mudam (quase da noite para o dia, por razões unilaterais).
Quando Engels diz que a necessidade criou o órgão “mudando de forma de maneira lenta, mas segura, passando da modulação para uma modulação cada vez mais desenvolvida” ele estava argumentando tal qual Darwin: a Seleção Natural foi preservando, acumulando e transmitindo de forma hereditária7 as características que culminaram no desenvolvimento da laringe pressionadas por uma atividade: o trabalho.
Voltaremos a este tema ao final deste artigo quando formos tratar da relação entre trabalho e linguagem.
Parte dos equívocos postos no artigo de Pontes decorrem do amalgamento de duas coisas bastante distintas: as modificações aleatórias dos indivíduos (modificações genéticas) com a ideia de aleatoriedade da Seleção Natural, inexistente na Origem das Espécies. Nas palavras do próprio Pontes:
Hoje sabemos e é demonstrável que, mais importante que a especialização que um órgão pode ter na vida de um indivíduo, são as pequenas mudanças provocadas pela completa aleatoriedade genética provocada pela reprodução. Combinadas com as condições ambientais, essas aleatoriedades criam indivíduos mais adaptados – o que não significa mais aperfeiçoados como dizia Lamark ou como entende o senso comum. Em outras condições, esses mesmo indivíduos podiam ser extremamente prejudicados. Assim, a tese de Lamark sobre a pressão externa que cria necessidades pode ser entendida como unilateral. Concomitante às condições ambientais, temos que considerar a aleatoriedade genética dos indivíduos que, juntas, criam o que chamamos de pressão evolutiva que, por sua vez, nada mais é do que a maior reprodução dos indivíduos mais adaptados no conjunto da espécie a um determinado contexto. Não é o determinismo ambiental, mas a combinação desses fatores que está no centro do que chamamos de seleção natural e da evolução provocada por ela. E esse componente aleatório é justamente o que não consta na formulação de Engels (2020).
Para Darwin, a ação da Seleção Natural não é (des)guiada pelo acaso. Atribuir as variações ao mero acaso “trata-se, indubitavelmente, de um modo de falar inteiramente incorreto, numa demonstração cabal de nossa ignorância quanto às causas de cada variação em particular” (DARWIN, 2012, p. 130, grifo nosso).
Isso porque, para ele, “a seleção natural, não podemos esquecer, pode atuar sobre qualquer parte de um ser vivo, mas sempre e unicamente em seu benefício” (2012, p. 143, grifo nosso). Para deixar isto mais nítido:
Qualquer que possa ser a causa de cada pequena diferença que distinga os descendentes de seus ascendentes – pois cada uma deve ter uma causa específica, – é a acumulação constante dessas diferenças, quando benéficas ao indivíduo, dentro de um processo conduzido pela seleção natural, que produz todas as modificações estruturais mais importantes (DARWIN, 2012, p. 156, grifo nosso).
Darwin diz o mesmo quando fala dos instintos: “não vejo dificuldade em crer que, sob condições mutáveis de vida, a seleção natural acumule modificações ligeiras de instintos, no rumo de alguma direção útil. Em certos casos, provavelmente houve a participação do hábito ou do uso-e-desuso” (2012, p. 208, grifo nosso)8.
Resumindo: Engels agiu de acordo com a teoria exposta por Darwin na Origem das Espécies. Se a ciência moderna negou ou retificou alguma parte desta teoria é outro debate9.
A mão de Darwin
O artigo Apontamentos sobre a questão evolutiva e a origem da linguagem em Engels é novamente categórico: 1) uma determinada atividade pode mudar indivíduos, mas não uma espécie; 2) o trabalho não operou mudanças morfológicas na espécie humana; 3) o trabalho “se deu em um animal cuja a natureza biológica, morfológica, já existia como condição para isso”.
Isto é, o trabalho já encontrou um ser pronto para manejar as ferramentas e pensar no que fazer. Donde sentencia: “Não é por desenvolver o trabalho que o macaco pode assumir determinada constituição, mas foi por ter determinada constituição é que o macaco pode desenvolver o trabalho” (PONTES, 2020).
