(GERMANY OUT) Marx, Karl – Politician, Philosopher, Revolutionalist, D *05.05.1818-14.03.1883+ – group picture of the family, with his daughters Jenny, Eleanor, Laura and Friedrich Engels (l.) – reproduction of a daguerreotype Vintage property of ullstein bild (Photo by ullstein bild/ullstein bild via Getty Images)

Algumas palavras sobre Marx

Julgamos importante apresentar ao nosso leitor um breve percurso de um dos maiores revolucionários da história. Não faremos aqui um esboço biográfico (uma ótima biografia já foi escrita por Lênin), tampouco uma nota de “AllesGute zum Geburtstag” [feliz aniversário]. Este ano de 2018 marca o que vem se chamando de Marx 200, mas o que poucos dizem é que se trata de 200 anos do nascimento de um dirigente político revolucionário que dedicou a sua vida à construção de um partido internacional sobre controle dos trabalhadores, contra a burguesia e os reformistas.

Diante da grande crise do capitalismo, da brutal necessidade de realização da composição orgânica do capital, de desespero em relação a queda da taxa de lucros e a implacável austeridade ao capital variável, Karl Marx continua atual para o nosso tempo presente e revolucionário como sempre o foi.

Gostemos ou não deste revolucionário, ele é há mais de um século, a principal referência crítica à Economia Política e também à Economics, tão reivindicada pelos analistas financeiros das mais diversas matrizes teóricas.

Gostaria de chamar atenção para o projeto da modernidade burguesa. Este projeto não está escrito em apenas um conjunto de papéis, mas construído na formação de uma nova sociedade do decorrer dos séculos que marcam a passagem da sociedade feudal para a capitalista. A modernidade burguesa apresentou, emblematicamente, a partir da Revolução Francesa, um projeto universal, e para Marx esse projeto era revolucionário.

Entretanto esse caráter revolucionário deu lugar ao aspecto reacionário deste projeto, uma vez que a universalização fora abandonada no mundo prático, delegando a maioria da população um lugar cada vez mais medíocre e animal.

Neste percurso de retrocesso do projeto da modernidade, parte da burguesia esclarecida, educada no seio do projeto inicial da modernidade, se revoltará contra a própria classe e dará vida a uma das mais poderosas perspectivas críticas de toda sociedade burguesa.

Nossos leitores que estiverem ligados á um marxismo banhado pelo stalinismo tremerão todos os ossos e arrepiarão todos os pêlos agora: Marx representa parte desta elite ilustrada que não vê mais nenhuma possibilidade de realização do projeto da modernidade e desenvolverá ao lado de outros intelectuais uma trajetória antitética de sua própria classe de origem. Estamos dizendo que Marx é fruto do desenvolvimento da sociedade burguesa e que este se volta contra a própria burguesia que o educou. É um evento histórico que nenhum historiador honesto pode negar. E nisto não há nenhum problema moral e teórico na construção do pensamento marxiano. A burguesia ao negar o seu caráter revolucionário ao chegar ao poder, “empresta” de suas próprias fileiras uma das maiores potências da plataforma revolucionária do século XIX!

A superação de Marx, ou ainda, o momento emblemático da superação por Marx da perspectiva democrática liberal não se deu apenas com os estudos universitários. Estes foram fundamentais, mas é a partir das intervenções no mundo material (com pretensões transformadoras) é que fora se construindo o Marx que procuramos conhecer hoje. O que estamos apontando aqui é o papel da práxis na constituição do pensamento marxiano, nos anos de 1840, mas principalmente a partir da segunda metade desta data.

Marx, em 1842 trabalhava no jornal chamado Gazeta Renana onde se posiciona a favor dos camponeses da Renânia ao passo que a burguesia negociava com o governo de Frederico Guilherme IV. A ação no jornal diante do tempo presente exigia de Marx um tipo de tempo que o trabalho acadêmico não possui. Diante disso Marx se auto exila e resolve residir em Paris, sobretudo com a necessidade de se formar para encarar o mundo que se apresentava. Paris era o local onde algumas liberdades políticas estavam garantidas e Marx possuía o objetivo de fundar uma revista impressa, os Anais Franco-Alemães com fito de ser enviada a Prússia clandestinamente.

