O sistema bancário chinês e a guerra comercial de Trump

Ao aproximar economicamente os países e ao igualar o nível de seu desenvolvimento, o capitalismo atua com seus métodos… que boicotam continuamente o seu próprio trabalho, opondo um país e um ramo da produção a outro… Só a combinação dessas duas tendências fundamentais, centrípeta e centrífuga, nivelação e desigualdade, ambas, consequência da natureza do capitalismo, pode explicar o entrelaçamento vivo do processo histórico.

Leon Trotsky

 

Este texto, centrado no Sistema Financeiro Chinês, é a continuidade de um artigo anterior que discutia o sentido da guerra comercial, para além das aparências e discursos de Trump. O artigo enfatizava as dificuldades norte-americanas para levar adiante sua ofensiva. Este texto tem o sentido oposto: foca nas debilidades da China. Portanto, os dois textos se complementam e não podem ser lidos separadamente em suas conclusões fundamentais.

Neste segundo texto, em que pese o fato de estar focado no sistema financeiro, envolve outros elementos que explicam as particularidades “chinesas”. Referimo-nos às formas da dependência da China e às decisões políticas que a mantêm. Pois esta dependência, até agora, diferiu na forma da subordinação da China, comparada com a totalidade das semicolônias que se industrializaram no pós-guerra.

A forma permitiu, até o momento presente, uma margem de manobra superior, pois ela reflete o “vivo entrelaçamento do processo histórico” ao qual se refere Trotsky. A forma da dependência, sendo a resultante da luta entre as classes e frações de classe no interior do organismo econômico mundial, calibrou a medida em que a relação entre “nivelamento e desigualdade” expressou-se na dominação imperialista ao longo do século vinte e se expressa também agora.

As “abundantes formas transitórias de dependência estatal” à qual se referia Lenin, completa o critério desenvolvido por Trotsky para compreender o movimento das “duas tendências fundamentais, centrípeta e centrífuga, nivelação e desigualdade, ambas, consequência da natureza do capitalismo”.

Estas duas tendências podem ser sintetizadas em categorias, que tem a função de fixar o movimento dos países e sua localização na divisão mundial do trabalho em um determinado momento. No entanto, fixar não exime a compreensão do movimento, tanto no que se refere ao aumento da desigualdade como o nivelamento entre os países que caracteriza a época imperialista.

Este texto foi desenvolvido com este critério. As duas primeiras secções descrevem a estrutura do sistema financeiro da China, as fases da sua construção, que são inseparáveis da restauração capitalista e da configuração atual.

As seções seguintes buscam construir a relação do SFC com as leis de movimento do capital e suas características fundamentais. Estas em nossa opinião implicam na subordinação da China ao imperialismo como totalidade, em que pese as contradições deste processo. Assim o texto está centrando em compreender estas contradições.

* * *

A fases da construção do mercado financeiro
As fases da reforma do sistema bancário chinês correspondem à marcha da restauração. À medida que as relações sociais vinham se transformando desde 1978, a ditadura aplicava medidas para garantir a “liberdade” do capital.

Assim, as reformas do sistema bancário iniciadas em 1979 ganham um novo impulso com a entrada da China no Fundo Monetário Internacional e no Banco Mundial, a partir de 1980.

A produção material, antes voltadas para atender as necessidades básicas – e os privilégios da burocracia – deveria, a partir de então, expressar-se na forma de valor e de seu equivalente – o dinheiro. Na sua forma Capital, este deveria iniciar o curso da acumulação, onde o sistema de crédito é o seu sistema nervoso.

A vasta força de trabalho do país deveria produzir valor. O Estado controlou esse processo em distintas fases, conforme a necessidade da acumulação e do desenvolvimento de uma classe de capitalistas autóctone.

Mas, não sem antes tomar uma série de medidas preventivas que constituem as particularidades deste processo que seguem sendo objeto de debate sobre a natureza do sistema que vigora na China. A dinâmica de toda a política das reformas foi a retirada do Estado do caminho da acumulação de capital.

O primeiro estágio das reformas no Sistema Financeiro Chinês (SFC) inicia-se em 1979 com o desmembramento das funções e áreas de alocação dos recursos do orçamento do Estado exercidas pelo BPC (Banco do Povo da China) em entidades autônomas, até a sua transformação em bancos estatais específicos, conhecidos como os Big Four (Quatro Grandes) e a transformação do BPC em Banco Central (1984).

Assim, tem início a formação dos chamados grandes bancos comerciais:

1. O Banco Agrícola da China (ABC, pelas siglas em inglês) – Responsável por operações em áreas rurais. A constituição do ABC ocorre paralelamente à “descoletivização” das terras e à transformação dos produtos agrícolas em mercadorias. As comunas foram dissolvidas e foi adotado um sistema de responsabilidade familiar sobre a terra, com a venda dos produtos agrícolas diretamente no mercado, mas com um sistema de preços duplos, onde o preço mínimo das compras pelo Estado convivia com um preço de mercado.1

O ABC é o primeiro banco a se desgarrar do BPC. Foi encarregado de executar o Plano de Crédito para o campo e de centralizar as Cooperativas de crédito Rural e outras instituições de financiamento locais.

2. O Banco Comercial e Industrial da China (ICBC, em inglês) – responsável pelas transações comerciais até então controladas pelo BPC. Centrado na concessão de créditos de curto prazo para a indústria estatal. A ampliação do credito do ICBC correspondeu ao processo que levou ao fim do planejamento central”, o qual substitui o sistema de fornecimento de matérias primas e insumos pelo Estado, por crédito para que as empresas adquirissem esses bens no mercado.

3. O Banco da China (BOC) – que se concentra nas operações envolvendo moedas estrangeiras, atuando nas Zonas Econômicas Especiais (ZEE), onde se instalaram as multinacionais com o objetivo de produção para exportação.

4. O Banco da Construção da China (PCBC) – que passou a atuar, principalmente, em projetos de construção habitacional;

A atividade dos bancos estatais obedecia às diretrizes formuladas pelo Plano de Crédito, que se constituiu no regime de política monetária da China, oficialmente, até 1998. O Plano de Crédito estabelecia os objetivos a serem cumpridos por cada um dos quatro bancos estatais chineses ao longo do ano, sendo formulado em conjunto pelo Conselho de Estado, Ministério das Finanças e o BPC, cuja atuação era definida também a partir das resoluções do Plano de Crédito, cabendo-lhe a supervisão das atividades dos demais bancos no cumprimento das metas.

Assim, as empresas estatais deveriam, a partir de 1984, buscar financiamento para suas atividades nos bancos estatais, que centralizavam a oferta de crédito, definido pelo plano.

A segunda fase da reforma bancária (1984-1988) é a expressão do avanço da restauração e de suas consequências sobre a vida da maioria da população, que culmina com as mobilizações e a repressão na Praça Tiananmen.

O sistema de preços duplos vai se relaxando e aos poucos a fração não controlada pelo Estado é liberada, permitindo que esta fração fosse acumulada como valor, passando a vigorar para grande parte da produção das estatais em suas distintas esferas.

Mas, para levar adiante a produção e permitir a acumulação de capital, o Plano Nacional de Crédito é flexibilizado. O sistema libera a formação de Instituições Financeiras Não Bancários (NBFI – Non Banking Financial Institutions) na forma de cooperativas rurais de crédito, cooperativas urbanas de crédito, Companhias de Leasing, de seguros, e as Corporações de Investimento e Concessão de Crédito (TIC, em inglês, Trust and Investiment Corporations) e as Empresas de Gestão de Patrimônio.

As TICs estavam sob o controle do Conselho de Estado e a sua principal função era obter capital estrangeiro para os governos locais, sob a forma de investimento estrangeiro ou empréstimos e financiar empresas estrangeiras no país.

A restauração envolveu profundamente as burocracias regionais e provinciais, particularmente das zonas costeiras centradas nas ZEEs, criando uma burguesia vinculada ao suprimento das multinacionais, assim como a infraestrutura necessária para a produção e exportação. Isso se expressa no impulso às empresas controladas pelos governos provinciais (TVE, em inglês) que em 1978, empregavam 28 milhões de pessoas e respondiam por cerca de 5% do PIB; em 1996, empregavam 135 milhões e perfaziam 26 % do PIB. (M.H. Carvalho, 2013)

Dois aspectos importantes desta segunda fase merecem ser sublinhados. O avanço da liberação dos preços que resultou em um processo inflacionário e a ampliação do sistema de crédito.

A combinação de uma produção industrial subdesenvolvida que não consegue atender a demanda, com a liberação dos preços em todos os ramos da indústria, descontrolou o sistema de preços. Ao mesmo tempo em que o “Plano de crédito” concentrado no bancos do Estado, demonstrou-se insuficiente para atender as empresas do Estado e ao investimento capitalista. O resultado foi a explosão dos preços.