Mas quando Darwin defendeu a tese de que todos os indivíduos de uma espécie – e até mesmo as espécies e grupos – não nascem prontos e descendem de ancestrais comuns, ele dá o exemplo… da mão:
Dada a existência da mesma disposição óssea na mão do homem, na asa do morcego, na barbatana do boto e na pata do cavalo, assim como o mesmo número de vértebras compondo o pescoço da girafa e do elefante, além de inúmeros outros fatos desse tipo, a única explicação plausível e imediata reside na teoria da descendência com modificações lentas, ligeiras e sucessivas (DARWIN, 2012, p. 374).
Para Darwin, o ser humano é o “animal mais potente que jamais apareceu sobre a terra” (1974, p. 63-64). E seu “domínio” sobre todas as outras espécies deve-se “às suas faculdades intelectuais, aos seus costumes sociais que o guiam em ajuda e defesa dos companheiros bem como à sua estrutura física” (1978, p. 64). Mas Darwin é taxativo: “O homem não poderia ter alcançado a sua atual posição de domínio no mundo sem o uso das mãos que estão tão maravilhosamente adaptadas para agir segundo a sua vontade” (1974, p. 67, grifos nossos).
Há um processo dialético aqui. Sob a regência da Seleção Natural, o gênero homo foi acumulando sucessivas modificações que se mostravam úteis em sua luta pela vida. A mão humana não nasceu pronta. Grosso modo: ela é produto do externo e do interno. Isto é, do uso contínuo deste membro (não o indivíduo, mas o continuum dos seres que possuíam melhores estruturas morfológicas para manusear algo conseguiam se perpetuar e transmitir suas pequenas modificações aos seus descendentes), e dessas modificações que iam se acumulando ao longo do tempo.
Vejamos o que o próprio Darwin diz a respeito:
À medida que os antepassados do homem iam sempre mais assumindo a posição ereta, com as mãos e os braços sempre mais modificados de maneira a tornarem-se capazes de agarrar e aptos para outros fins, com os pés e as pernas transformados ao mesmo tempo qual base firme e meio de locomoção, deviam fazer-se necessárias outras mudanças infinitas de estrutura. O osso pélvico deve ter-se alargado, a espinha dorsal deve ter-se curvado particularmente para dentro e a cabeça deve ter-se fixado numa posição diferente; mudanças estas todas elas conseguidas pelo homem. […] Poderiam ser acrescentadas várias outras estruturas que aparecem conexas com a posição ereta do homem. É difícil decidir em que medida estas modificações correlatas constituem o resultado da seleção natural e até que ponto são o resultado dos efeitos hereditários do aumento do uso de certas partes ou da ação de uma parte sobre a outra. Não resta dúvida alguma de que estes instrumentos de mudança muitas vezes cooperam; assim, quando certos músculos e a parte de cima, do osso a que estão presos se alargam para o uso habitual, este fator revela que certas ações se realizam habitualmente e devem ser úteis. O resultado disto é que os indivíduos que as realizavam tinham melhor tendência a sobreviver em maior número (1974, p. 68-69, grifos nossos).
Charles Darwin seguramente foi um dos maiores gênios que habitou a Terra. Foi um estudioso extremamente disciplinado e profundamente materialista e dialético. No entanto, como veremos ao final deste texto, a sua grande debilidade foi justamente não ter levado às últimas consequências o papel do trabalho para esta espécie tão singular: o homo sapiens sapiens.
O papel desempenhado pelo trabalho para o surgimento da linguagem
Seguramente, a Antropologia é um dos grandes bastiões do pós-modernismo e do idealismo dentre as chamadas Ciências Humanas e Sociais. Mas nem sempre foi assim. Para que a cultura pudesse se tornar a categoria central na Antropologia, foi preciso uma dura investida contra o trabalho.
Nos séculos XVIII e XIX a Antropologia oferecia justificativas teóricas evolucionistas e de darwinismo social para a escravidão e para a dominação de povos originários, tão necessárias para a acumulação primitiva do capitalismo. Já nos séculos XX e XXI ela marginaliza de seus domínios a Antropologia Física – responsável pelos estudos acerca da formação do gênero homo – sob a justificativa de combater o evolucionismo e o darwinismo social.
