A questão colonial e a Segunda Internacional

Os partidos socialistas se desenvolveram nos países capitalistas centrais da Europa e toda teoria da revolução, as táticas, estratégias, partiram, como não podia deixar de ser, das condições da luta de classes nestes países.

Assim, toda a história revolucionária dos povos se concentra principalmente nas revoluções que se desenrolaram na Europa e adjacências.

Até hoje, os marxistas revolucionários, aprendemos dos exemplos dos mestres que vêm carregados de uma visão eurocêntrica da história, da revolução, de suas estratégias e táticas.

Por exemplo, divulga-se em todos os manuais de marxismo básico que:

O desenvolvimento aparentemente pacífico e progressivo do capitalismo na primeira época do imperialismo mostra seu verdadeiro caráter quando estoura a Primeira Guerra Mundial.1

Ora, justamente este período “pacifico e progressivo” foi o da consolidação do imperialismo e da dominação colonial de mais da metade dos povos do mundo.

Como resultado do domínio colonial da Índia pela Inglaterra, neste período denominado “pacífico” e “progressivo”, a Índia exportava 64% do arroz consumido no mercado mundial e teve uma grande fome em 1876, onde morreram 4 milhões de indianos. Entre 1896 e 1900, morreram mais 5 milhões de indianos de fome em Bombaim.

Um coletor britânico do distrito de Faridpur, em Bengala escreveu: “Não chega à Inglaterra uma caixa sequer de índigo [tecido tipo jeans] que não esteja manchada de sangue humano“.2

Neste período, mais de 1 milhão de irlandeses morreram de fome, devido epidemia de cólera e a crise da batata, entre 1845 e 1846. A Irlanda foi arruinada pelos ingleses e os irlandeses obrigados a emigrar para os Estados Unidos, com isso sobrou espaço para as ovelhas e vacas poderem pastar a vontade.

Neste mesmo período se massacrou o povo negro: a África, por volta de 1860, contava com 150 milhões de habitantes, no final deste século, restavam 95 milhões.3 Esse genocídio do povo negro permitiu a era “pacífica” nos países centrais da Europa.

No outro lado do mundo, na América do Sul, a Inglaterra promoveu a guerra da Tríplice Aliança (Brasil, Argentina e Uruguai) para destroçar o Paraguai. No começo da guerra, o Paraguai tinha 800 mil habitantes, no fim da guerra tinha apenas 194 mil habitantes, sendo 14 mil homens e 180 mil mulheres. A população masculina foi praticamente aniquilada. Dos 14 mil homens que sobreviveram somente 4.200 tinham mais de 10 anos.

Esta situação “aparentemente pacífica e progressiva” na Europa era resultado de uma superexploração e dominação pela força de mais da metade do planeta por parte da Inglaterra, França, Alemanha e Estados Unidos.

Nestes países capitalistas centrais, com muita luta, a classe trabalhadora adquiriu melhores condições de vida e trabalho, desenvolveram seus sindicatos, os parlamentos se tornaram o centro da vida política e até criou a impressão que o socialismo chegaria pela via pacífica e reformista. Apareceram em todos os partidos socialistas destes países, grandes correntes reformistas, que prometiam o socialismo sem guerras e revoluções.

Porém, na outra ponta do sistema, o colonial, os ataques brutais, a superexploração econômica e a dominação política direta do imperialismo nascente, geraram revoluções anticoloniais magníficas, que deslocaram a situação revolucionária dos centros metropolitanos para o mundo colonial.