A liberação dos preços era a chave para a realização da mais-valia e para o florescimento da acumulação de capital e, assim, o desenvolvimento de um “setor privado”. Mas, o resultado inicial foi inflacionário: a restrição do crédito leva à busca do financiamento paralelo e, ante uma demanda alta de mercadorias, os preços explodem. Esse processo aguça a luta de classes e dá início a uma série de mobilizações que culminam com a explosão em Pequim.

À repressão brutal em Tiananmen segue-se uma reorganização do aparato central conhecido como o “Grande Compromisso”: um acordo entre as Forças Armadas, as burocracias regionais e a burocracia central do PCC. Sendo Deng Xiao Ping a figura central deste processo.

Particularmente nas regiões nas quais as ZEEs já se encontravam, onde o dinamismo da produção capitalista das multinacionais permitia a formação de uma burguesia chinesa com algum peso na realidade, situada nas províncias do sul. Assim, em 1992, Deng, aos 88 anos, empreende uma longa viagem às cidades de Guangzhou, Shenzhen, Zhuhai, Xangai, entre outras, reafirmando a necessidade de a China prosseguir pelo caminho das reformas e da abertura econômica.

Durante um breve lapso de tempo entre a insurreição de Tiananmen e a consolidação do “Grande Compromisso” selado no 3º Plenário do 14º Comitê Central do PCC, as medidas de liberação foram paralisadas. Mas, o Plenário do PCC em 1993 significou um salto adiante no processo de acumulação capitalista: a liberação gradual dos preços dos bens de consumo e o controle mais estrito dos preços dos bens de capital, baixando o seu preço e impulsionando o investimento.

Ao avanço da proliferação da propriedade privada, segue-se uma completa reestruturação do sistema bancário, construindo-se uma hierarquia entre bancos estatais nacionais de capital aberto; bancos regionais de capital aberto vinculados às províncias, e bancos privados nacionais, assim como a entrada de bancos internacionais.

Foi a partir de 1993 que as decisões do CC do PCC ganham a forma de leis: a reforma cambial, fiscal e a promulgação da Lei das Corporações (1994). Mas, não sem antes avançar sobre o sistema financeiro, sobretudo após a aprovação da Resolução sobre a Reforma do Sistema Financeiro, em dezembro de 1993, definindo um conjunto de metas para o setor financeiro chinês que incluíam desde mudanças no arcabouço jurídico até a divisão de tarefas entre instituições financeiras chinesas, e que serviriam de bússola para os próximos anos.

A entrada de capital na composição acionária dos Bancos Comerciais de maioria estatal é compensada pela criação dos Policy Banks, voltados ao financiamento de longo prazo para indústrias de exigem alto investimento (Bens de capital) e à absorção dos créditos inadimplentes das empresas estatais.

A criação dos Policy Banks, sob absoluto controle do Estado, preparava a transformação dos “Quatro Grandes” em bancos comerciais e sua abertura de capital na bolsa de valores, assim como as normas de concorrência bancária se aproximariam dos critérios internacionais, supervisionados pelos organismos de controle do imperialismo.

Ao mesmo tempo em que o sistema bancário estatal se abria para o investimento do capital privado, a nova lei de corporações definia os critérios para a formação de bancos privados e a entrada doa bancos internacionais.

Em fevereiro de 1996, a Corporação Bancária China Minsheng (CMBC, pela sigla em inglês), a primeira instituição bancária com alguma importância fora dos bancos estatais, é constituída pela Federação da Indústria e Comércio da China, sendo cerca de 85% do seu capital detido por empresas privadas. Em novembro de 2000, a CMBC abre o seu capital na Bolsa de Valores de Shanghai. (Dias, 2004)

O final da década de 90 finaliza o arcabouço do processo de acumulação de capital e as formas em que o monopólio do dinheiro seria exercido2, com o fim do Plano de Crédito e a abertura do capital dos bancos estatais nas bolsas, em paralelo ao processo de privatização. Antes de analisar esse processo daremos uma visão geral da estrutura do Sistema Financeiro Chinês e suas características específicas.

A estrutura geral do Sistema Financeiro Chinês
Os grandes Bancos Comerciais Estatais (SOCB em inglês) cuja maioria das ações e gestão pertencem ao Estado, controlam a maioria dos ativos bancários. Os SOCBs incluem:

1. Banco Industrial e Comercial da China (ICBC);

2. Banco Agrícola da China (ABC);

3. Banco da China (BOC),

4. Banco de Construção da China (CCB)

Alguns autores incluem o Banco de Comunicações (BOCOM) que, apesar de o Estado não ter a maioria das ações (26,52%), está entre os principais bancos. Assim, os “Cinco Grandes” ou os quatro, estão no topo da hierarquia. Os quadros na página 23 do apêndice oferecem uma ideia da arquitetura do SFC.

E a Tabela I (p.24) mostra o controle das ações do Estado chinês sobre estes bancos. Nos “Quatro Grandes” o Estado detém uma sólida maioria acionária, e o quinto banco em importância, o Banco de Comunicações onde o Capital tem a maioria das ações e o Estado tem participação minoritária.3

Em seguida, encontram-se os bancos constituídos como Sociedades Anônimas, com participação estatal, mas com gestão compartida com o capital privado (Bancos Comerciais de Capital Misto JSCB) que se dividem em uma escala de controle e associações entre empresas chinesas, províncias e capital internacional. Entre os principais está o Banco Industrial CITIC, o Banco Everbright da China, o Banco Huaxia, o Banco de Desenvolvimento de Guangdong, o Banco de Desenvolvimento de Shenzhen, o Banco de Comerciantes da China, o Banco de Desenvolvimento de Shanghai Pudong, o Banco Industrial China, o Banco Evergrowing, o Banco China Zheshang e o Banco China Bohai.

A estrutura geral do SFC pode ser resumida a partir da escala de hierarquia dos bancos. No topo estão os bancos comerciais estatais (SOCB) que controlam 37,3% dos ativos; seguidos pelos bancos constituídos como S.A. (JSCB), com a participação das distintas formas de representação do Estado, com 18,7% dos ativos; em seguida vêm as instituições de crédito rural, os bancos comerciais vinculados às cidades (City Banks) com 12,9%. No total, cerca de 70% do mercado de crédito encontra-se em mãos estatais, em que pese o movimento acentuado de constituição de bancos privados.4

O quadro completa-se com os Policy Banks: Banco de Desenvolvimento da China (CDB); Banco de Exportação-Importação da China (EXIM); Banco de Desenvolvimento Agrícola da China (ADBC).5

Poderíamos sintetizar os principais movimentos do SFC até 2013 da seguinte forma.

a. Crescimento de 245% do total de ativos entre 2003-2010 (CRBC 2010). E, se ampliarmos o período, é possível identificar o colossal desenvolvimento do capital portador de juros. Ele desenvolve-se com a produção de valor na “fábrica do mundo” nas suas distintas formas – crédito, títulos e bônus das empresas, ações, títulos da dívida pública, seguros, derivativos etc.

b. O grande crescimento da banca privada. A taxa de crescimento dos bancos constituídos como Sociedade Anônima (os JSCB) tem um crescimento de 403% dos ativos no mesmo período, quase o dobro da taxa de crescimento do total de ativos (245%). Isto é, a fração do montante do dinheiro que circula como capital nas instituições bancárias de sociedades anônimas, cujo objetivo é sua própria valorização, desenvolve-se em uma velocidade superior. A tabela II (p.21) expressa a divisão do controle acionário nos principais JSCBs. (F.C.Brandão, p.12)

c. Esse desenvolvimento desigual entre a Banca Estatal e a Banca privada ocorre em paralelo ao fortalecimento da propriedade privada dos meios de produção. A centralização do capital na banca privada é somente a expressão da centralização da propriedade dos meios de produção, que corresponde a 50% do PIB chinês6, em que pese a existência de 150 mil empresas estatais.7

d. A proeminência dos bancos dentro do sistema creditício sobre todas as outras instituições e formas de acumulação do capital portador de juros.

e. E, por fim, mas não menos importante, o controle do Estado, que está presente com maioria das ações no topo da hierarquia, e de forma minoritária (e as vezes majoritário) nos diferentes níveis da estrutura do SFC.

Passamos agora a discutir as características do SFC, seu papel na centralização do capital durante o processo de restauração, a capacidade de mobilização do capital fixo e formação do capital fictício.

A centralização do capital
No começo da década de 1990, cerca de dois terços dos empréstimos feitos na China atendiam às diretivas do Plano de Crédito. Este é abolido em 1998, passando as empresas estatais e os bancos a financiar-se em base ao seu próprio faturamento.