O próprio conceito de cultura vai sendo esvaziado de toda materialidade, para se tornar algo quase etéreo10.
Somente apartando o trabalho do interesse antropológico – da formação da nossa espécie até os dias de hoje – seria possível analisar os seres humanos sob o imperialismo com a superficialidade relativista que marca boa parte dos estudos antropológicos contemporâneos. Na década de 1980 algo semelhante aconteceu na Sociologia: junto da ideologia da superação da classe trabalhadora e das indústrias, surgiu o discurso de que o trabalho já não possuía uma centralidade sociológica explicativa. Disto, inúmeras classificações surgiram: “Sociedade Pós-Industrial”, “Sociedade da Informação”, “Sociedade do Conhecimento” etc.
E foi assim porque o debate entre as concepções idealistas e materialistas se revestem na fundamentação ontológica da linguagem e do trabalho11, respectivamente.
Na política, inúmeras organizações se vergaram a essas formulações idealistas que contribuíram para a designação de outro sujeito social da revolução, que não os trabalhadores.
Relembramos isso porque opinamos que o texto Apontamentos sobre a questão evolutiva e a origem da linguagem em Engels se aproxima deste caminho, culminando em conclusões antidialéticas e antimaterialistas.
O texto enuncia que há uma correlação entre trabalho e linguagem mas faz o seguinte encadeamento argumentativo: 1) antes do trabalho veio o pensamento e a linguagem; 2) o corpo humano já estava formado fisicamente antes que manejasse ferramentas.
E para reforçar essas conclusões o texto se apoia… na bíblia!
Isto mesmo: usa uma alegoria do idealismo por excelência (a bíblia) para tentar comprovar que a comunicação precede o trabalho: “Não à toa no mito bíblico sobre a origem das línguas – a Torre de Babel – o Deus do antigo testamento impede, justamente, a comunicação entre os homens. Isso é suficiente para impedir a realização do trabalho audacioso de se alcançar os céus. Não há trabalho sem comunicação” (PONTES, 2020).
Nosso camarada poderia ter recuado um pouco mais e se apoiado no “fato” de que Adão – nascido morfologicamente pronto – primeiro falou! E por possuir tamanho domínio da linguagem, Adão tornou-se o pai da Taxonomia: saiu pelo Éden classificando e nomeando todos os seres vivos. E só depois de ser expulso do Éden é que conheceu o trabalho.
Bom, mas façamos como Darwin e Engels e deixemos a bíblia de lado. Vejamos abaixo o que Engels diz em seu manuscrito:
Primeiramente o trabalho, em seguida e depois com ele a linguagem – estes são os dois impulsos mais essenciais, sob cuja influência o cérebro de um macaco gradativamente passou a ser o de um humano, que, apesar de toda a semelhança, é bem maior e mais aperfeiçoado. O aperfeiçoamento do cérebro, porém, foi acompanhado do aperfeiçoamento de seus instrumentos mais imediatos, os órgãos dos sentidos. Do mesmo modo que o aperfeiçoamento gradativo da linguagem necessariamente foi acompanhado do refinamento de todos os sentidos […] O efeito retroativo do desenvolvimento do cérebro e dos sentidos a seu serviço, da consciência cada vez mais esclarecida, da capacidade de abstração e dedução sobre o trabalho e a linguagem conferiu-lhes estímulos sempre renovados para o aperfeiçoamento continuado, um aperfeiçoamento que não se encerrou assim que o ser humano se separou definitivamente do macaco, mas, desde então, apesar de interrompido por algum retrocesso local e temporal, avançou tremendamente em termos globais nos diferentes povos e em diferentes épocas, diferenciando-se quanto ao grau e à tendência; por um lado, impulsionado com força para a frente, por outro, conduzido em direções mais específicas por um elemento novo que se somou à atuação do ser humano completo – a sociedade (2020, p. 342, grifo nosso).
