“Eu te avisei!”: O moralismo de cada dia não ajuda avançar

É preciso combater com toda força os defensores da ditadura militar, os torturadores e seus defensores. Qualquer manifestação fascista deve ser atacada diretamente, mas para fazermos isso temos que entender, ou ainda, analisar e caracterizar o nosso tempo presente. Se errarmos na compreensão teórica, ou mesmo, se a desprezarmos, nossa atuação será equivocada e o verdadeiro inimigo saltitará de alegria.

Depois da vitória de Bolsonaro, principalmente após alguns dias das eleições burguesas, a expressão “eu te avisei” (e também as derivativas desta) se transformou em um dispositivo moralista para responder aos trabalhadores que apoiaram o presidente eleito da burguesia. Diante deste fato é preciso fazer uma coisa: limpar o terreno.

A frase “eu te avisei” tem fundamentação pretérita perfeita (mesmo quando dos casos imperfeito ou mais-que-perfeito) e banhada em um imperativo moralista que mais se relaciona com o gozo daquele que anuncia o passado como arrogante do saber absoluto. a expressão pode ser encontrada exaustivamente na literatura, exatamente como apresentamos, ou ainda, com suas derivações frasais que guardam o mesmo sentido moralista. Para citar alguns exemplos, os fundamentos destra frase é apresentado em Memória da casa dos mortos: “Bem que te avisei”; em Um Jogador: “Avisei bem que não daria certo”; em Crime e Castigo: “Pois eu já te disse, já avisei anteriormente”, todas de Fiódor Dostoiévski. Não queremos fazer aqui um tratado sobre o moralismo, por isso, passemos a questão central de nosso texto: o moralismo de cada dia diante do tempo presente.

A frase “eu te avisei” pode provocar, é verdade, certo gozo naquele que a pronuncia, principalmente se tratando de um projeto político reacionário de ultradireita e populista, mas em quase nada ajuda avançar aquela parte da classe trabalhadora que votou ou apoiou o que há de mais nefasto na república dos ricos. Somos absolutamente contra o que defende e representa Bolsonaro, mas sobre os trabalhadores, devemos debater a questão com cautela. Rotular de fascista, sem critérios, apenas jocosamente, não faz parte da tradição dos revolucionários.

Qual é o sentido desta afirmação pretérita no presente? Seja nas redes sociais ou nos espaços de sociabilidade para além dela, aqui, na vida real? Se esta frase for dita apenas na chave moralista não avançaremos um só milímetro na organização da luta contra as austeridades em andamento e aquelas já anunciadas. É preciso fazer a crítica para além da moral. O próprio Marx apontava para o fato de que não se faz uma revolução apenas com a moral. Precisamos demonstrar as contradições da política proposta pelo presidente eleito e toda sua camarilha. Não faremos isso apenas com ataques moralistas.

Não queremos dizer com isso que a moral não seja importante, mas sim, que devemos ir para além dela. Quer dizer: devemos dialogar com os trabalhadores que votaram em Bolsonaro, construir um entendimento de que este futuro governo, assim como o atual, não nos representa e que tudo aquilo que precisamos para ter uma vida digna não virá com as eleições, muito menos com Bolsonaro. Precisamos explorar as contradições das próprias propostas de destruição previdenciária, trabalhista, educacional, de saúde, segurança, mostrando que os desdobramentos atacam diretamente os trabalhadores, mesmo os eleitores mais fanáticos deste defensor da ditadura e torturadores.

Mas isso, esta tarefa, não está ao alcance daqueles que se movem puramente pelo moralismo, que inclusive, está no campo da moral tradicional e conservadora da classe dominante. Referimo-nos ao sujeito que apenas vomita “eu te avisei” nas redes sociais e no dia a dia e dá as costas com um sorriso de filisteu. É preciso dizer, demonstrar, que a luta contra a exploração e opressão não se faz de forma tão simplista assim. Ela exige maior paciência e organização, com os nossos e com aquela parcela da classe trabalhadora que continua sendo enganada pelos bolsonaristas. Mas poderia dizer o filisteu de plantão: “está propondo que a gente tenha paciência e conquiste os bolsomínions?!!?” A resposta é um grande sim.

Grande parte dos apoiadores de Bolsonaro, não são fascistas, nem defendem o nazismo (ou por acaso aquele tio, sobrinho, irmão, avô… são fascistas e nós é que não sabíamos?)1. São trabalhadores desacreditados na política tradicional, que não acreditam mais no Partido dos Trabalhadores (PT) e que preferiram votar no desconhecido de forma bem mística, apostando naquele que ao menos nem sabiam o que era. Isso demonstra ignorância, é verdade. Mas também demonstra a formação de uma sociedade conservadora, cheia de necessidades básicas e que o candidato eleito conseguiu canalizar a seu favor. Diante disto, não pode nos bastar o balançar de ombros do filisteu. Esta atitude é típica da classe média e da pequena burguesia, também ignorante e oportunista. A história exige mais de todos nós, principalmente daqueles que reivindicam a construção de um programa socialista revolucionário. Não tem atalho.

Dizer “eu te avisei” e dar as costas é também ignorar o ignorante, se assim for, ficamos no mesmo lago dos crocodilos. Nele, navegam os reformistas, os ultradireitistas e toda sorte de filisteu que consegue embarcar. A classe trabalhadora precisa se levantar com greves, paralisações, ocupações e dirigida por um partido revolucionário, é a única forma de avançar para uma vida que realmente valha a pena.

E para finalizar estas palavras, diria ao caro leitor: não adianta nada falar que avisou e cair fora para assistir a sessão da tarde, é preciso encarar o debate de forma organizada com toda classe trabalhadora e dizer a que veio.

 


REFERÊNCIA:

DOSTOIÉVSKI, Fiódor (1866). Um Jogador. Tradução de Boris Schnaidernan; Editora 34, 2011.

Notas

1 É verdade que existem fascistas organizados, mas não foram eles que elegeram Jair Bolsonaro, e se o moralismo continuar sendo a maior expressão de luta política (juntamente com muitos outros fatores), poderá, ai sim, se abrir uma possibilidade para que estes grupos possam ganhar expressão, para além da latrina que vivem.

Jean Menezes