Em paralelo às reformas bancárias e a liberação dos preços, tem início a gigantesca onda de privatizações das estatais: de 300.000 empresas em 1995 para menos de 150.000 em 2005. De acordo com essa mudança, a parcela do emprego total em empresas controladas pelo Estado caiu de 62% em 1998 para 38% em 2003. No mesmo período, o emprego nas empresas industriais controladas pelo Estado caiu 40%.8

Os distintos ramos de produção de mercadorias têm os seus preços liberados de forma gradual. Até 2003, praticamente 100% dos preços das mercadorias da agroindústria e as mercadorias da indústria da transformação, voltadas ao consumo individual estão liberados. Enquanto a liberação dos preços dos bens de capital – mercadorias circulam entre as industrias – anda em uma velocidade menor.

Ao mesmo tempo em que os preços são liberados, as empresas estatais são privatizadas. O capital nas suas distintas formas ganha o caminho e o impulso para a acumulação. Neste processo os Bancos se fortalecem em paralelo a privatização das empresas estatais e assim como a posse das empresas estatais privatizadas se dispersa entre o capital, as províncias e cidades e o Estado Central, o mesmo ocorre com os bancos.

A criação dos Bancos “Municipais” (City Banks) ganha um impulso extraordinário: seus ativos saltam de 14,622 bilhões de RMB9 em 2003 para 282,378 bilhões em 2016 (CRBC, 2016). A mudança no caráter da propriedade expressa o desenvolvimento da acumulação, assim como o desenvolvimento do sistema de crédito.

O gráfico abaixo que demonstra a participação das empresas privadas na indústria oferece-nos uma ideia do amplo processo de privatização e acumulação capitalista na China até 2008. Contudo, ele nada diz sobre a centralização do capital.


M.H. Carvalho. p.87

As privatizações foram executado obedecendo o seguinte critério: o Estado central entrega as pequenas e médias empresas (TVEs) para os burocratas candidatos a burgueses nas províncias e cidades, e mantém as grandes empresas nas mãos do Estado central, abrindo o seu capital nas bolsas.

Boa parte das empresas médias e pequenas foram “vendidas” para os próprios funcionários e gestores, ou transformadas em sociedades por ações, em um processo conduzido pelos governos locais, detentores de grande parte dessas empresas menores. Após pulverizar a propriedade dividindo suas ações entre os trabalhadores das empresas, estas são vendidas (centralizadas) aos novos proprietários capitalistas. Um sistema de expropriações.

Assim o processo de acumulação do capital, ao mesmo tempo em que se horizontaliza a partir das pequenas e médias empresas controladas pelas municipalidades e centralizadas pelos bancos regionais e Bancos Municipais, também se verticaliza, em torno das grandes empresas estatais e dos grandes Bancos Comerciais sob o controle do aparato central do Estado.

Até 2008, embora sendo maioria entre o número de empresas (58%), o capital controla 18% dos ativos da indústria, enquanto o setor estatal (5% das empresas) detém 44% dos ativos, como demonstra o gráfico abaixo.(M.H. Carvalho)



As grandes empresas estatais que permaneceram em mãos do Estado central passam a cotizar em bolsa nos termos da Lei das Corporações. Estas são as grandes empresas do setor bélico, de exploração e refino de petróleo, metalurgia, eletricidade e telecomunicações, que são setores intensivos em capital e com economia de escala.

Dinheiro e Capital
Na origem do sistema capitalista o dinheiro não poderia ser convertido em capital se uma força de trabalho “livre” não existisse previamente, como nos explica Marx. Contudo, não é o dinheiro que engendra essa relação, mas, ao contrário, é “a existência dessa relação que pode transformar uma simples função do dinheiro numa função do capital”.10

Com a expropriação da burguesia, as máquinas e a terra eram “coisas” utilizadas para a reprodução social, e o salário uma mera expressão da forma que o produto social era distribuído em um determinado desenvolvimento das forças produtivas. A reprodução e produção social da vida e dos meios de subsistência, em uma dada tecnologia dos meios de produção, tinham a função de manter e reproduzir a sociedade, e obviamente garantir os privilégios da burocracia. Com a restauração capitalista, a força de trabalho e os meios de produção cumprem outro papel, gerar um valor adicional na forma de lucro.

O que Marx nos diz sobre a existência do capital portador de juros antes do capitalismo nos serve para entender o fenômeno que discutimos:

O que distingue o capital que rende juros – à medida que ele é um elemento essencial do modo de produção capitalista – do capital usurário não é de modo algum a natureza ou o caráter desse próprio capital. São simplesmente as condições alteradas sob as quais ele opera.11

A particularidade do processo de restauração é a forma como o poder social do dinheiro passa a ser centralizado na China. O capitalismo exige que este esteja concentrado em algumas mãos, ainda mais quando determinados ramos exigem investimentos em grande escala. Por isso, a “concentração do poder monetário é uma condição distributiva que é tanto necessária quanto perpetuamente reproduzida pelo capitalismo.”12

Para que o dinheiro funcionasse como capital, a concentração e a centralização monetárias foram construídas paralelamente às privatizações e ao investimento “privado” em novas empresas, tendo os bancos como eixo ordenador deste processo.

Mas esta definição, embora capte o essencial do processo, ficaria incompleta se não observasse sua característica particular, a participação direta do Estado nesta centralização.

O SFC coloca não somente o Estado como a garantia de última instância da moeda e controlador da quantidade de dinheiro nos bancos para que estes realizem a criação do crédito, um papel desempenhado pelos bancos centrais na maioria dos países capitalistas. Vai muito além disso.

O papel diretamente desempenhado pelo Estado na criação da moeda creditícia, através dos bancos estatais, faz com que a massa monetária que funciona como capital – seja como portadora de juros ou como capital para produzir mais valia – exista ao lado e no interior dos bancos estatais.

A tendência dos “quatro grandes” seria o caminho do BOCOM (Banco das Comunicações), onde a participação estatal é somente de 28% e o capital tem a maioria das ações. O mais importante aqui é o fato de que o controle da moeda creditícia pelo Estado atua diretamente na concorrência, ao selecionar as empresas que podem ir à bancarrota.13

Esta característica do SFC – a centralização nas mãos do Estado da criação do dinheiro creditício – permite a manutenção de uma taxa de investimento superior à média dos outros países capitalistas.

O sistema de crédito e a mobilização do capital fixo
Entre 1980 e 2014, segundo a Secretaria Nacional de Estatísticas da China, o PIB apresentou uma taxa média de crescimento de 9,5%14. No ano de 2007, antessala da crise capitalista mundial, o PIB alcança seu ponto máximo, 14,2%. Em seguida, ocorre a crise na economia mundial e o processo de desvalorização do capital. A queda de 30% nas exportações já em 2008 atinge um dos pilares do “modelo” capitalista chinês projetando uma perda de vinte a trinta milhões de postos de trabalho.

A partir de então, a máquina de crédito controlada pelo Estado entra em ação como medida anticíclica. Assim, o ritmo de destruição e queima de capital na China foi diferente das outras economias capitalistas.

Os trilhões de dólares e euros liberados pelos bancos centrais nos EUA e Europa foram utilizados pelos bancos e empresas para limpar os seus ativos podres e para a recompra de ações para valorizar artificialmente cada capital a escala individual. Pois é assim que funcionam as regras da concorrência, ou o valor de mercado destas empresas cairia abaixo do solo facilitando sua incorporação pelas empresas com liquidez superior.

No entanto, o crédito liberado pelo SFC foi incorporado de forma avassaladora na formação de capital fixo. A mobilização em grande escala do capital fixo alcançou uma taxa de investimento de 45% do PIB. A recessão mundial caminhou em duas velocidades.

A descrição que faz Harvey deste processo é mais importante que os adjetivos que possamos utilizar para qualificá-lo:

Um quarto do PIB veio somente da produção de moradias e outro quarto ou mais veio de investimento em infraestrutura, rodovias, sistema hídricos, redes ferroviárias, aeroportos etc. Cidades inteiras foram construídas (muitas são cidades fantasmas…) … Em 2007 não havia um quilômetro de ferrovias de alta velocidade, em 2015 são vinte mil quilômetros [o que coloca a China como o país com a maior malha ferroviária de alta velocidade do mundo] … Entre 1900 e 1999, os Estados Unidos consumiram 4,5 milhões de toneladas de cimento. Entre 2011 e 2013, a China consumiu 6,5 milhões de toneladas de cimento. Em dois anos os chineses consumiram mais cimento que os EUA em todo um século… Não foi apenas cimento que foi utilizado. Houve também um enorme aumento na produção e no uso de aço. Nos últimos anos, mais da metade da produção e do consumo mundial de aço ocorreram na China. É preciso muito minério de ferro para fabricar essa quantidade de aço. Ele vem de regiões tão distantes como o Brasil e a Austrália. Outros materiais, como cobre, areia e minerais de todo tipo, foram consumidos em taxas completamente inauditas. Nos últimos anos, a China consumiu pelo menos metade (e, em alguns casos, 60% ou 70%) dos principais recursos minerais do mundo… 15

Este impressionante – para dizer o mínimo – processo de formação de capital fixo, impulsionado pelo crédito, permitiu minorar a destruição de postos de trabalho… contudo ele não foge das leis da acumulação do capital.