Desde que começaram as primeiras ocupações coloniais que se iniciou uma revolta dos povos dominados:

  • 1638 a 1837: revoltas negras nas Américas: 75 grandes revoltas em 200 anos. Jamaica em 1832.
  • 1765: Insurreições crioulas no México.
  • 1780: Levante de Tupac Amaru II em Cuzco, Peru.
  • 1776/1783: Revolução de independência dos EUA
  • 1791/1803: independência do Haiti.
  • 1810: vaga de revoluções na América Latina, começando pelo México.
  • 1821: San Martín e Bolívar: independência da America Espanhola.
  • 1822: Revoltas antiholandesas em Java
  • 1824: primeira guerra anglo-birmanesa.
  • 1832: guerra de libertação da Argelia contra a França.
  • 1840: Guerra colonial do ópio na China
  • 1841: Guerra colonial no Camboja
  • 1843: Guerra na África do Sul

Com a derrota das revoluções de 1848 na Europa, o eixo das revoluções burguesas no mundo se deslocou deste continente para a periferia do planeta:

  • 1849: Guerra colonial na Índia
  • 1851: Poderosa revolução na China
  • 1852: Segunda guerra da Inglaterra contra a Birmânia
  • 1857: Revolução anticolonial na Índia
  • 1859-1860: guerra da Inglaterra e França contra a China.
  • 1861: Guerra Civil nos EUA
  • 1864: Guerra do Paraguai
  • 1865: Revolução da Jamaica.
  • 1967: Revolução da Irlanda.
  • 1871: Revolução anticolonial na Argélia
  • 1871: Comuna de Paris (única excessão de revolução na Europa neste período).
  • 1873: guerra da Holanda contra Sumatra.
  • 1877: Anexação do Congo Belga
  • 1877: Guerra contra os Zulus, na África do Sul.
  • 1883: Guerra colonial no Vietnã.
  • 1884: Partilha da África pelo imperialismo
  • 1889: Tanganica vira colônia alemã.
  • 1891: partilha de Bornéus entre ingleses e holandeses.
  • 1892: protetorado francês no Daomé.
  • 1898: Começa guerra colonial dos EUA no Caribe
  • 1905: Revolução Russa
  • 1906: Revolução iraniana
  • 1908: Revolução turca
  • 1911: Revolução anticolonial chinesa e mexicana

O deslocamento do eixo revolucionário se deu até 1914, com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, que abriu uma situação revolucionária em todo o continente europeu.

Em geral, os marxistas não consideram estas revoluções do século XIX, realizadas na periferia do sistema, como revoluções democrático-burguesas. Se considerava que nestes países ainda não havia relações capitalistas de produção consolidadas e uma burguesia nacional desenvolvida. Por isso, os debates teóricos sobre as revoluções burguesas se circunscreveram às revoluções que ocorreram na Europa e depois, na Rússia.

Lenin observou:

Na Europa Ocidental, a época das revoluções democrático-burguesas abarca um espaço de tempo bastante determinado, aproximadamente entre 1789 a 1871. Foi a época dos movimentos nacionais e da criação dos Estados nacionais.

(…)

Na Europa Oriental e na Ásia, a época das revoluções democrático-burguesas apenas começou em 1905. As revoluções da Rússia, Pérsia, Turquia e China, as guerras nos Balcãs: esta é a cadeia dos acontecimentos mundiais ocorridos em nossa época, no nosso ‘Oriente’.4

O primeiro acerto de Lênin é considerar estas revoluções de independência nacional como revoluções democrático-burguesas tardias. Mas ele mesmo esqueceu-se de colocar, na periodização acima, a revolução norte-americana de 1776/1783, como uma revolução democrática (que ocorreu em duas etapas, a de libertação nacional em 1783 e de consolidação do poder burguês em 1860/1863, conhecida como a guerra civil entre o Norte industrializado e o Sul escravocrata).

Foram revoluções democrático-burguesas especiais, com uma tarefa principal de garantir a independência nacional contra a dominação estrangeira.

Lênin não considerou as revoluções de independência, que se realizaram antes de 1905, como revoluções democrático-burguesas. Já citamos a revolução americana, mas uma revolução clássica democrático-burguesa, de independencia nacional foram as revoluções de independencia da América espanhola como revoluções democrático-burguesas, ainda que se livraram da dominação espanhola para cair nas garras da Inglaterra.

Temos que nos debruçar no estudo da revolução haitiana de 1791-1803, dirigida por ex-escravizados negros que assumiram o poder no país pela debilidade da “burguesia nacional”. Esta revolução já revelou alto conteúdo transicional do sujeito social revolucionário em mutação da burguesia para o proletariado ou semi-proletariado.

