Ler o Capital, de Karl Marx

Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; porém, o que importa é transformá-lo.

(Karl Marx, Marx sobre Feuerbach, 1945)

Caracterização inicial
Por que ler O Capital?

Tudo começa na atitude de humildade: a leitura simplesmente. Uma proposta de começar do começo; de estabelecer as bases. Tudo muito pensado. Um começo simples, mas de peso e de consciência. Uma atitude: saber diretamente, na fonte, o que o texto diz.

Consciência e honestidade de quem de cara adota e declara o ponto de vista dialético, revolucionário e de busca do entendimento do mais-valor nos processos do capital.

O porquê ler O Capital é uma primeira questão, uma caracterização inicial, a exigir outras.

O começo
Por onde começar?

Pela organização existencial do leitor. Distribuição de tempo e de espaços em planejamento largo e profundo, simultaneamente.

A primeira aproximação coloca a relevância de participar de um grupo de leitura. A leitura coletiva é um ganho. Mas a leitura individual tem a sua importância. As duas leituras – a individual e/ou a coletiva – requerem um planejamento e um empenho vital.

De todo modo a leitura sempre é social – a individualidade configura-se socialmente – não há como negar.

A troca de experiências entre leitores pesa. Muitas leituras, discussões e vivências contribuem, obviamente.

Começar é tomar uma iniciativa e organizar-se tendo em vista um conjunto de ações, segundo um objetivo.

Ponto de partida
Vale uma primeira aproximação – informativa e reflexiva: uma apresentação geral de O Capital, de Karl Marx.

Nesta apresentação, várias abordagens são cabíveis. Nela, certas escolhas prevalecem. Uma apresentação sempre será apenas uma apresentação; não a apresentação. No processo de leitura, o leitor vai descobrir o caráter introdutório e limitado da apresentação, na leitura feita e reiterada do texto.

O texto é a razão de ser da leitura, evidentemente.

Predecessores
Um dos aspectos a se levar em conta é o das figuras humanas relevantes na leitura e na compreensão do livro. Autores – figuras humanas de projeção histórica – importantes no inventário dos antecedentes filosóficos e intelectuais de O Capital, de Karl Marx.

Mas antes impõe-se falar de Karl Marx (Tréveris, Alemanha, 1818-Londres, 1883). Inseparavelmente, impõe-se falar de Friedrich Engels (Barmen, Alemanha, 1820-Londres, 1895). Histórica, social e biograficamente Marx e Engels andam de mãos dadas. Filosófica e politicamente, a existência de um implica na existência do outro. Instrumentistas da mesma orquestra.

Karl Kautsky (Praga, 1854-Amsterdã, 1938), Adam Smith (escocês, 1723-1790), David Ricardo (londrino, 1772-1823) e Hegel (1770-1831), entram na história como predecessores, parceiros na elaboração ou atuantes na sucessão editorial subsequente à vida de Karl Marx.

Repertório de figuras humanas, sociais e históricas – a leitura ganha densidade na mobilização – pelo nome deles – do antes, do durante e do depois da escrita.

Correntes culturais
Um segundo aspecto aborda as correntes culturais e de pensamento: a Filosofia alemã, a Economia Política inglesa e o Socialismo francês.

Nos três itens uma exigência básica é a de apontar para as condições materiais, sociais e históricas dos respectivos pontos.

A filosofia – a ideologia – alemã acontece em condições muito específicas de tempo e de lugar. Ela deita raízes no solo histórico e social em que se dá.

Do mesmo modo, acontece a Economia Política inglesa. Na Inglaterra, naquele momento, a dominância do capital configura-se classicamente. Ali, naquela hora, se estabelecia o centro do capitalismo.

E na França, a luta de classes chegava, historicamente, ao seu estágio mais agudo, trazendo consigo a perspectiva do socialismo. O socialismo nascia do embate entre as classes.

Assim o tripé se completa.

Estrito e lato senso
Um novo passo exige o levantamento de uma questão básica: quando se fala em O Capital, de que se fala? Ou seja, O Capital em estrito ou em lato senso.

Expresso em exatidão, precisão e rigor, no estrito senso, O Capital, abrange os três livros de respectivos subtítulos: “Livro I, o processo de produção do capital”; “Livro II, o processo de circulação do capital”; e, “Livro III, o processo global da produção capitalista”. 1

Em sentido amplo, os textos e títulos sempre assinados por Karl Marx – às vezes com a contribuição de Friedrich Engels – constituem O Capital. Obviamente, o sentido amplo inclui o estrito e vai além, quando se pensa na enumeração dos títulos constituintes da amplitude tematizada.

