Breve ensaio sobre o fascismo, segundo Trotsky

Para que possamos prever as situações em relação ao fascismo, é necessário ter uma definição desta ideia. O que é o fascismo? Quais são suas bases, formas e características? Como se dará seu desenvolvimento? É necessário proceder de forma científica e marxista”.1

Lev Davidovich Bronstein, Leon Trotsky, foi um marxista, dirigente bolchevique da Revolução Russa e um dos primeiros revolucionários a sistematizar uma interpretação categórica sobre o fascismo.2 Amparado pelo materialismo histórico e dialético, Trotsky foi responsável por uma precisa formulação sobre o fascismo que se constitui como um norte imprescindível para o combate antifascista ao longo da História.

 Nesse breve ensaio, tratamos de demarcar as análises teóricas sobre o fascismo a partir de Leon Trotsky, aportando sua inconteste contribuição ao movimento antifascista. Para tanto, faz-se necessário preliminarmente “limparmos o terreno”. Ou seja, é preciso demarcarmos com a perícia da dialética marxista, do que se trata o fascismo e quem são aqueles que se figuram como fascistas. De antemão, cabe salientar que, se a banalização dos conceitos relativos ao fascismo serve como mera retórica, quase nada contribui para a luta do proletariado contra o fascismo. Nesse sentido, vale mais a máxima “quem não conhece o seu inimigo não sabe como vencê-lo”.

Conhecer o nosso inimigo fascista requer uma apurada caracterização sobre esse regime, que possa ensejar as melhores e mais pertinentes armas no seu combate. De saída inferimos que nem todo conservador ou reacionário é um fascista, assim como nem todo governo ou regime autoritário pode ser concebido como fascista. Tomemos como exemplo a emersão da “ultradireita”. Não obstante os grupos de extrema-direita possuem comportamentos “fascistoides”, só podemos concluir a consolidação do fascismo na sociedade quando esses grupos atingem a influência e ação das massas, não sendo restrito em círculos de pequenos grupos. Em seu texto “O que é o fascismo”, escrito em 1931, Trotsky afirma:

O movimento fascista na Itália foi um movimento espontâneo de amplas massas, com novos líderes de base. É um movimento plebeu em sua origem, direcionado e financiado por grandes poderes capitalistas. Ele surge da pequena-burguesia, dos setores mais marginais do proletariado e, até certo ponto, da massa proletária… O movimento na Alemanha é análogo em geral ao italiano. É um movimento de massas… A base genuína do fascismo é a pequena burguesia.3

Não obstante a consolidação do fascismo significa necessariamente a incorporação e adesão do regime fascista entre as massas, é imprescindível que os grupelhos ou círculos menores do protofascismo possam ser denunciados e esmagados pela vanguarda revolucionária. Da mesma sorte, Leon Trotsky rechaça a generalização dos governos da burguesia como sendo todos eles “fascistas”, uma vez que essa falsa interpretação incorre nos desvios da batalha concreta e necessária que os revolucionários devem travar contra a dominação burguesa.

Em polêmica com o stalinismo, que por sua vez considerava todo e qualquer governo autoritário como “fascista”, a fim de justificar as alianças oportunistas com a burguesia, Leon Trotsky delineou o fascismo enquanto um produto histórico de circunstâncias especiais na situação da luta de classes. Não sendo, portanto, quaisquer governos ou regime da burguesia, haja vista que a violência da repressão política é um elemento constitutivo da própria natureza do Estado burguês.4 Em seu escrito “Bonapartismo e Fascismo”, Trotsky refuta a teoria stalinista sobre o fascismo, uma vez que a mesma:

Representa indubitavelmente um dos mais trágicos exemplos das consequências práticas prejudiciais que estão implicadas ao ter substituído, por categorias abstratas formuladas em base a uma parcial e insuficiente experiência histórica (ou uma estreita e insuficiente visão de conjunto), a análise dialética da realidade.5

Mas em linhas gerais, o que seria o fascismo, segundo Trotsky? Trata-se de um regime mortal de destruição do conjunto das organizações operárias, amorfização da classe proletária e rompimento do regime democrático burguês. Desde então, um fenômeno político como o fascismo só pode ser concebido como expressão de fatores históricos como uma profunda crise econômica e social, a agudização da luta de classes e uma derrota histórica do proletariado com o avanço da contrarrevolução.