Não há determinismo algum nessa concepção de Engels. O que há, sim, é a definição de um ponto de partida: o trabalho. Depois surge a linguagem e a partir daí ambos passam a caminhar juntos. Vejamos, agora, como Darwin abordou o assunto:
Merece atenção o fato de que, tão logo os antepassados do homem se tornaram sociais (e isto deve ter acontecido, provavelmente, num período muito remoto), o princípio de imitação, a razão e a experiência devem ter incrementado e modificado em muito as capacidades intelectivas de maneira tal que lhe vemos somente os traços nos animais inferiores […] Ora, se algum indivíduo de uma tribo, mais sagaz do que os outros, inventou uma nova armadilha ou arma, ou qualquer outro meio de ataque ou de defesa, o mais óbvio interesse pessoal, sem necessidade de demasiada capacidade de raciocínio, poderia levar os outros membros a imitá-lo e disto todos se aproveitariam. A prática habitual de toda nova técnica numa certa medida pode igualmente revigorar o intelecto. Se uma nova invenção é importante, a tribo se desenvolverá em número, estender-se-á e suplantará as outras (1974, p. 156).
Até aqui estivemos simplesmente nos apoiando no que Darwin escreveu. Abriremos uma exceção para recorrer a um estudo chefiado pelo biólogo Thomas Morgan, da Universidade do Estado do Arizona12, intitulado Experimental evidence for the co-evolution of hominin tool-making teaching and language, em 2015. Fazemos isto porque em nossa opinião as conclusões deste estudo corroboram e lançam luz à tese de Engels.
A hipótese é a seguinte: a produção de ferramentas de pedras pelos nossos ancestrais na Garganta de Olduvai, na atual Tanzânia-África, há 2,5 milhões de anos atrás, conduziu-os à evolução do ensino e da linguagem.
Para corroborar esta hipótese, Morgan estruturou um experimento com 184 estudantes adultos recrutados pela Universidade Saint Andrews que produziram mais de 6 mil pedras de sílex – posteriormente pesadas, medidas e analisadas – executando 05 mecanismos de transmissão diferentes: 1) engenharia reversa; 2) imitação/emulação; 3) ensino básico; 4) ensino gestual; 5) ensino verbal. Conforme a figura abaixo.
( a ) Um diagrama do processo de moldagem da pedra. A pedra-martelo atinge o núcleo com o objetivo de produzir uma lasca. A borda e o ângulo da plataforma são importantes para o sucesso do golpe. ( b – f ) As cinco condições de aprendizagem. ( g ) A estrutura do experimento. Para cada condição, foram realizadas seis correntes (quatro curtas e duas longas); um dos dois experimentadores treinados iniciou cada cadeia (igualmente dentro de cada condição).
Segundo Morgan, havia uma relação co-evolutiva entre a fabricação de ferramentas e a evolução cognitiva, sugerindo que haveria uma seleção “para formas mais complexas de transmissão social que aumentaram a fidelidade da transmissão de informações” (2015, p. 02).
Além disso, Morgan indica que, para sustentar a sua hipótese “vestígios arqueológicos mostram que as mudanças na morfologia dos hominídeos, incluindo aumento do tamanho geral do cérebro, siga o advento da fabricação de ferramentas olduvaienses” (2015, p. 02, grifo nosso).
Ao analisar as 05 formas de transmissão, Morgan concluiu que o trabalho é mais eficiente no grupo em que há o ensino (e não apenas a imitação) e a linguagem.
A descoberta central deste trabalho é que a transmissão social da tecnologia olduvaiense é potencializada pelo ensino e, em particular, pela linguagem. Isso está de acordo com um relato co-evolucionário de cultura genética da evolução humana e apoia a hipótese de que a fabricação de ferramentas de pedra de Olduvai gerou seleção que favorece o ensino e a linguagem cada vez mais complexos. (MORGAN et al, 2015, p. 03-04, grifo nosso).
Morgan também afirma que “nossos dados implicam que a fabricação de ferramentas olduvaienses teria criado um gradiente seletivo contínuo, levando do aprendizado por observação ao ensino verbal muito mais complexo” (2015, p. 05, grifo nosso).