Como assinala Marx, a formação do capital tem uma contrapartida futura, sua rentabilidade não se expressa na criação de valor no momento do investimento, sua rentabilidade está vinculada à antecipação do trabalho futuro:

O capital fixo compromete a produção dos anos seguintes [e] também antecipa o trabalho futuro como valor equivalente. A antecipação dos frutos futuros do trabalho não é […] nenhuma invenção do sistema de crédito. Ela tem sua raiz no modo específico de valorização e rotação, de reprodução do capital fixo.16

Em outras palavras, a criação de dinheiro pelo sistema de crédito opera como uma forma de “capital fictício” – um fluxo de capital monetário não apoiado por qualquer transação de mercadorias. A expectativa, evidentemente, é que o emprego expandido na construção de ferrovias aumente a demanda por “sapatos” de modo a eliminar os estoques excedentes e fazer a capacidade produtiva ociosa voltar a trabalhar. Nesse caso, o capital fictício adiantado é subsequentemente realizado na forma de valor real. (Harvey, 2013)

Se, ao desatar a crise, o efeito da perda líquida de empregos na China limitou-se a três milhões, segundo as estatísticas oficiais, as leis da acumulação imperam e a tendência geral não foi a manutenção de uma taxa de crescimento anterior à crise. Ela desacelerou e chegou a 6% em 2018.

A operação de transformar uma imensa massa de dinheiro em capital fixo pressupõe que o trabalho corporificado na forma de máquinas, edifícios, cidades, trens de alta velocidade, incorpore uma massa de trabalhadores nos ramos que utilizarão essa infraestrutura. Em síntese, deve-se gerar um valor nas empresas de “sapatos”, aumentando a utilização da capacidade instalada destas fábricas e incorporando força de trabalho adicional. Um valor novo deve ser criado pelo capital em paralelo ao investimento pelo Estado.17

Ainda que a origem do dinheiro mobilizado como moeda creditícia tenha sua parte fundamental no Estado, se o capital social global, ou a fração do capital que se acumula dentro dos bancos estatais e fora dele, não for acrescentado, não há um crescimento sustentado da economia capitalista. E isso somente pode ocorrer se esse capital encontra rentabilidade.

Com uma capacidade ociosa de 50% em ramos fundamentais18, isso somente revela que o superinvestimento não foi acompanhado pela subsequente produção de valor para amortizar tamanha mobilização de capital fixo.

Desta forma, o valor que deveria ser criado com a incorporação de uma nova força de trabalho e anular a dívida não apareceu. Assim, a dívida quadruplicou entre 2007 e 2015. Em 2016, a dívida já era de 250% do PIB. Neste ano o país precisou de três vezes mais créditos para gerar o mesmo crescimento de 2008. (Brenner,2019)

À raiz deste fato, até o final de 2018, a desaceleração do crescimento do PIB (gráfico p.26) acompanha a diminuição do ritmo de crescimento do dinheiro creditício, ao mesmo tempo em que a dívida total alcançou 328% do PIB.

O dinheiro creditício, assim como todos os instrumentos financeiros de valorização do capital portador de juros, têm uma característica comum: eles dependem do resgate. Em outras palavras, é dinheiro com um prazo de validade determinado, à medida que é antecipação do trabalho futuro. Em algum momento deve ser confrontado com o valor equivalente ao qual está vinculado.

O Capital fictício
Nos períodos em que a curva descendente da taxa de lucro predomina, a criação de “valores fictícios” antes da produção e realização da mercadoria assume proporções gigantescas. Em que pese o aprofundamento do parasitismo, este processo cumpre uma importante função dentro do sistema ao permitir que a massa de lucros dos grandes monopólios que não encontra rentabilidade suficiente para ser transformada em investimento produtivo encontre um canal de valorização.

Assim, acaba também funcionando como um fator que compensa a queda da taxa de lucro ao diminuir o incremento do capital fixo. Também, centraliza o capital “potencial” para um novo ciclo de investimento quando assim o permita a recuperação das taxas de lucros ou sejam criados novos ramos industriais para a produção de valor. Ao mesmo tempo em que também é um fator de crise.

Os chamados mercados de capitais, controlados por um punhado de bancos dos países imperialistas, alcançaram um crescimento exponencial:

à raiz do aumento do comércio mundial, [que] tanto incrementou a circulação mundial de valores quanto a da especulação e do capital fictício que acompanha esse fenômeno. O incremento do capital fictício é parte deste processo, os derivativos assim como nas novas formas do capital financeiro, como os fundos de investimentos, os papéis e os ‘serviços financeiros’ que acompanham a produção do valor, atinge o seu limite quando a taxa de lucro começa a descender e a distância entre os valores e os preços dos títulos vão atingindo degraus acima à medida que menos capital é incorporado à produção de mais valia.” (Harvey, 2018)

Este circuito monetário que movimenta trilhões de dólares na forma de papéis – mercado de dívidas, ações, câmbio, bônus corporativos, derivativos, fundos de curto prazo etc. -, que em princípio deveriam gerar dividendos próximos à taxa de juros, distancia-se completamente desta referência e dos valores que deveriam expressar (seja de mercadorias ou de capitais). Nesta região onde reina a especulação é justamente onde a marca do capital fictício é mais profunda.

Estes fenômenos são analisados por Chesnais em seu último trabalho onde o autor analisa a profunda contradição entre a queda das taxas de lucros das empresas e o aumento da acumulação do capital portador de juros, a qual se aprofunda com o período aberto em 2007.19

Da ampla análise sobre o sistema financeiro e o lugar dos grandes bancos “universais”, destacamos as “novas instituições” do capital financeiro. Segundo o autor, o sistema bancário norte-americano se apoiava em três pilares: os bancos comerciais – que centralizam os depósitos e os créditos de curto prazo; as companhias de seguro; e os bancos de investimento. Os bancos comerciais que centralizavam a criação de dinheiro creditício foram deslocados como os principais intermediários no mercado de capitais. A explicação deste fato é o aparecimento de novas instituições de intermediação de crédito, os fundos de investimento em suas distintas formas.

Estas novas instituições estariam fora das regras e controle aos quais o sistema bancário é submetido, e podem construir um castelo de “alavancagem” que poderia chegar ao infinito, mais conhecido como Shadow Banking (Banco nas Sombras).

A concorrência conduziu ao afrouxamento das regras de controle dos bancos para que estes se adaptassem ao novo cenário. Tudo isso, aliado às baixas taxas de juros, engendrou a criação de um variado cardápio de novos instrumentos de valorização na esfera financeira, os famosos subprimes, a ponta de um iceberg muito mais profundo, que abriu novas possibilidades de valorização do dinheiro.20

Comparado com o sistema financeiro dos países imperialistas, o mercado de capital fictício na China pode ser considerado raquítico. Se o compararmos à magnitude da criação de valor nas fronteiras da China, há um campo relativamente aberto para o seu desenvolvimento.

Por isso, as leis da acumulação vão se impondo. Embora altamente regulado e centralizado, um sistema de crédito e especulação (Shadow Banking) foi se desenvolvendo paralelamente e no interior dos Grandes Bancos Comerciais e dos JSCB’s para acumulação de dinheiro que não exige a sua passagem pelo “purgatório do capital fixo”.

Depois do ciclo de crédito que levou à onda de superinvestimentos em 2007, a dívida das empresas, centrada nas estatais, segundo a OCDE (dívida corporativa) subiu de menos de 100% do PIB no final de 2008 para 170% no início de 2016. Segundo o informe, o aumento da alavancagem das empresas estatais é o centro da dívida.21

Assim, o nível de investimento deveria sofrer alguma diminuição e abrir ao capital outros caminhos para sua autovalorização.

Embora o crédito bancário siga sendo o principal instrumento de financiamento das empresas, particularmente das grandes empresas estatais, houve um crescimento exponencial do mercado de ações e de títulos na China e das “empresas de gestão de patrimônio”. Mas, após a crise da Bolsa de Shangai (2015) várias medidas de regulamentação foram tomadas22.

A proeminência do crédito bancário é facilitada pela alta liquidez dos bancos ou, na linguagem dos economistas, pelo chamado “excesso de poupança”. O gráfico da OCDE (p.25) demonstra que o montante dos depósitos bancários chega a 50% do PIB; no entanto, o que mais chama atenção é o fato de que 20% destes representam dinheiro entesourado das empresas (30% pertencem a famílias).

Isso explica o fato de que os quatro maiores bancos do mundo sejam chineses, não em rentabilidade, mas em ativos: o ICBC acumulou em 2018 mais de US$4 trilhões em ativos, sendo o maior banco do mundo23. Expressa também os limites da valorização na esfera financeira.