Algumas foram típicas revoluções burguesas, enquanto outras foram rebeliões anticoloniais, que não alcançaram status de revoluções democrático-burguesas, seja pela insuficiência do desenvolvimento capitalista, seja pela ausência de uma burguesia nativa.

O marxismo está em dívida com a história destas revoluções. Se não há uma teoria das revoluções nos países adiantados, muito mais atrasado está o estudo destas revoluções de independencia nacional, expressão da revolução democrático-burguesa nos países atrasados do ponto de vista econômico.

Isto dificulta a ação revolucionária dos marxistas nos países coloniais e semicoloniais porque transportamos a dinâmica revolucionária de países como a França, por exemplo, para os países coloniais, onde as tarefas revolucionárias se encadeiam de forma distinta. Ou terminamos fazendo uma caricatura da revolução, como fizeram os partidos comunistas aos definirem como uma revolução “antifeudal”, desvinculada da revolução socialista, contra o imperialismo. Ou ignoramos os traços específicos, produto da utilização de formas pré-capitalistas, que determinam o caráter da revolução em cada país.

Por exemplo, a questão da terra e da reforma agrária se enfoca diferente caso a revolução se dê nos Estados Unidos ou no Brasil, da mesma forma como se enfocou diferente na Rússia em 1917 e na Alemanha em 1918.

Em geral, nós marxistas dos países atrasados, raciocinamos com as lentes dos mestres que elaboraram a teoria marxista nos países adiantados. Evidentemente que a validade da teoria marxista é mundial, já que o capitalismo e o imperialismo são sistemas mundiais, mas isso não impede que as especificidades nacionais determinem as tarefas revolucionárias, pelo menos no inicio da revolução.

O marxismo tem o dever de estudar a historia destas revoluções para incorporá-las na historia da luta de classes mundial, com seu devido lugar, como Marx começou a vislumbrar, dizendo que estas revoluções poderiam cumprir um papel de faíscas5 para detonar o processo revolucionário nos países centrais, única forma de matar o imperialismo de forma definitiva, com sua expropriação “em casa”.

Trotsky sintetizou este deslocamento do eixo revolucionário do Leste para Oeste, do ‘atrasado’ para o ‘adiantado’:

O fato concreto é que a revolução começou e conduziu à vitoria do proletariado no país mais atrasado dos grandes países da Europa: Rússia. (…) Deste modo, a revolução proletaria, depois de começar no país menos avançado da Europa, segue evoluindo, degrau a degrau, em direção aos países de mais alto desenvolvimento econômico.”(…)“A historia seguiu a linha que oferecia a menor resistência. A etapa revolucionaria irrompeu pela porta menos guarnecida. 6

Até hoje, as revoluções proletárias vitoriosas se deram em Cuba, China, Rússia, Vietnã, etc. Não ocorreu na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos. Na Alemanha tivemos várias revoluções proletárias entre 1918 e 1923, que foram derrotadas.

Nestes 70 anos, que vão de 1848 a 1918, à excessão da Comuna de Paris, não ocorreram revoluções nos países centrais. Eles estavam lutando entre si pelo domínio do mundo, enquanto suas economias se desenvolviam por saltos, formando os grandes monopólios que iriam dominar o mundo, aliados, cada um deles, com “seu” Estado nacional.

Porque as revoluções de independência, que vão de 1750 a 1914, não são computadas como a primeira etapa da revolução democrático-burguesa? Só porque eram de liberação nacional? Essa revolução colonial é um tipo especial de revolução burguesa. Porque não é valorizada como tal? Porque não é estudada por nós em detalhes?

São revoluções diferentes porque buscavam superar os resquícios feudais e escravistas que ainda permaneciam na sociedade, ao mesmo tempo em que se enfrentava com a dominação imperialista, produto do mais alto grau de desenvolvimento do capitalismo mundial.