Em resumo, Morgan sustenta que há uma co-evolução – o que é completamente diferente da noção relativista de que não há pontos de partida – entre a fabricação de ferramentas e a comunicação: “[…] a dependência dos hominídeos na tecnologia de pedra teria gerado uma seleção para uma comunicação cada vez mais complexa que permitia a disseminação mais eficaz de ferramentas de pedra” (2015, p. 06, grifo nosso).
Em outras palavras, o trabalho estimulou o desenvolvimento da linguagem produzindo, por seu turno, “seleção” entre os indivíduos. E, na medida em que o trabalho vai se tornando mais produtivo com o desenvolvimento da linguagem, ela própria vai se tornando mais complexa também já que influi positivamente no resultado do trabalho.
Para usar uma frase do historiador de Burkina Faso, Joseph Ki-Zerbo, “é por ter sido faber (artesão), que o homem se tornou sapiens (inteligente)”13.
O trabalho para Marx e Engels
Talvez o mais grave no artigo Apontamentos sobre a questão evolutiva e a origem da linguagem em Engels seja a conclusão de que Engels tinha uma concepção equivocada sobre o trabalho e, portanto, diferente da de Marx.
É importante ressaltar que nós não consideramos Marx e Engels uma só pessoa. Cada um possuía – para usar um termo em voga hoje – uma “agenda de pesquisa”, e suas próprias idiossincrasias. Mas também não estamos dentre aqueles que os veem de forma completamente separada. Isso porque suas “agendas de pesquisas” convergiam numa só estratégia de luta política e teórica e, porque, ao tornarem-se amigos em 1844, trabalharam em estreita colaboração por toda suas vidas desenvolvendo, por exemplo, acordos de divisão de trabalho como revelara o próprio Engels em prefácio de 1887 dos textos reunidos e publicados sob o título de Sobre a questão da moradia: “em consequência da divisão do trabalho acordada entre mim e Marx, cabia-me defender nossas concepções na imprensa periódica e principalmente, portanto, na luta contra opiniões adversárias, para que Marx dispusesse de tempo para elaborar sua grande obra principal” (2015, p. 28).
Por isso, concordamos com Daniel Sugasti quando diz que “além de relegada, a obra de Engels foi sistematicamente atacada14 por diversos intelectuais desde o século XX – György Lukács, Jean Paul Sartre, Louis Althusser, entre outros– que, em nome de um pretenso marxismo purificado, se empenharam em separar seu pensamento do de Marx, destacando supostas diferenças teóricas, programáticas e metodológicas entre ambos”15.
Para nós, O papel do trabalho na hominização do macaco de Engels alarga o marxismo ao oferecer uma espécie de arqueologia do trabalho que vai ao encontro do que Marx escrevera nos Manuscritos Econômico-filosóficos e n’O capital.
O trabalho começa com a confecção de ferramentas. E quais são as mais antigas ferramentas que encontramos? [Quais são] as mais antigas a julgar pelas peças mais antigas que se encontram do legado de gente pré-histórica e pelo modo de vida dos mais antigos povos históricos, bem como pelo modo de vida dos mais primitivos selvagens contemporâneos? São ferramentas de caça e pesca, sendo as primeiras ao mesmo tempo armas (ENGELS, 2020, p. 343-344).
Logo após, Engels nos oferece uma das mais belas e dialéticas passagens do marxismo quando fala do domínio do ser humano sobre a natureza:
[…] não fiquemos demasiado lisonjeados com nossas vitórias humanas sobre a natureza. Esta se vinga de nós por toda vitória desse tipo […] E, assim, a cada passo somos lembrados de que não dominamos de modo nenhum a natureza como um conquistador domina um povo estrangeiro, ou seja, como alguém que se encontra fora da natureza – mas fazemos parte e estamos dentro dela com carne e sangue e cérebro e todo o nosso domínio sobre ela consiste em que, distinguindo-nos de todas as outras criaturas, somos capazes de conhecer suas leis e aplicá-las corretamente16 (2020, p. 348, grifo nosso).
