No dia 1º de março de 1926, Leon Trotsky proferiu o discurso a seguir na abertura do Primeiro Congresso da Sociedade dos Amigos do Rádio. A Sociedade foi fundada em novembro 1924 por iniciativa de Lenin. Entusiasta do desenvolvimento do científico, Lenin via no rádio grandes possibilidades de elevação cultural da União Soviética. Alinhado a esse pensamento, Trotsky também vislumbrava um futuro grandioso para o rádio, como fica evidente em seu discurso. Em um momento em que a humanidade apenas começa a descobrir subdivisão dos átomos e as possibilidades da radioatividade, Trotsky já projetava inúmeras possibilidades que a nova fonte de energia traria para o desenvolvimento da técnica.

As projeções de Trotsky, no entanto, não são devaneios de um entusiasta utópico. Pelo contrário, são resultados de uma aguçada compreensão marxista, única capaz de explicar a estreita relação entre o avanço da ciência e de sua aplicação técnica com as conquistas da Revolução de Outubro.

Uma nova época de pensamento científico e técnico
Camaradas, eu acabo de voltar das celebrações do jubileu no Turcomenistão. Essa nossa república irmã na Ásia Central comemora hoje seu aniversário de fundação. Pode parecer que o tema do Turcomenistão está longe da técnica do rádio e da Sociedade dos Amigos do Rádio, porém, existem relações estreitas entres esses temas.  Precisamente porque o Turcomenistão é um país distante, deveria estar próximo dos participantes desse Congresso. Dada a imensidão de nosso país federativo, o que inclui o Turcomenistão – um país com um território que cobre seiscentas mil verstas [1], maior do que a Alemanha, maior do que a França, maior do que qualquer Estado europeu; uma região cuja população vive dispensa entre oásis, onde não há estradas – dadas essas condições, a radiocomunicação poderia ter sido expressamente inventada em benefício do Turcomenistão, para conectá-lo a nós. Somos um país atrasado; toda nossa União, inclusive as partes mais avançadas, são extremamente atrasadas do ponto de vista técnico e, ao mesmo tempo, não temos o direito de permanecer nesse estado de atraso, porque estamos construindo o Socialismo, e o Socialismo pressupõe e exige um alto nível técnico. Enquanto construímos estradas através do país, melhorando-as e construindo pontes (e como terrivelmente nós precisamos de mais pontes!), nós somos obrigados, ao mesmo tempo, a nos comparar com os países mais avançados no campo da ciência de da técnica, entre outras, primeiro e acima de tudo, a técnica do rádio. A invenção da radiotelegrafia e da radiotelefonia poderia ter ocorrido especialmente para convencer os célebres céticos entre nós das possibilidades ilimitadas inerentes à ciência e à técnica, para mostrar que todas as realizações que a ciência registrou até agora são apenas uma breve introdução para o que nos espera no futuro.

Tomemos, por exemplo, os últimos vinte e cinco anos – apenas um quarto de século – e recordemos quais conquistas na esfera da técnica humana foram realizadas diante de nossos olhos, os olhos da geração mais velha a que pertenço. Lembro-me – e provavelmente não sou o único entre os presentes para fazer isso, embora a maioria aqui seja jovem – o tempo em que os carros eram ainda raridades. Não se falava, mesmo, do avião no final do século passado. Em todo o mundo havia, eu acho, 5 mil automóveis, enquanto agora existem cerca de 20 milhões, dos quais 18 milhões estão apenas na América – 15 milhões de carros leves e três milhões de caminhões. O automóvel se tornou diante de nossos olhos se tornar um meio de transporte de primeira importância.

Ainda consigo lembrar dos sons confusos e ruidosos que ouvi quando escutei um fonógrafo pela primeira vez. Eu estava no primeiro ano na escola secundária. Um homem empreendedor que estava viajando pelas cidades do sul da Rússia com um fonógrafo chegou em Odessa e demonstrou isso para nós. E agora, o gramophone, neto do fonógrafo, é uma das características mais comuns da vida doméstica.

E os aviões? Em 1902, ou seja, há vinte e três anos, o escritor britânico Wells (muitos de vocês conhecem seus romances de ficção científica), publicou um livro [2] em que ele escreveu, com todas as letras, que em sua opinião (e ele se considerava uma pessoa audaz e aventureira em questões técnicas), aproximadamente no meio do século XX, não seria apenas inventado, mas também até certo ponto aperfeiçoado, uma máquina voadora mais pesada que o ar e que poderia ser usado para operações de guerra. E este livro foi escrito em 1902. Sabemos que o avião desempenhou um papel definitivo na guerra imperialista – e ainda há vinte e cinco anos para meados do século!

E cinema? Isso também não é pouca coisa. Não faz muito tempo, não existia; muitos aqui presentes vão se lembrar desse tempo. Hoje em dia, no entanto, seria impossível imaginar nossa vida cultural sem o cinema.