O proletariado se tornou o sujeito desta revolução inacabada. Apesar de que, nos dias de hoje,o caráter destas revoluções é socialista (pelas tarefas que enfrentam e pelo sujeito social), nem por isso podemos concluir que é uma revolução socialista típica, porque ela arranca da resolução de tarefas democráticas não resolvidas que geraram situações muito desiguais e combinadas, sociedades altamente contraditórias, híbridos históricos complicados de entender do ponto de vista social e histórico, subdesenvolvidas desigualmente: burguesia nacional débil, imperialismo forte, proletariado forte e Estado forte, com muito peso na acumulação capitalista.

Evidentemente que esta limitação do marxismo influencia nosso pensamento e desarma o proletariado mundial no entendimento destas revoluções anticoloniais como fator detonante da revolução socialista mundial.

O dever dos marxistas é analisar entre os países coloniais e semicoloniais onde estão estes “elos débeis” e estudar as formas e as conexões por onde vai penetrar a revolução socialista nos países centrais.

A visão de mundo do marxismo e da revolução mundial deve ser enriquecida pelo estudo destas sociedades e pela compreensão do papel destas revoluções de independência nacional na revolução socialista mundial.

Saber que a burguesia não vai desempenhar um papel revolucionário nestas revoluções de independência e que o proletariado é quem vai dirigir estas revoluções tardias não pode esconder a importância fundamental destas tarefas inconclusas da revolução democrático burguesa pelo menos no inicio destas revoluções.

Não podemos concluir que há uma uniformização (combinação mundial) do mundo porque houve uma mundialização do sistema imperialista e uma conexão mundial de todos os países. Não podemos esquecer as desigualdades, que tem muita importância para a vitória da revolução concreta, em cada país.

Subestimar o papel das tarefas democráticas na revolução socialista pode se converter num grave erro. Superestimar também.

Os quatro séculos de desenvolvimento do capitalismo europeu e a dominação colonial se apoiaram em um genocídio que até hoje deixou marcas nas colônias e semicolônias. O capitalismo europeu nascente massacrou 10 milhões de indígenas na América do Sul, já que dos 11 milhões que havia em 1492, restou apenas 1 milhão. No México, restaram apenas 2 milhões de indígenas em 1650, de um total de 20 milhões em 1519.O tráfico negreiro resultou em cerca de 11 milhões de escravos entre 1600 e 1900 e mais 4 milhões de escravos árabes.7Nos Estados Unidos, Theodore Roosevelt declarou: “Não chegarei a afirmar que índio bom é índio morto, mas afinal é esse o caso de nove entre dez deles, e eu não vou perder meu tempo com o décimo“.8 Pode-se afirmar que houve genocídio e até holocausto indígena nos EUA. Se dizimou 8 milhões de indígenas, restando 5% da população original.9

Não é a toa que Marx disse em O Capital que: “O capital veio ao mundo gotejando sangue por todos os poros”.

A maior parte da riqueza dos países imperialistas, com toda certeza, repousa em montanhas de ossos e rios de sangue dos povos coloniais. Essas marcas devem ser estampadas no programa da revolução socialista internacional que vai se desenrolar no século XXI.

A II Internacional e a questão colonial
A mudança de opinião de Marx e Engels sobre a questão colonial não foi completa, houve idas e vindas nessa compreensão, revelando a transição entre a época da revolução burguesa e a época da revolução proletária.

Mesmo na fase madura, em 1883, Engels defendia a tese que a revolução de independência nacional ocorreria como subproduto da revolução proletária nos países adiantados:

1. O proletariado se encarregará ‘provisoriamente’ das colônias povoadas pelos nativos, as quais haverá de conduzir o mais rapidamente possível à independencia. 2. o proletariado que se liberta a si mesmo não pode travar guerras coloniais e 3. o proletariado vitorioso não pode impor a nenhum povo felicidade alguma sem solapar com isso sua própria vitoria.10

Porém, estas idas e vindas na elaboração de Marx e Engels foi resultado de uma realidade em grandes transformações e a mutação para o imperialismo, nova fase do capitalismo mundial. Esses idas e vindas não tinha nada a ver com as posições que foram se desenvolvendo na II Internacional depois da morte dos dois dirigentes.