Vejamos, agora, o que Marx disse nos Manuscritos econômico-filosóficos, no ano em que sua vida se entrelaçou a de Engels:
A natureza é o corpo inorgânico do homem, a saber, a natureza enquanto ela mesma não é corpo humano. O homem vive da natureza significa: a natureza é o seu corpo, com o qual ele tem de ficar num processo contínuo para não morrer. Que a vida física e mental do homem está interconectada com a natureza não tem outro sentido senão que a natureza está interconectada consigo mesma, pois o homem é uma parte da natureza (2004, p. 84).
Por fim, Engels defende uma revolução completa do modo de produção capitalista para conseguirmos a regulação das forças produtivas donde
os seres humanos voltarão não só a se sentir em unidade com a natureza, mas também a ter ciência disso, e tanto mais inviável se tornará aquela representação absurda e antinatural de um antagonismo entre espírito e matéria, homem e natureza, alma e corpo, que surgiu após a decadência da Antiguidade clássica na Europa e alcançou no cristianismo o seu maior aprimoramento (2020, p. 348).
Não há absolutamente nada nesta elaboração que divirja do que Marx escreveu sobre o trabalho.
Os limites de Darwin
Em O papel do trabalho na hominização do macaco Engels faz uma pequena mas contundente crítica aos cientistas naturais: “cada coisa atua sobre a outra e vice-versa, e na maioria das vezes é o esquecimento desse movimento e dessa interação universais que impede nossos pesquisadores da natureza de ter uma visão clara sobre as coisas mais simples” (2020, p. 346). Uma crítica que bem podemos aplicar à Darwin.
Afinal, ele cometeu grandes equívocos em A Origem do Homem.
Ele era um materialista e um dialético, mas ao ignorar o papel fundamental do trabalho para o ser humano na interação com a natureza – combinado com a sua origem de classe, e com o grande prestígio que sua teoria angariou – fez com que ele não resistisse à tentação de estender às sociedades humanas de seu tempo a lei da Seleção Natural. O resultado disso foram inúmeras formulações preconceituosas e racistas.
Haviam méritos, também. Ele reconheceu, por exemplo, que negros, indígenas e brancos formavam uma só espécie. No entanto oscilou entre classificá-los como raças distintas e como subespécies.
Com muitas reservas, reconheceu que a civilização do antigo Egito era composta em sua maioria por negros e que, – nas palavras atuais – a alta concentração de melanina na pele foi uma modificação operada pela Seleção Natural.
Por isso creio que os negros e outras raças escuras podem ter adquirido a sua cor de indivíduos mais escuros que se subtraíram à influência mortal do sistema da sua região natal durante uma série de gerações […] (DARWIN, 1974, p. 230).
Porém, com a visão turvada pelo racismo, Darwin – cuja capacidade de síntese e de dedução excedeu a de todos os naturalistas de seu tempo – não foi capaz de deduzir que o gênero homo e a espécie homo sapiens sapiens foram “o presente da África para o mundo”17 e que eram negros e negras. Adiando, assim, por quase um século esta conclusão científica que só a sua teoria era capaz de fazer.
A adaptação ao meio foi um dos mais poderosos fatores de formação do homem, desde suas origens. As características morfossomáticas das populações africanas até o presente foram elaboradas nesse período crucial da Pré-História. Assim, o caráter glabro da pele, sua cor morena, acobreada ou negra, a abundância de glândulas sudoríparas, as narinas e os lábios proeminentes de grande número de africanos, os cabelos crespos, encaracolados ou encarapinhados, tudo isso provém das condições tropicais. A melanina e o cabelos encarapinhados, por exemplo, protegem do calor. Além disso, a postura ereta, que foi uma etapa tão decisiva do processo de hominização e que implicou ou acarretou um novo arranjo dos ossos da cintura pélvica, está ligada, na opinião de alguns pré-historiadores, à adaptação ao meio geográfico das savanas de ervas altas dos planaltos do leste africano: era preciso manter‐se sempre ereto para olhar por cima, a fim de espreitar sua presa ou fugir dos animais hostis (KI-ZERBO, 2010, p. 834-835).
Darwin se apoiou em inúmeros preconceitos de Thomas Malthus18 e de Francis Galton, contra negros, indígenas, asiáticos e irlandeses.