Portanto,

A fascistização do Estado significa […], antes de tudo e sobretudo, destruir as organizações operárias, reduzir o proletariado a um estado amorfo, criar um sistema de organismos que penetre profundamente nas massas e esteja destinado a impedir a cristalização independente do proletariado. É precisamente nisto que consiste a essência do regime fascista.6

Ademais, tendo em vista tais particularidades, a culminância do projeto fascista pressupõe, de acordo com Trotsky, o cerceamento das amplas liberdades democráticas, a violação dos direitos civis e a ruptura com o Estado democrático de direito, que por sua vez, operam tanto em prol da burguesia, como em frágeis e mínimos “pontos de apoio do proletariado” nas situações pré-fascistas. Isso ocorre diante da necessidade da burguesia que para aplicar uma derrota histórica ao conjunto dos trabalhadores, não se utiliza do fascismo apenas como um terror policial e paramilitar, pois:

O fascismo é um sistema de Estado particular, baseado no extermínio de todos os elementos da democracia proletária na sociedade burguesa. A tarefa do fascismo não consiste somente em destruir a vanguarda proletária, mas também em manter toda a classe num estado de fragmentação forçada. Para isto, a exterminação física da camada operária mais revolucionária é insuficiente. É preciso destruir todos os pontos de apoio do proletariado.7

Em suma, a leitura de Trotsky elucida a necessária questão sobre a caracterização do fascismo, trazendo à luz os pilares desse regime que caracteriza-se pela ação da burguesia de destruição das organizações operárias, o fechamento do sistema democrático, a violência policial e paramilitar, a existência de um partido fascista consolidado e de massas, e o uso da pequena-burguesia como a principal base social, cuja influência reverbera-se às massas.

Por fim, essa interpretação sobre “o que é o fascismo”, constitui-se enquanto um legado histórico dada a clarividência de Leon Trotsky. A despeito de ter sido assassinado em 1940, o revolucionário bolchevique ofertou um aporte teórico para a luta contra o fascismo desde os meados da década de 30. Uma contribuição monumental sintetizada na seguinte advertência política de Trotsky sobre o fascismo: “se queremos permanecer na vanguarda e não ficarmos para trás, devemos levar em conta que cada uma destas formas transitórias exige caracterização teórica correta e uma correspondente política do proletariado”.8 Ou seja, uma política revolucionária para esmagar o fascismo e construir a sociedade socialista.


Notas:

1 TROTSKY, Leon. O que é o fascismo?. The Militant, 16 de janeiro de 1932- disponível em https://www.marxists.org/archive/trotsky/1931/11/fascism.htm

2 Uma obra que julgamos pertinente para conhecermos a leitura de Trotsky sobre o fascismo consiste em “A luta contra o fascismo- Revolução e Contrarrevolução”, in: TROTSKY, Leon. A luta contra o fascismo- revolução e contrarrevolução. Editora Sunderman. São Paulo, 2019.

3 TROTSKY, Leon. O que é o fascismo?. The Militant, 16 de janeiro de 1932- disponível em https://www.marxists.org/archive/trotsky/1931/11/fascism.htm

4 Vale ressaltar a concepção marxista de Estado que consiste na ditadura de uma classe sobre outra, cujo “poder estatal moderno nada mais é que um comitê que administra os negócios comuns de toda a classe burguesa”, in: MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Torino, Einaudi, 1967, p. 102.

5 TROTSKY, Leon. Bonapartismo e fascismo. The New Internacional, revista teórica da seção norte-americana da Quarta Internacional, em agosto de 1934. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1934/07/15.htm, acesso em 08/08/2020.

6 TROTSKY, Leon. A luta contra o fascismo- revolução e contrarrevolução. Editora Sunderman. São Paulo, 2019, p. 58.

7 TROTSKY, Leon. Como esmagar o fascismo. Autonomia Literária, 2018, p. 45.

8 ______________. Bonapartismo e fascismo. The New Internacional, revista teórica da seção norte-americana da Quarta Internacional, em agosto de 1934. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1934/07/15.htm, acesso em 08/08/2020.

Taylan Santana Santos