Cabe então, enumerar e descrever brevemente um conjunto de textos e títulos, com os anos de publicação inicial entre os parênteses: Grundrisse (1939); O CAPITAL, Volume I (1867), o Volume II (1885) e o Volume III (1894), as Teorias da Mais-Valia (1905) e o dito Capítulo Inédito (Capítulo VI de 1933). Não apenas o Livro I; não apenas os três livros habituais; mas, uma totalidade – O Capital, em lato senso.

Os textos afins
Um inventário breve, sem menções específicas, constata a existência de um rol de livros afins – os predecessores, os manuais, os resumos e/ou divulgação e edições condensadas. Cabe mencionar as traduções e os tradutores – as edições, os prefácios – e a fortuna crítica de O Capital, de Karl Marx, ou seja, a sua recepção ao longo do tempo.

Isto se completa na consideração da dialética, da totalidade e da ontologia como categorias fundamentais. E nas referências às leituras filológicas, cinematográficas, teatrais…

Em processo
Ao apontar os três pilares de O Capital, de Karl Marx – a filosofia alemã, a Economia Política inglesa e o socialismo francês – torna-se necessário ultrapassar a ingenuidade. Ingênua seria uma aproximação por contiguidade ao tripé apontado. Uma simples colocação deles lado a lado.

A ultrapassagem para a consciência crítica se dá pelo destaque da existência de uma abordagem dos nexos internos dos três pilares na construção teórica de Karl Marx. Isto é intrínseco ao rigor da composição. Ao longo da tessitura de O Capital, isto se verifica a cada passo. Para uma leitura viva e crítica, isto é inarredável, não pode ser afastado.

Mas ao se falar de nexos internos, outro aspecto é igualmente fundamental. Se as marcas dos nexos internos dos planos intelectuais, filosóficos, reiteram-se passo a passo, outras marcas refazem, momento a momento, os nexos internos, com a realidade. Por realidade, toma-se o momento histórico e social de produção e de reprodução da vida segundo os modos do capital.

As realidades materiais da vida e as realidade de pensamento em articulações internas ganham uma textualidade, em nexos, fundantes e fundamentais.

Por fim – desta apresentação – e por começo – da leitura
Tematizar uma atividade – ler O Capital, de Karl Marx – adotar uma epígrafe articuladora entre a teoria e a prática – caracterizando inicialmente por uma pergunta o tema em pauta, para discorrer sobre o por onde começar, o ponto de partida, os predecessores, as correntes culturais, constituintes da arquitetura da obra em estrito e em lato senso, sempre relacionado aos textos afins no desencadear do processo – da escrita à leitura – não isenta ninguém da necessidade de trazer para o centro do debate o caráter inteiramente introdutório desta argumentação; e, de convite ao projeto, ao plano de leitura, do objeto valioso posto em destaque.

De um modo ou de outro, a leitura de O Capital, de Karl Marx, preenche uma necessidade, atende muitas expectativas, tem o seu valor reconhecido e o seu lugar entre nós no tempo presente.

Entre a escrita de Karl Marx e a leitura, vive o leitor em singular e seminal processo de formação: ler iguala-se a viver lucidamente – consequentemente, em modo transformador.

E O Capital, de Karl Marx renova a sua vitalidade e a sua validade nas leituras contemporâneas.


Referências:

MARX, Karl. “Capítulo VI inédito de O capital, resultados do processo de produção imediata”. In: O Capital. Tradução Klaus Von Puchen. 2. ed. São Paulo: Centauro, 2004.

MARX, Karl. Grundrisse: manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. Supervisão editorial Mario Duayer, Nélio Shneider (colaboração Alice Helga Werner e Rudiger Hoffman) São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2011. (Marx-Engels)

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: Livro I: o processo de produção do capital. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013. (Marx-Engels)

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: Livro II: o processo de circulação do capital. Edição Friedrich Engels. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2014. (Marx-Engels)

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política: Livro III: o processo global da produção capitalista. Edição Friedrich Engels. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017. (Marx-Engels)

MARX, Karl. Teorias da mais-valia: história crítica do pensamento econômico: livro 4 de “O Capital. Volume I. tradução Reginaldo Sant´Anna. 2. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1987.

MARX, Karl. Teorias da mais-valia: história crítica do pensamento econômico: livro 4 de “O Capital. Volume II. Tradução Reginaldo Sant´Anna. São Paulo: DIFEL, 1980.

MARX, Karl. Teorias da mais-valia: história crítica do pensamento econômico: livro 4 de “O Capital. Volume III. Tradução Reginaldo Sant´Anna. São Paulo: DIFEL, 198

1 As referências bibliográficas, estritamente necessárias, articulam-se, de modo intrínseco, ao texto de que são fundamento, da primeira à última linha. Sempre em língua portuguesa, assegurando a acessibilidade, trazem o básico do universo em discussão.

Antonio Rodrigues Belon