Devido à dominação colonial que estes países centrais da Europa exerciam sobre a maior parte do mundo e o desenvolvimento econômico e político interno a estes países, se deu uma corrupção de parte considerável do movimento dos trabalhadores destes países, que passaram a justificar a exploração colonial:

Precisamos nos afastar da ideia utópica que leva a livrar-se das colônias. A consequência final desta posição seria devolver os Estados Unidos aos índios. As colônias estão aqui para ficar: devemos fazer as pazes com isso. Povos civilizados têm que exercitar certa tutela sobre povos não civilizados – até socialistas têm que reconhecer isto. Baseemo-nos em fatos reais, que nos levarão a contrapor a política colonial capitalista com uma política socialista. Muito de nossas vidas econômicas recai sobre produtos das colônias que os nativos não eram aptos a utilizar.11

Lênin, em seu informe sobre o Congresso da II Internacional de Stutgart, em 1907 disse:

As divergencias sobre a questão colonial não foram superadas na respectiva Comissão. O Congresso resolveu a disputa entre oportunistas e revolucionarios, favorecendo os revolucionarios por maioria dos votos, 127 votos contra 108 e 10 abstenções. (…) Ao redor da questão colonial se formou na comissão uma maioria oportunista, e no projeto de resolução apareceu uma frase monstruosa que dizia: “O congresso não condena a princípio e por todos os tempos toda política colonial, que pode desempenhar uma função civilizadora num regime socialista.12

Kautsky13 escreveu a Engels que:

a posse da Índia pelo proletariado inglês seria vantajosa para ambos. Para este como fonte de matérias primas”, e para “o povo hindu, porque se fosse abandonado à sua própria sorte seria dominado pelo pior dos despotismos….

(….)

As tribos selvagens, na medida em que não sejam assimiláveis pela civilização moderna, terão que desaparecer da face da terra.14

Estas posições divergentes chegaram ao extremo da ruptura em 1914, diante da Primeira Guerra mundial. Os reformistas passaram para o lado do “seu” imperialismo enquanto os marxistas revolucionários buscavam transformar a guerra imperialista em revolução social, contra sua própria burguesia.

Depois da Primeira Guerra Mundial, o reformismo aperfeiçoou seu argumento, usando a visão de Marx e Engels pré-1864: como o capitalismo é progressivo frente aos sistemas anteriores, a colonização pode cumprir um papel civilizador e portador do progresso histórico. Assim, o sistema capitalista surgiria dos escombros do feudalismo e prepararia as bases do socialismo. Então, a classe trabalhadora deveria respaldar o desenvolvimento capitalista nas colônias e semicolônias, como etapa necessária no caminho do socialismo.

A política colonial foi o meio através do qual o capitalismo se expandiu no mundo todo. Acessou as riquezas naturais dos países atrasados, desenvolveu a produção e a comunicação modernas, ampliou o uso das matérias-primas na economia mundial e contribuiu com o desenvolvimento da divisão internacional do trabalho.15

Como a colonização se realizava de forma violenta, retirando os direitos políticos dos povos e pelo exercício direto do poder imperialista, muitas vezes sustentado pela força das armas, os reformistas justificaram a exploração econômica, mas propuseram uma mudança na dominação política: a participação dos “nativos” em algumas instituições políticas, através do voto. O caminho pacífico da colônia ao socialismo, utilizando como meio a democracia burguesa e a assimilação dos “nativos” pela civilização.

Assim, a socialdemocracia ajudou o imperialismo a dominar os povos coloniais e semicoloniais utilizando a arma da “democracia” para iludir os trabalhadores e passar a impressão que não existe dominação política sobre as colonias e semicolônias.

Até hoje, a socialdemocracia mantêm vínculos estreitos com o imperialismo. Os argumentos sempre são “humanitários”: para levar a civilização e o desenvolvimento econômico aos povos atrasados.