Esta montanha de dinheiro funciona como capital portador de juros centralmente a partir do credito bancário. Mas, o excesso de capacidade produtiva não permite gerar valor novo no montante necessário sequer para saldar dívidas passadas.

Assim, o capital encontrou no “banco paralelo” (Shadow banking) uma via para seguir valorizando-se. As empresas privadas domésticas, impossibilitadas de mandar seus lucros para valorizar-se no exterior buscaram o caminho do D-D’ interno para escapar da superprodução, enquanto as estatais podem seguir o caminho da dívida sobre dívida.

A recomendação para ampliar os instrumentos do capital portador de juros veio do próprio FMI em seu relatório sobre o SFC:

O subdesenvolvimento dos mercados de capitais limita as alternativas de financiamento corporativo e investimentos domésticos, e representa um impedimento para a solução de problemas estruturais no setor financeiro: baixas taxas de retorno sobre a poupança; alta poupança preventiva através dos bancos; alta poupança de empresas privadas sem acesso a mercados de capitais; contínuo domínio dos bancos do sistema financeiro; e potenciais bolhas de ativos.24

A categoria de “subdesenvolvimento dos mercados de capitais” deve ser vista como uma verdade relativa. Comparado com os Estados Unidos, é um fato. Levando-se em consideração que China é o segundo PIB mundial, se compararmos o mercado de capitais chineses (ações e Bônus) com a Alemanha, este “mercado” não seria tão raquítico. A nota do FMI deve ser vista sob outra ótica: quem controla o mercado de capitais na China?

As empresas de “gestão de patrimônio” empregam o dinheiro entesourado dos capitalistas nos bancos estatais ou fora dele, e investem, seja no mercado de ações, seja como crédito, com juros mais altos, para as empresas não estatais com dificuldade de acesso ao crédito bancário.

Segundo o BIS25 (banco central dos bancos centrais) o Shadow banking chinês guarda uma diferença com o processo especulativo norte-americano, à medida que está menos vinculado a instrumentos como securitização de créditos. Assim, o Shadow banking chinês foi o caminho dos bancos privados (JSCB) para escapar dos critérios e normas da Comissão Reguladora, que impõe altas taxas de provisões para a inadimplência. Disfarçando em seus balanços como “investimentos a receber”, o Shadow banking chinês, segundo o BIS, é uma extensão desregulamentada do próprio sistema bancário chinês.

Tanto os bancos quanto as empresas passam a canalizar uma montanha de dinheiro que é capital latente ou em potência para os fundos de “gestão de ativos” ou de “patrimônio”, impulsionando o mercado de capitais.26

Assim, na esteira da desaceleração da acumulação do capital produtor de mais-valia, os chamados “ativos bancários sombra” cresceram a uma taxa de 40% ao ano entre 2011-2016, e em 2017 alcança a marca de 70% do PIB27. Apesar de representar somente 15,2% do total do crédito, o fator mais importante é sua taxa de crescimento.28

Contudo, em abril de 2016, a Comissão Reguladora e Bancária da China (CBRC) emitiu o “Documento 82”, que “esboçou mudanças regulatórias na ponderação de risco e provisionamento de alguns dos derivativos mantidos pelos bancos como recebíveis de investimento”. Depois desta normativa, o sistema paralelo sofre uma desaceleração importante e a fúria do sistema bancário internacional.

Como afirma o BIS, em que pese uma presença insignificante do capital internacional no Shadow chinês, ele seria um dos meios de entrada da banca imperialista no mercado de capitais. Isso explica a fúria do editor do Economist (21/02/2019)

desde que Xi assumiu o poder em 2013, a China de certa forma retrocedeu. Duas décadas atrás, era possível, até sensato, imaginar que a China gradualmente liberaria mercados e empreendedores para desempenhar um papel maior. Em vez disso, desde 2013, o Estado aumentou sua aderência. A participação das empresas estatais nos novos empréstimos bancários subiu de 30% para 70%. O exuberante setor privado foi sufocado; sua participação na produção estagnou e as empresas precisam estabelecer células partidárias que, por sua vez, podem ter voz ativa em decisões vitais de contratação e investimento. Os reguladores intrometem-se no mercado de ações, a análise crítica é suprimida e, desde uma desvalorização cambial em 2015, os fluxos de capital são rigidamente policiados. (grifo nosso)

A origem da liquidez do SFC
Há um quarto elemento que envolve o SFC, convertendo-o em uma nota dissonante entre os seus pares, isto é, entre a maioria dos países dependentes do capital internacional que se industrializaram como parte do deslocamento dos investimentos no pós-guerra e, no caso da China, no ápice da ordem liberal controlada pelo imperialismo norte-americano.

A essência do problema está no fato de que para a ordem vigente à livre circulação de mercadorias deve acompanhar à livre circulação do capital, isto é, este não pode ser “rigidamente policiado”…

A combinação do superávit da balança comercial, via exportações, com a entrada no país de um grande volume de Investimento Estrangeiro Direto (IED) permitiu a manutenção do superávit da conta capital (um saldo positivo da entrada de divisas no país) que, provavelmente, foi uma exceção, pelo menos depois do chamado “Consenso de Washington”.

As semicolônias, regra geral, exibem saldos da balança comercial por longos períodos, ao mesmo tempo em que padecem de um déficit na conta capital (saída de divisas) que deixa sem efeito o superávit das exportações.

Este déficit, que corresponde à saída líquida de valor, sempre foi “preenchido” com o endividamento externo, aumentando assim a subordinação destes países.

Igualmente, a China ostenta um monumental saldo na balança comercial ao longo das últimas décadas. Este saldo é o lastro da grande liquidez do SFC, que pode ser dito também com outras palavras: essa liquidez está lastreada na impiedosa exploração da classe operária chinesa (a mais-valia das exportações) que se expressa na reserva de dólares.

O saldo da balança comercial combina-se com uma grande reserva de Investimento Estrangeiro Direto. Dólares que entram no país e aumentam as reservas controladas pelo BPC. Ambas reservas criaram as condições primárias para que estes dólares se convertam em Renminbi centralizados por um sistema bancário controlado pelo Estado que transforma isso em crédito e permite uma alta taxa de investimento. Esse dinheiro de “alta potência” expressa o valor produzido pela classe operária em condições de semiescravidão. O grande segredo do “milagre chinês”.

Se a trajetória do saldo comercial chinês foi similar ao de seus pares, o da Conta Capital foi um “ponto fora da curva”. A dependência se expressará de forma distinta: escapou do endividamento externo líquido, ou seja, empréstimos por bancos e organismos do imperialismo (FMI e Banco Mundial) para levar adiante os investimentos na industrialização. No entanto é profundamente dependente do crescimento constante das exportações do mercado mundial controlado pelo imperialismo e do IED, pelo local que ocupa na cadeia global de valor.

Contudo, o superávit da conta capital não é um processo automático. Ele depende das regras pelas quais o dinheiro entra e, principalmente, sai do país. Sem as normas que impedem a saída de divisas, e as quotas de entrada segundo o tipo de investimento, os dois fatores anteriores (saldo da balança comercial e IED) não funcionariam, e a reserva em dólares que impulsionou a liquidez dos bancos se esfumaria em meses ou semanas.

A não existência da livre saída de divisas do país implica em que parte da mais-valia produzida pelo grande capital chinês não pode se valorizar no exterior (a não ser de forma “ilegal”). Isso fez com que a China, até agora, não conhecesse a trajetória da chamada “vulnerabilidade externa” de sua moeda, pelas medidas coercitivas sobre o capital: “Em um mundo onde a taxa de juros sobre os títulos do Tesouro dos EUA, os ativos mais seguros do mundo, subiu para mais de 4%, enquanto os depósitos bancários chineses e os títulos do governo oferecem um retorno de apenas 3,5%, a tentação de retirar dinheiro da China seria irresistível.” (Brenner, 2019).

Outra consequência importante deste controle é o fato de privar os grandes bancos de investimentos globais de especular com a massa de dinheiro proveniente dos lucros das grandes empresas chinesas. Para termos uma ideia, o lucro da Huawei em 2018 foi superior ao lucro da Vale e da Petrobras29 juntas, mas o controle de capitais impede a sua valorização como capital fictício fora das fronteiras chinesas.

Nas condições atuais de superprodução em alguns ramos, o capital fluiria para onde a taxa de acumulação fosse maior. Com uma taxa de rentabilidade menor no interior da China, ele somente pode manter-se aí com um aumento dos controles. Por isso, Xi incrementou todas os obstáculos à fuga de capitais quando o ciclo de investimentos de 2008 se converte em superprodução a partir de 201330 e controlou a entrada dos bancos internacionais no capital especulativo.