Em 1843 se casa com Jenny von Westphalen (o grande amor de sua vida) e parte para Paris. Com direito há algumas semanas por Kreuznach, durante esse tempo se dedica a leitura e critica da filosofia do direito de Hegel publicada anos antes em 1821. Redige o texto a partir dos seus estudos críticos sobre estado e sociedade civil em Hegel. Para Hegel o Estado fundava e organizava a sociedade civil que existia em caos. Marx não concordava com isso, mas também não tinha claro[1] como encarar essa esfinge.

Chega a Paris e vai morar em uma casa de exilados alemães. Em 1843 reconhece que algo chama sua atenção (os clubes operários, a tradição comunista, o mundo industrial mais avançado) e é nesse momento que nasce, ou melhor, vai se constituindo com mais clareza, o Marx que conhecemos hoje. Antes disso temos um jovem democrata radical, mas que agora se deparará com algo concreto que é a vanguarda do proletariado. Dedicando-se ao projeto da revista, vai conhecer Friedrich Engels. Em 1843-1844 Engels esta trabalhando na fábrica do pai em Manchester. O contato em Paris não foi dos melhores, pois Marx não simpatizara muito com o jovem Engels, filho de industrial. Entretanto, em 1844, Marx recebe um texto de Engels (Um breve esboço) e que o surpreende completamente. Texto que traz a tona suas preocupações levantadas em Kreuznach. Engels é que aponta para Marx o caminho da crítica! É aqui que Marx toma a importância da economia política e como entender a sociedade civil: era através da economia política burguesa.

No final de 1844, Engels retorna da Inglaterra, passando por Paris e estabelece sólida interlocução de idéias com Marx, iniciando ai uma colaboração intelectual que durou a vida toda e resultando em trabalhos como “A Sagrada Família”, “A Ideologia Alemã[2]” e “O Manifesto do Partido Comunista”. É também em Paris que Marx tem contato com o proletariado e a tradição que vem de François Babeuf à Louis Auguste Blanqui através das associações e o movimento operário de Paris. Temos aqui um salto na compreessão de Marx sobre o presente como história (1843-1844). Vincula-se ao movimento operário, digo, aos trabalhadores da tradição comunista e a tradição do movimento operário e é Marx que irá vincular estas duas tradições através de seus trabalhos durante a sua trajetória como investigador, militante e dirigente.

Em 1844- 1847 o problema ainda esta colocado para Marx, o das relações sociais em seu tempo presente. 1845 é expulso de Paris onde colaborava com jornais de exilados alemães. Vai para Bruxelas, agora como exilado e contacta a Liga dos Justos resultando dai um congresso da Liga[3] em 1847 na cidade de Londres, passando a se chamar Liga dos Comunistas e apresenta um programa ao mundo político em inicio de fevereiro de 1848, era o Manifesto do Partido Comunista, em nome de uma organização política (de um partido). Neste mesmo momento 1848 estoura a Primavera dos Povos.

Marx retorna a Paris, fica algumas semanas. Com o ascenso de 1848 o governo provisório cancela o ato de expulsão de Marx que volta para Renânia e cria um novo jornal “A Nova Gazeta Renana”. Desta vez, um periódico com objetivo de orientar a revolução alemã e que termina com a repressão absoluta e que o faz retornar para o exilio partido em 1849 novamente para Paris, rumo à Inglaterra. Em 1850, em Londres a desgraça se estabelece de vez para toda família Marx. Foram várias calúnias, principalmente a de que seria um agente prussiano nos textos de Vogt[4], a pauperização, a morte do filho, as doenças na família, a falta de dinheiro, e, contraditório a tudo isso, a sua maior aplicação aos estudos da economia política que deu vida a publicação ao texto central desta tese em 1859. Foi considerando esta totalidade que nos lançamos à algumas palavras sobre Karl Marx.