A mesma observação é válida com igual ou maior força no que diz respeito aos numerosos pontos de semelhança mental entre as mais diversas raças humanas. Os aborígenes americanos, os negros e os europeus são tão diferentes entre si intelectualmente quanto o podem ser três raças quaisquer (DARWIN, 1974, p. 213).
E chegou às raias da eugenia, quando lamentou que, nas sociedades humanas, os “mais fracos” podem sobreviver e prosperar:
Devemos, portanto, suportar o efeito, indubitavelmente mau, do fato de que os fracos sobrevivem e propagam o próprio gênero, mas pelo menos se deveria deter a sua ação constante, impedindo os membros mais débeis e inferiores de se casarem livremente como os sadios (1974, p. 162).
Em suma, ao não levar às últimas consequências a importância do trabalho para os seres humanos, foi incapaz de entender a fundo que o desenvolvimento das forças produtivas “freava” enormemente a força da Seleção Natural sobre os seres humanos e foi incapaz de entender que todos os diferentes povos – com suas diferentes características físicas e culturais – constituíam uma só espécie plenamente evoluída, o homo sapiens sapiens.
Cabe a nós, trabalhadores, a tarefa de demolir de forma revolucionária o capitalismo e pôr fim à alienação do trabalho e a todas as formas de opressão que desumanizam a nossa classe. Pavimentando, assim, o caminho para uma sociedade comunista, início da história realmente humana.
Referências
CONNAH, Graham. África Desconhecida: Uma introdução à sua Arqueologia. São Paulo: USP, 2013.
DARWIN, Charles. A origem do homem a seleção sexual. São Paulo: Hemus, 1974.
DARWIN, Charles. Origem das espécies. Belo Horizonte: Itatiaia, 2012.
EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. São Paulo: UNESP, 2011.
ENGELS, Friedrich. Dialética da Natureza. São Paulo: Boitempo, 2020.
ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. São Paulo: Boitempo, 2015.
LENIN, Vladimir. O Estado e a Revolução: o que ensina o marxismo sobre o Estado e o papel do proletariado na revolução. São Paulo: Expressão Popular, 2010.
KI-ZERBO, Joseph. Conclusão: Da natureza bruta à humanidade liberada. In: KI-ZERBO, Joseph (Org). História Geral da África I: Metodologia e Pré-História da África. Brasília: 2ª ed. UNESCO, 2010.
MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.
MOREIRA, Roberto. Terra, poder e território. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
MORGAN, T. J. H. et al. Experimental evidence for the co-evolution of hominin tool-making teaching and language. Nature Communications. 6:6029 doi: 10.1038/ncomms7029 (2015). Disponível em: <https://www.nature.com/articles/ncomms7029>. Acesso em: 12 dez. 2020.
PONTES, Romerito. Apontamentos sobre a questão evolutiva e a origem da linguagem em Engels. Teoria & Revolução. Disponível em: <https://teoriaerevolucao.pstu.org.br/apontamentos-sobre-a-questao-evolutiva-e-a-origem-da-linguagem-em-engels/>. Acesso em: 11 dez. 2020.
Notas:
1Ver: https://litci.org/pt/assista-o-video-200-anos-de-engels-parte-1/. Acesso em 12 dez. 2020.
2Ver: https://teoriaerevolucao.pstu.org.br/apontamentos-sobre-a-questao-evolutiva-e-a-origem-da-linguagem-em-engels/, de Romerito Pontes. Acesso em: 13 de dez. 2020.
3“Talvez o ponto mais crítico no texto de Engels seja sua evidente leitura lamarkista sobre as transformações biológicas que operaram na transformação do macaco em homem” (PONTES, 2020).
4“[…] de que trabalho fala Engels? Do trabalho instintivo ou do trabalho humano? O mais apropriado seria considerar o trabalho instintivo, que pode preceder a linguagem articulada, embora ele mesmo não entre no mérito da definição” (PONTES, 2020).
5“O trabalho pressupõe a linguagem e não há trabalho sem linguagem” (PONTES, 2020).