A presença dos bancos imperialistas no Sistema Financeiro Chinês
Este texto poderia ser resumido em dois parágrafos, talvez uma má notícia para os leitores que aguentaram chegar até aqui. A síntese se resume em: a presença do capital financeiro imperialista no sistema bancário chinês resume-se a 1% dos ativos. Mais um detalhe: este sistema bancário, o maior do mundo, concentra uma montanha de US$33 trilhões.

E a propriedade de estrangeiros no mercado de ações chinês, o segundo maior do mundo, é de menos que 3%. No mercado de títulos corporativos, o terceiro maior, o capital financeiro internacional participa com menos de 3%31. Toda ofensiva atual do imperialismo e de seus meios de comunicação e as milhares de páginas escritas sobre a China podem ser resumidos nestes três fatores.

A tão propalada “fábrica do mundo” concentra um grande mercado financeiro, até agora controlado pelo Estado. Esse fator diferencial conduziu até agora a um comportamento distinto destas instituições durante as inevitáveis crises periódicas de desvalorização do capital.

As duas grandes crises do sistema bancário chinês, (1999/2000 e 2005) foram resolvidas da mesma forma com a qual o FED norte-americano e o Banco Central Europeu resolveram suas “crises bancárias”: injetando trilhões de dólares e euros. O governo chinês não fugiu à regra: transferiu um total de US$ 566 bilhões32, uma soma nada desprezível, mas inferior à que os Estados Unidos e UE injetaram em seus bancos.

Mas, com uma diferença substancial: enquanto a falência do Lehman Brothers foi todo um símbolo da crise, desatando uma onda de compras pelos bancos com maior poder financeiro dos que não suportaram o solavanco, nenhum grande banco na china foi à bancarrota, embora a maioria estivesse quebrada.

Os capitalistas não combatem os subsídios estatais, quando os recebem, mas sim quando estes afetam a concorrência e impedem a centralização dos capitais. Se não existisse as barreiras para entrada aos bancos imperialistas no SFC, os “big four” poderiam ser comprados a preço de arroz.

Esta proteção ao monopólio do dinheiro, combinado com o controle de sua distribuição e seleção das empresas a que se destina, abriu o espaço para o fortalecimento de grandes empresas que passaram a concorrer diretamente com os oligopólios imperialistas de telecomunicações e informática.33

Embora o dito anteriormente não modifique a localização da China na divisão mundial do trabalho, este núcleo seletivo de empresas iniciou uma concorrência com os oligopólios imperialistas.

A ofensiva de Trump não é obra exclusiva da extrema-direita norte-americana. Em 2012, o Congresso dos Estados Unidos encomenda a Michael F. Martin, um “especialista em negócios na Ásia”, um informe sobre o SFC. Destacamos as conclusões principais:

dois aspectos principais do sistema bancário da China podem ter implicações significativas para as relações sino-americanas e, por extensão, para o Congresso. Primeiro, as políticas chinesas de crédito e empréstimos foram citadas como fonte de subsídio para as empresas chinesas, dificultando a competitividade das empresas norte-americanas nos mercados globais… Em segundo lugar, a intenção da China de liberalizar ainda mais seu setor financeiro… pode criar maiores oportunidades para os bancos e instituições financeiras dos EUA entrarem no mercado interno da China… O Congresso poderia procurar maneiras de incentivar as reformas bancárias na China, o que levaria a uma maior penetração de mercado para os bancos dos EUA.34

É um fato que os imperialismos norte-americano e europeus vêm travando uma luta para “incentivar as reformas bancárias na China”. Contudo o movimento de abertura não andou na velocidade e nem na intensidade exigida pelo imperialismo35, talvez como reação à desaceleração da economia.

Até agora, a palavra de ordem foi reciprocidade, o presidente da Comissão reguladora, Chen Wenhui declara à Reuters: “A abertura do nosso país deve basear-se no princípio da igualdade e benefício mútuo. Ela não será executada em uma base de ‘tamanho único’ e deve enfatizar o benefício mútuo e a reciprocidade.

O imperialismo impõe restrições à abertura de filiais dos bancos chineses abarrotados de dinheiro nos seus mercados. A concorrência, particularmente na Europa36 seria um grave problema para os bancos. Apesar da limpeza do sistema financeiro norte-americano ter sido mais eficiente, o aumento dos controles depois da explosão de 2007 parece não permitir as mesmas taxas de retorno do capital fictício37.

Enquanto a China exige reciprocidade, o imperialismo exige a abertura unilateral.

O voo dos pandas”
O título de capa de uma das edições do The Economist faz uma pergunta muito sugestiva: “Os pandas podem voar?”38. Fugiria completamente ao escopo deste artigo entrar no tema de se os pandas “podem voar”. Mas é interessante notar o critério do semanário que propõe cortar as asas dos pandas, independente da resposta.

O “corte das asas” está em pleno movimento com a ofensiva de Trump e sua “guerra comercial”. Quando fechávamos este texto, as “negociações” foram paralisadas e uma nova rodada de aumento das tarifas foi anunciada por Washington. A resposta chinesa obviamente não se concentra no aumento de tarifas dos componentes industriais que importa dos EUA, e sim em outra rodada massiva de créditos que se aproxima de um novo recorde, US$ 477 bilhões39, que pode, uma vez mais, elevar a taxa de investimento a 44% do PIB. Sobretudo na nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative).

Mobilizando uma vez mais o investimento em infraestrutura – estradas, portos, linhas férreas etc., agora em escala asiática. Uma saída para os capitais que não têm valorização suficiente no interior da China e uma forma de reduzir a dependência das suas exportações dos mercados dos EUA e da UE.

Mas, há uma questão de tempo. Na segunda quinzena de março, o centenário porta-voz do capital financeiro40 comemorava a sua projeção de que, enfim, o primeiro deficit na conta da balança de pagamentos da China desde 1993 pode estar a caminho em 2019 (gráfico p.27).

Se for correta essa projeção, as margens de manobra de Xi estreitam-se. Sendo o superavit da conta-corrente a chave para manter o nível de financiamento no marco da superprodução, em sua ausência, deveria preenchê-lo atraindo o capital internacional pelo relaxamento do controle da conta capital e do SFC. Mas isso seria uma decisão política.

Pode aumentar a taxa de juros, para satisfazer as necessidades do capital interno, mas isso talvez interferisse na oferta de crédito, que hoje é o calcanhar de Aquiles da economia. Ao mesmo tempo em que diminuiria o ritmo do investimento, ou seja, aumento do desemprego.

Por isso, Trump aposta no estrangulamento das exportações, o calcanhar de Aquiles do SFC. O tripé sobre o qual se apoiou o retumbante desenvolvimento capitalista na China – superexploração, saldo positivo na conta-corrente da balança de pagamentos e um sistema financeiro controlado pelo Estado – está posto em questão pelo imperialismo. Na falta de outros fatores que entrem nesta disputa, a resistência de Xi e o “modelo chinês” estarão postos á prova.


QUADRO I

Arquitetura do sistema financeiro Chinês

FMI. Financial Sector Assessment Program. 2011.



QUADRO II SIMPLIFICADO41

TABELA I

Participação do Estado nos cinco grandes bancos comerciais – em % (2007 – 2011)

Banco

2007

2008

2009

2010

2011

ABC

100

100

100

82,7

82,7

BOC

70,79

70,79

67,53

67,555

67,6

CCB

59,12

48,17

57

57,03

57,03

ICBC

74,08

70,7

70,7

70.7

70,7

BOCOM

26,48

26,48

26,2

26,52

26,52

Fábio de Campos Brandão.42 Fonte: site oficial dos bancos

Tabela II

F. C. Brandão, p.12

TABELA III

Fonte. CRBC, Informe anual, 2016.

GRÁFICO I


Referências

Alice Jetin Duceux. China’s Corporate Debt: On the Way to Crisis? Part 1. Overview of Chinese Debt. December 2018. http://www.cadtm.org/An-Overview-of-Chinese-Debt#nh2-4

______________. A Little History of Chinese Economy. March 2019

Au Loong Yu. El ascenso de China a potencia Mundial. https://vientosur.info/spip.php?article14676

David Harvey. Os limites do Capital. Boitempo editorial, 2013.

___________. A loucura da razão econômica. Boitempo, 2018.

François Chesnais, Financial Capital Today. Corporations and Banks in the Lasting Global Slump Brill, 2016.

MacKinsey Global Institute. China and the world: Inside a changing economic relationship. dezembro, 2018. https://www.mckinsey.com/featured-insights/asia-pacific/china-and-the-world-inside-a-changing-economic-relationship

Margarida Dias Pinheiro Godinho.A china no século XXI: a evolução do sistema bancário e o futuro das reformas. Universidade Técnica de Lisboa. Instituto Superior de Economia e Gestão, 2004.