Um dos capítulos mais tristes do PT do Brasil foi a ocupação colonial que dirigiu em nome do imperialismo no Haiti. Lula justificou essa agressão colonial da seguinte maneira:

O Brasil e seus vizinhos aceitaram a convocação da ONU por um imperativo de solidariedade. Não podíamos ficar indiferentes à crise político-institucional e ao drama humano do Haiti. E o fizemos convictos de que a tarefa da MINUSTAH não se limitava à segurança, mas abrangia também o fortalecimento da democracia, a afirmação da soberania política do povo do Haiti e o apoio ao desenvolvimento sócio-econômico do país.16


Notas

1Atualização do Programa de Transição, pg 13, Nahuel Moreno. Moreno faz essa afirmação apoiado em Lênin, porém, Lênin circunscreve esta época relativamente pacífica a Europa: “Na Europa, o socialismo já passou a etapa relativamente pacífica e limitada ao marco nacional. Com a guerra de 1914-1915 entrou na fase das ações revolucionárias, razão pela qual a ruptura completa com o oportunismo e sua eliminação dos partidos operários está indubitavelmente na ordem do dia”, Obras completas, tomo XXI, 248). Lênin se refere a época progressiva do capitalismo, circunscrito também a Europa: “Assim ocorreu na época do capitalismo progressivo, na Europa, entre 1845-1871.” , em Balanço da discussão sobre a autodeterminação – Escrito em julho de 1916. Talvez Moreno use o termo “aparentemente pacífico” para relativizar a afirmação e abranger a violência organizada em sistema colonial.

2 Citado por Jacques Pouchepadass, Índia: o primeiro século colonial, O livro negro do colonialismo, organizado por Marc Ferro, 2003, pp. 323.

3 Catherine Coquery-Vidrovitch, Evolução demográfica da África colonial, citado em O livro negro da colonização, organizado por Marc Ferro, 2003, pp 636.

4 Lênin, O direito das nações à autodeterminação, fevereiro/maio de 2014, Tomo XXV – Obras completas – páginas 285/286.

5Nestas circunstâncias, como a maior parte do circuito comercial regular já foi percorrido pelo comércio britânico, pode prever-se, com segurança, que a revolução chinesa lançará a faísca na mina sobrecarregada do sistema industrial atual e causará a exploração da crise geral que há muito tempo se está a forjar, a qual, alastrando para o estrangeiro, será seguida de perto por revoluções políticas no continente”.Karl Marx, Revolução na China e na Europa, pp. 21, 24 e 28, Sobre o colonialismo, volume I.

6 En camino: consideraciones acerca del avance de la revolución proletaria – Leon Trotsky – 1º de mayo de 1919

7 Catherine Coquery-Vidrovitch, Afrique Noire, pp 33, citado em Historia das Colonizações, Marc Ferro, 1994.

8 Citado por David Stannard, American Holocaust: Columbus and the Conquest of New World, Nova York, Oxford University Press, 1992, p. 245.

9 Estes exemplos são retirados dos livros Historia das colonizações, de Marc Ferro, 1994 e O livro negro do colonialismo, organizado por Marc Ferro, 2003..

10 Marx & Engels Werk tomo XXX paginas 357-358, citado por Pedro Scoron em Contribuição para uma Historia da América Latina.

11Bernstein citado por Kautsky em Socialismo e política colonial, 1907.

12 Lênin, Obras completas, tomo 16, 1907, pagina 71.

13 Kautsky cumpriu um papel importante nos debates da II Internacional sobre a questão colonial contra a ala direita, que defendia um “colonialismo socialista”. Porém, quando se decidia as quetões, suas propostas buscabam conciliar os revolucionários com os reformistas. Defendia o direito a “autonomia nacional” em contraposição à separação.

14Friedrich Engels Briefwechsel mit Karl Kautsky, editada e refundida por Benedikt Kautsky, Viena, 1955, p. 56 e 59. Citado por Pedro Scoron 1982.

15 Resolução colonial do Congresso da Internacional Socialista (II Internacional socialdemocrata), Bruxelas, 1918.

Nazareno Godeiro