Hoje, em 2018, seria um absurdo, diante da crise, procurarmos entender apenas um Marx analista da sociedade capitalista. Marx era um revolucionário de primeira linha e nesta perspectiva uma das condições revolucionárias é entender o que se deseja revolucionar, sem se limitar a escrivaninha ou a biblioteca, é necessário ir às ruas, colocar as mãos na massa… Banhar-se na classe trabalhadora!

O papel do proletariado francês é de um pontapé radical na formação de Marx! Dirão os filisteus: “mas ele teve acesso apena a vanguarda do proletariado”. É verdade e o papel desta vanguarda proletária significou mais do que toda a biblioteca de Berlim na cabeça de Marx!

Sem jamais ignorar as bibliotecas, a classe trabalhadora tem um papel revolucionário na formação de Marx, principalmente quando se instala em Londres (isso também é extensivo a Engels).

Diferente de Marx, hoje, muitos de nós desejamos transformar a sociedade capitalista a partir dos departamentos universitários, da burocracia e até mesmo a partir de partidos radicalmente degenerados… Pois bem… isso não acontecerá desta maneira, não na perspectiva marxiana.

200 anos depois, as referências de Marx continuam sólidas e a composição orgânica do capital, absolutamente é a mesma! Se Marx está morto, sua contribuição revolucionária está mais viva do que nunca! Assim como a classe trabalhadora internacional!


Referências:

[1] Atenção, “não tinha claro”, significa que neste momento de sua trajetória ainda lhe faltam elementos para a síntese e caracterização do tempo presente. Estes elementos estão em construção no pensamento marxiano e não é possível afirmar que em 1843 Marx tivesse todos os elementos necessários para a publicação de sua “Para a Crítica da Economia Política”, isso só ocorrerá em 1859. Assim, “não tinha claro” é muito diferente de “não sabia o que fazer”, uma leitura séria e atenta perceberá essa diferença com facilidade.

[2] Trabalhamos com a edição da Editorial Boitempo (MARX & ENGELS, 2007), consultando ainda as edições da Hucitec (MARX & ENGELS, 1986) e Presença de Portugal (MARX & ENGELS, 1974).

[3] Em 1844 a Liga procura Engels para uma interlocução, mas o próprio não se afina com os posicionamentos da mesma. Em 1845 Marx é contactado pela Liga, e o posicionamento não foi diferente ao de Engels. Uma organização clandestina não correspondia as aspirações de organização de Marx e Engels. Apenas depois, na antessala de 1847 é que a liga retoma a tentativa de interlocução e obtém sucesso com Engels, e somente posteriormente com Marx, estava dada a oxigenação necessária para esta organização e que assim mesmo não durará por muito tempo, dissolvendo-se tempos depois em 1852.

[4] Carl Vogtfoi representante da esquerda na Assembléia Nacional de Frankfurt entre 1848-49. Em 1859 defende publicamente a politica externa (neo)napoleônica o que lhe custará acusações de ser também um agente do bonapartismo (Napoleão III) e corruptor de intelectuais a favor dos interesses de Napoleão sobrinho. O jornal Das Volks, que recebia colaborações de Marx e Engels, divulga um panfleto anônimo contendo estas acusações e é claro de Vogt abrirá um processo. Por conta do anonimato o Das Volk teve que responder e Vogt acusa Marx como o conspirador e desferindo uma série de acusações que custou à Marx muito nervoso logo no momento em que escrevia a   sua primeira versão pública da Crítica em 1859. Marx soube esperar e após a publicação reunirá uma série de texto e não deixará a polemica com Vogt e a crítica a esse será avassaladora. Marx também processou Vogt, mas a justiça prussiana não aceitou, pois entendia que Vogt não tivera a intenção de ofender Marx (evidente posicionamento esperado do governo prussiano, tratando-se de Marx). Soubesse que Marx não era o autor do folheto anômimo, mas Karl Blind.  

 

Jean Menezes