Martin Hart-Landsberg and Paul Burkett. China and the Dynamics of Transnational Accumulation: Causes and Consequences of Global Restructuring. Historical Materialism, volume 14:3 (3–43). Brill, 2006

Michael F. Martin. China’s Banking System: Issues for Congress, February 20, 2012. Congressional Research Service.

Miguel Henriques de Carvalho. A economia Politica do Sistema Financeiro Chines. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Economia, Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional, 2013

New Left Review 115, January–February 2019.

Pedro Henrique Neves de Carvalho. OS MOVIMENTOS DO CAPITAL: Um estudo de caso ampliado sobre o Sistema Bancário Chinês e a sua expansão creditícia para a América do Sul. PUC MG, 2017.

ZHIMING LONG, RÉMY HERRERA, AND TONY ANDRÉANI. On the Nature of the Chinese Economic System. archive.monthlyreview.org DOI: 10.14452/MR-070-05-2018-09_4


Notas

1A descoletivização do campo avançou rapidamente: em 1980, 5% das famílias rurais estavam neste sistema, em 1982, 70%, em 1983, 94%, em 1984, 97%. Ao contrário da ex-URSS, cujas medidas restauracionistas implicaram em uma profunda desorganização da produção agrícola, a “a adoção do sistema de responsabilidade familiar no campo elevou substancialmente a produtividade do trabalho agrícola, elevando a oferta de grãos e alimentos. A produção de grãos per capita aumentou a uma taxa anual de 3,8% ao ano entre 1979 e 1984”. (Miguel Henriques de Carvalho, 2013)

2A criação dos bancos especializados em políticas de crédito direto (em 1994), a entrada em vigor da Lei do Comércio Bancário (em 1995), a abolição das cotas de crédito (em 1998), a melhoria da regulamentação bancária e implementação de práticas internacionais, as fusões e falências das instituições insolventes (1996) foram consideradas as principais medidas para reformar os bancos estatais. Margarida Dias Pinheiro Godinho. A china no século XXI: a evolução do sistema bancário e o futuro das reformas. Universidade Técnica de Lisboa. Instituto Superior de Economia e Gestão, 2004.

4No final de 2016, o setor bancário da China consistia em um banco de desenvolvimento nacional, dois policy banks, cinco grandes bancos comerciais, 12 bancos comerciais mistos, 134 bancos comerciais da cidade, 1.114 bancos comerciais rurais, 8 bancos privados, 40 bancos cooperativos rurais, 1.125 cooperativas de crédito rural (CCR), 1 banco de poupança postal, 4 empresas de gestão de ativos, 39 instituições bancárias estrangeiras com sede local…, 68 empresas fiduciárias, 236 sociedades financeiras de grupos empresariais, 56 empresas de leasing financeiro, 5 corretoras de valores, 25 empresas de financiamento de automóveis, 18 empresas de financiamento ao consumidor, 1.443 bancos de vilas ou municípios, 13 empresas de crédito e 48 cooperativas rurais. O número de instituições bancárias na China era de 4.399, com 4,09 milhões de empregados no final de 2016. Idem.

5O Banco de Desenvolvimento da China (CDB) foi criado de forma estratégica para reciclar os créditos inadimplentes que representam 40% do PIB, em função da liberdade e autonomia dadas às províncias e aos bancos provinciais, assim como aos bancos estatais comerciais ao longo da década de 1980. Pedro Henrique Neves de Carvalho, Os movimentos do capital: Um estudo de caso ampliado sobre o Sistema Bancário Chinês e a sua expansão creditícia para a América do Sul. PUC MG, 2017.

6Au Loong Yu. El ascenso de China a potencia mundial. https://vientosur.info/spip.php?article14676

7O setor privado na China é muito dinâmico. É composto principalmente por pequenas e médias empresas (PMEs), que servem como motor de crescimento em países desenvolvidos e em desenvolvimento (Banco Mundial, 2011). Na China, as PME representaram cerca de 65% do PIB e 80% das oportunidades de emprego em 2010 (Chen, Ding e Wu, 2014). As PMEs compõem a grande maioria das empresas privadas chinesas e também contribuem para a dívida. Assim, o termo “setor privado” tem um significado diferente na China do que nos países avançados, onde o termo geralmente denota grandes empresas e multinacionais. Alice Jetin Duceux . China’s Corporate Debt: On the Way to Crisis? Part 1. Overview of Chinese Debt. December 2018. http://www.cadtm.org/An-Overview-of-Chinese-Debt#nh2-4

8Martin Hart-Landsberg and Paul Burkett. China and the Dynamics of Transnational Accumulation: Causes and Consequences of Global Restructuring. Série Historical Materialism, V. 14:3 (3–43). Ed. Brill, 2006

9 RMB, o Renminbi, é a denominação da moeda chinesa, que é expressa monetariamente em yuan.

10 Portanto, embora […] o proprietário de dinheiro e o proprietário da força de trabalho se relacionem como comprador e vendedor… [Mas] o comprador se apresenta de antemão, ao mesmo tempo, como possuidor dos meios de produção […] Assim, a relação de classe entre capitalista e assalariado já está dada […] Não é o dinheiro que, pela própria natureza, engendra essa relação, mas, antes, é a existência dessa relação que pode transformar uma simples função do dinheiro numa função do capital. K. Marx. O Capital, Livro II., p. 113-114. São Paulo: Boitempo Editorial.

11 K. Marx. O Capital, Livro III, p. 600. Boitempo Editorial

12 Idem, p.355

13Entre 1995 e 2002, os bancos estatais haviam apoiado a reestruturação de mais de seis mil empresas estatais, fornecendo cerca de RMB 800 bilhões em empréstimos direcionados e sofrendo perda de RMB 316 bilhões. Até o final de 2002, 51,2% das 62 mil firmas que haviam completado a mudança na estrutura de propriedade haviam falhado em pagar os empréstimos contraídos junto aos bancos estatais. (M.H. Carvalho)

15 D. Harvey: A loucura da razão econômica., p. 177-178. São Paulo: Boitempo Editorial, 2018.

16K. Marx. O Capital, Livro III, p. 481. Boitempo Editorial.

17Todos os investimentos, sejam eles públicos ou privados, à medida que aumentem a produção nacional, contribuem para o crescimento do rendimento nacional. Contudo, só pode haver acumulação de capital se a produção for rentável: nenhum aumento da produção que não acarrete um aumento dos lucros pode aumentar o capital. A produção induzida pelo Estado pode, uma vez que não depende da rentabilidade, aumentar a produção social, mas não o capital total. Paul Mattick. Marx & Keynes, p. 209. Lisboa: Antígona, 2010.

18Mylène Gaulard. Los problemas de la sobreacumulación en China. Escuela de ingeniería em agro-desarrollo internacional. Paris, 2010.

19O forte aumento nos indicadores de globalização financeira neste período é novamente tanto o resultado quanto a causa da acumulação financeira. Quando a taxa de lucro começa a cair, a massa do lucro continua a crescer e uma fração crescente busca uma taxa de retorno como capital portador de juros. Este é o último dos fatores neutralizantes listados por Marx no Volume III do Capital… […] O aparente “desvio de investimento” para os mercados financeiros marca o declínio das oportunidades de investimento lucrativo. À medida que a liberalização progride e com ela a globalização do exército industrial de reserva, as relações de classe mudam em favor do capital e junto com isso surgem mudanças na distribuição de renda em favor dos grupos superiores assim como a permanente e crescente divergência de acúmulo de riqueza patrimonial em favor dos ricos. François Chesnais, Finance Capital Today. Corporations and Banks in the Lasting Global Slump. p.174. Brill

20O declínio da intermediação bancária realizada na relação direta com os tomadores e o crescimento da intermediação através dos mercados financeiros viram o surgimento da nova figura do gestor de fundos [de investimentos]. Ele não foi apenas central para a introdução da gestão corporativa, mas foi o primeiro de uma nova geração de financistas. O crescimento da intermediação não bancária e dos mercados de títulos corporativos domésticos e internacionais também foi facilitado pelas novas tecnologias de TI, que permitiram tanto o comércio eletrônico no espaço “virtual” quanto a possibilidade de os gestores de fundos acessarem redes informatizadas de informação. Os bancos responderam à perda de grande parte de seu negócio de empréstimos corporativos oferecendo às corporações que buscam empréstimos razoavelmente grandes um novo instrumento de crédito, a saber, certificado de depósitos (CDs). Um segmento especializado de mercados monetários surgiu, permitindo que estes fossem vendidos pelos bancos emissores. Outros tipos de instrumentos de crédito negociáveis ​​foram criados com o propósito específico de facilitar os empréstimos interbancários, liberando assim os bancos das restrições de ter que manter grandes reservas de caixa e títulos muito líquidos. O caminho para alavancagem em larga escala foi aberto, cujos efeitos já foram sentidos durante as crises bancárias dos EUA nos anos 80 e início dos anos 90. Idem., p.215