6“Criticamos pela natureza antidialética de sua conclusão” (PONTES, 2020).
7O artigo supracitado menciona repetidas vezes a importância da descoberta do DNA para a Teoria da Evolução mas não menciona a importância das descobertas do monge Johann Gregor Mendel acerca da transmissão hereditária de características entre os indivíduos para a elevação da teoria darwiniana no panteão das ciências. Em 1857 Mendel realizou experimentos cultivando ervilhas e ao cruzá-las, observa a transmissão hereditária de certas características para as novas gerações de ervilhas. Seus estudos só foram descobertos no início do século XX, e com justiça é considerado o pai da genética. Essa era a explicação para a hereditariedade das modificações que faltava a Darwin.
8Na quinta edição da Origem das Espécies Darwin passa a considerar a possibilidade de que algumas características estruturais nos seres vivos podem não ter serventia, mas reitera que “com base nos conhecimentos colhidos nos últimos poucos anos estou convencido de que se poderá demonstrar depois a utilidade de muitíssimas estruturas que agora nos parecem inúteis e que entrarão consequentemente no âmbito da seleção natural” (DARWIN, 1974, p. 78).
9Darwin, por exemplo, aceitava a hipótese da hereditariedade de caracteres também aceita por Lamarck, mas com uma diferença: secundada pela Seleção Natural.
10“a palavra inglesa coulter, que é um cognato de cultura, significa ‘relha de arado’. Nossa palavra para a mais nobre das atividades humanas, assim, é derivada de trabalho e agricultura, colheita e cultivo” (EAGLETON, 2011, p. 09).
11Na academia brasileira, o sociólogo Ricardo Antunes teve o mérito de combater as posições do filósofo Jürgen Habermas que colocava como centro a esfera comunicacional, pondo a linguagem e a cultura no núcleo do que chamava de “mundo da vida”.
12Morgan conduziu este estudo em seu pós-doutoramento na Universidade da Califórnia em parceria com a Universidade Saint Andrews e a Universidade de Liverpool.
13“É por ter sido faber (artesão), que o homem se tornou sapiens (inteligente). Com as mãos livres da necessidade de apoiar o corpo, o homem estava apto a aliviar os músculos e os ossos do maxilar e do crânio de numerosos trabalhos. Daí a liberação e o crescimento da caixa craniana, onde os centros sensitivo‐motores do córtex se desenvolvem. Além disso, a mão confronta o homem com o mundo natural. É uma antena que capta um número infinito de mensagens, as quais organizam o cérebro e o fazem chegar ao julgamento, particularmente através do conceito de meios apropriados para alcançar um dado fim (princípio de identidade e causalidade) (KI-ZERBO, 2010, p. 835-836).
14No Estado e a Revolução, Lenin rebatia aqueles que tentavam opor a noção de Estado em Marx e Engels: “No entanto, seria um profundo erro crer numa divergência de opiniões entre Marx e Engels. Um estudo mais atento mostra que as ideias de Marx e Engels a respeito do Estado e do seu definhamento são absolutamente idênticas, e que a expressão de Marx aplica-se justamente a um Estado em vias de definhamento” (2010, p. 104).
15Ver: https://litci.org/pt/bicentenarioengels/. Acesso em: 11 de dez. 2020.
16Como visto, há também uma riquíssima contribuição de Engels à chamada questão ambiental que pode ser extraída neste manuscrito.
17“Assim, os mais antigos representantes de nossa espécie podem ser vistos como o presente da África para o mundo” (CONNAH, 2013, p. 40).
18Galton e Malthus são mencionados em Origem das Espécies, mas nem de longe têm tamanho relevo quanto nesta obra. A elaborações acerca da população de Malthus lhe inspiraram. Mas, se eram razoáveis para se pensar o crescimento sustentável de uma determinada espécie – isto é, a capacidade de sustentabilidade “associada à máxima população de uma espécie que pode manter-se indefinitivamente em um território sem provocar uma degradação na base de recursos que possa fazer diminuir essa mesma população no futuro” (MOREIRA, 2007, p. 202) – não faziam o menor sentido quando aplicadas para as sociedades humanas.