21 OECD. Economic Surveys China, OVERVIEW. March 2017. www.oecd.org/eco/surveys/economic-survey-china.htm

22Mais dívidas, crescimento mais lento e uma moeda mais propensa à especulação contribuíram para o crash do mercado acionário de 2015. Na época, as empresas enfrentavam retornos negativos sobre novos projetos de capital e taxas de juros muito baixas no banco, o que desestimulava o investimento convencional e reduzia o incentivo para economizar dinheiro nos bancos. Isso encorajou as empresas a emprestar dinheiro barato e especular em ações. O aumento pecuniário no mercado de ações levou a um aumento no preço das ações imobiliárias. Até mesmo a parcela mais bem paga da classe trabalhadora chinesa comprou ações, investindo toda a sua economia em um negócio que parecia lucrativo. O crash causou estragos nessas famílias vulneráveis. Dezenas de milhões de trabalhadores chineses foram afetados. Alice Jetin Duceux. A Little History of Chinese Economy. March 2019. http://www.cadtm.org/An-Overview-of-Chinese-Debt#nh2-4

23Os quatro maiores bancos do mundo são da China, de acordo com os últimos rankings anuais da S&P Global Market Intelligence. Apesar da guerra comercial e dos problemas cambiais, os “Quatro Grandes” bancos da China aumentaram seus ativos totais em 1% em 2018, para US$ 13,8 trilhões, segundo a S&P. A lista é liderada pelo Banco Industrial e Comercial da China, que manteve o título de maior banco do mundo. O ICBC é o único credor que acumulou mais de US$ 4 trilhões em ativos – ou aproximadamente o tamanho do Citigroup e do Wells Fargo juntos. Os próximos três maiores bancos chineses têm, cada um, ativos de cerca de US$ 3 trilhões: Banco de Construção da China, Banco Agrícola da China e Banco da China. Todos os quatro bancos são estatais. Os bancos americanos só ficaram maiores depois da crise financeira, mas eles ainda têm que crescer mais para alcançar seus pares na China. https://edition.cnn.com/2019/04/14/investing/stocks-week-ahead-big-banks-china-earnings/index.html

24FMI. Financial Sector Assessment Program. 2011.

25A intermediação de crédito paralelo na China dificilmente envolve securitização ou financiamento por atacado, que são as principais fontes e motivadores do sistema bancário paralelo norte-americano. Na verdade, o sistema bancário paralelo na China é muito mais parecido com o sistema bancário tradicional: ele coleta “depósitos” ou dinheiro de investidores corporativos e de varejo e transforma suas economias em créditos de diferentes formas para fornecer financiamento às empresas. Dado o papel central dos bancos, o sistema bancário paralelo na China é frequentemente apelidado de “sombra dos bancos”, em oposição a uma forma de intermediação de crédito baseada no mercado de capitais. Além disso, é importante ressaltar que o papel dos investidores estrangeiros ou de entidades financeiras estrangeiras é insignificante. Torsten Ehlers, Steven Kong and Feng Zhu. Mapping shadow banking in China: structure and dynamics. Bank for International Settlements 2018. BIS Working Papers, No 701. Monetary and Economic Department February 2018.

26A emissão de produtos de gestão de patrimônio continuou. Os fundos de tais títulos são tipicamente usados ​​para estender empréstimos corporativos, mas agora são cada vez mais investidos em outros produtos de gestão de patrimônio. Isso pode refletir o menor apetite dos bancos em emprestar para investimento na economia real, em meio a retornos decrescentes. De fato, o capital alavancado tem sido cada vez mais investido em mercados de ativos, particularmente nos mercados imobiliário, de ações e de títulos. OECD. Economic Surveys China, OVERVIEW. Março de 2017. www.oecd.org/eco/surveys/economic-survey-china.htm Ver gráfico no Apêndice.

27Brian Caplen. China’s slowdown: don’t blame Trump.12/02/2019 https://www.thebanker.com/Comment-Profiles/Editor-s-Blog/China-s-slowdown-don-t-blame-Trump

28De modo geral, em 2017, o setor bancário oficial forneceu 132,4 trilhões de renminbi em empréstimos, o que equivale a 50,6% do total de créditos para a economia; os mercados financeiros (financiamento de títulos e valores mobiliários) e empréstimos BPC proporcionaram 89,7 trilhões de renminbi (34,2% do total); e os “bancos sombras”, 39,9 trilhões de renminbi (15,2% do total). Alice Jetin Duceux. China’s Corporate Debt: On the Way to Crisis? Part 1. Overview of Chinese Debt. December 2018. http://www.cadtm.org/An-Overview-of-Chinese-Debt#nh2-4

29 Folha de São Paulo, /2019

30Até meados de 2014, as reservas cambiais ainda representavam 20% da oferta monetária. Nos anos subsequentes, no entanto, a redução das reservas cambiais e o aumento da oferta monetária acompanharam a redução entre eles. Isso significa que, se as famílias e as empresas transferissem o equivalente a apenas 10% da oferta monetária para fora do país, as reservas cambiais da China teriam desaparecido, deixando a economia profundamente vulnerável a uma crise desencadeada pela fuga de capitais… Para evitar essa eventualidade, o regime de Xi Jinping implementou uma série de medidas de controle de capital radicalmente crescentes… limites para as corporações que trocam renminbi por dólares norte-americanos sem notas fiscais subjacentes, verificações da veracidade das faturas comerciais para evitar o excesso e o subfaturamento, maiores obstáculos para os indivíduos converterem o renminbi em dólares e uma repressão aos bancos paralelos …e localizações offshore para moeda… Esses passos draconianos restringiram significativamente a saída do renminbi nos últimos anos… O aumento das saídas de reservas em dólares continua muito possível. De fato, se esses processos pudessem continuar por tempo suficiente, poderiam facilmente levar a uma crise de confiança no Renminbi. Interview by Robert Brenner. China’s Credit Conundrum. New Left Review 115, January–February 2019.

31 China and the world: Inside a changing economic relationship. MacKinsey Global Institute, dezembro, 2018. https://www.mckinsey.com/featured-insights/asia-pacific/china-and-the-world-inside-a-changing-economic-relationship

32Michael F. Martin. China’s Banking System: Issues for Congress. p. 29. 20 de fevereiro de 2012. Congressional Research Service, EUA.

33Em artigo anterior discutimos a entrada das empresas chinesas no mercado de microprocessadores: https://litci.org/es/menu/mundo/asia/china/armas-de-guerra/

34

M. F. Martin. op. cit.

35

No ano passado, o governo de Xi eliminou as barreiras para que as bandeiras dos cartões de crédito norte-americanas (Visa, Mastercard) recebessem a permissão para operar em Yuan. Ocorre que, enquanto os anos de discussão sobre o assunto se estendiam, o sistema paraestatal Union Pay, a bandeira chinesa do crédito rotativo, estabeleceu um verdadeiro oligopólio.

36Em 2017, a imagem havia mudado drasticamente. Os lucros líquidos dos grupos europeus haviam encolhido em mais de dois terços, para US$ 17,5 bilhões, mais de um quarto abaixo dos US$ 24,4 bilhões que o JPMorgan ganhou no ano anterior. De fato, a capitalização de mercado de US$ 380 bilhões do JPMorgan excede a de seus cinco rivais europeus juntos. Entre 2006 e 2016, os cinco principais bancos dos EUA ganharam 6 pontos percentuais de participação de mercado nas receitas globais de bancos de atacado, enquanto os cinco principais europeus perderam 4 pontos percentuais, de acordo com pesquisa da Oliver Wyman e Morgan Stanley. https://www.ft.com/content/6d9ba066-9eee-11e8-85da-eeb7a9ce36e4

37Na última década, a maioria dos maiores bancos globais reduziu a escala e o escopo de suas atividades, diminuindo assim a exposição ao risco. Mas, muitos bancos baseados em economias avançadas não encontraram novos modelos de negócios lucrativos em uma era de taxas de juros baixíssimas e novos regimes regulatórios. O retorno sobre o patrimônio líquido (ROE) dos bancos nas economias avançadas caiu mais da metade desde a crise. McKinsey Global Institute. A decade after the global financial crisis: what has (and hasn’t) changed? Setembro de 2018, p.8.

38 The Economist, 21/02/2019

39 Idem.

40 The Economist, 2019 March 16th.

41 Pedro Henrique Neves de Carvalho. OS MOVIMENTOS DO CAPITAL: Um estudo de caso ampliado sobre o Sistema Bancário Chinês e a sua expansão creditícia para a América do Sul. PUC MG, 2017.

42 Fabio de Campos Brandão. Sistema Financeiro Chinês: Caracterização, Processo de internacionalização bancária e principais mudanças após a crise de 2008. 2014, UNICAMP. p. 15.

João Ricardo Soares