Todas essas inovações entraram em nossas vidas no último quarto de século, durante as quais os homens, além disso, realizaram também algumas bagatelas como as guerras imperialistas, quando cidades e países inteiros foram destruídos e milhões de pessoas exterminadas. No decorrer deste quarto de século, ocorreu mais de uma revolução, embora em uma escala menor do que a nossa, em toda uma série de países. Nesses vinte e cinco anos, a vida foi invadida pelo automóvel, o avião, o gramofone, o cinema, a radiotelegrafia e a radiotelefonia. Se vocês se lembram apenas do fato de que, de acordo com os cálculos hipotéticos dos estudiosos, não eram necessários menos de 250 mil anos para o homem passar do modo de vida de um simples caçador para o pastoreio, esse pequeno fragmento de tempo, vinte e cinco anos, não parecem n ada. O que esse pequeno intervalo de tempo nos mostra? Que a técnica entrou em uma nova fase, que sua taxa de desenvolvimento está ficando cada vez mais veloz.

Os intelectuais liberais – agora não são mais nada – costumavam descrever toda a história da humanidade como uma linha contínua de progresso. Isso estava errado. A marcha do progresso é curvada, torta, ziguezagueante. A cultura hora avança, hora retrocede. Havia a cultura da Ásia antiga, havia a cultura da antiguidade, da Grécia e de Roma, então a cultura europeia começou a se desenvolver, e agora a cultura americana está aumentando nos arranha-céus. O que se acumulou nas culturas do passado? O que foi acumulado com o progresso histórico? Processo técnico, métodos de pesquisa. Pensamento científico e técnico, não sem interrupções e falhas, marcham. Mesmo se vocês imaginarem aqueles dias distantes quando o sol deixará de brilhar e todas as formas de vida se extinguirão sobre a terra, no entanto, ainda há muito tempo pela frente. Penso que, nos próximos séculos, o pensamento científico e técnico, nas mãos da sociedade organizada sob o socialismo, avançarão sem ziguezague, quebra ou fracasso. Eles amadureceram até certo ponto, tornaram-se suficientemente independentes e estão tão firmemente em pé, que irão avançar de forma planejada e estável, juntamente com o crescimento das forças produtivas com as quais estão ligados intimamente.

Um triunfo do materialismo dialético
A tarefa da ciência e da técnica é submeter a matéria ao homem, juntamente com o espaço e o tempo, que são inseparáveis ​​da matéria. É verdade que existem certos livros idealistas – não de caráter religioso, mas filosóficos – que dizem que tempo e espaço são categorias de nossas mentes, que são resultados das exigências do nosso pensamento e que em nada correspondem à realidade. Mas é difícil concordar com essa visão. Se algum filósofo idealista, ao invés de chegar a tempo de pegar o trem de nove horas, chegar dois minutos atrasado, ele veria o trem indo embora e ficaria convencido por seus próprios olhos de que o tempo e o espaço são inseparáveis ​​da realidade material. A tarefa é diminuir esse espaço, superá-lo, economizar tempo, prolongar a vida humana, registrar o passado, elevar a vida a um nível superior e enriquecê-la. Este é o motivo da luta com o espaço e o tempo, na base da qual se situa a luta pela submissão da matéria ao homem, que constitui o fundamento não só de tudo o que realmente existe, mas também de toda imaginação. Nossa luta por conquistas científicas é, por si só, um sistema de reflexos muito completo, ou seja, fenômenos de uma ordem fisiológica, que cresceram em uma base anatômica que, por sua vez, se desenvolveu a partir do mundo inorgânico, da química e da física. Toda ciência é um acúmulo de conhecimento, baseado na experiência relacionada à matéria, às suas propriedades, compreensão generalizada de como sujeitar esse assunto aos interesses e necessidades do homem.

Quanto mais avança o domínio da ciência sobre a matéria, no entanto, mais propriedades “inesperadas” da matéria são descobertas, e mais cuidadosamente o decadente pensamento filosófico da burguesia tenta usar essas novas propriedades ou manifestações para mostrar que a matéria não é importante. Paralelamente ao progresso da ciência natural no domínio da matéria há uma luta filosófica contra o materialismo. Certos filósofos e até mesmo alguns cientistas tentaram utilizar os fenômenos da radioatividade com o propósito de lutar contra o materialismo: haviam átomos, elementos, que eram a base da matéria e do pensamento materialista, mas agora esse átomo partiu-se em pedaços em nossas mãos, se quebrou em elétrons, e logo se popularizou a teoria eletrônica, um debate surgiu inclusive em nosso Partido sobre a questão: os elétrons testemunham a favou ou contra ao materialismo? Quem se interessar por essas poderá ler com grande proveito a obra de Vladimir Ilyich Materialismo e Empiriocriticismo. De fato, nem o fenômeno “misterioso” da radioatividade nem o fenômeno não menos “misterioso” da transmissão sem fio de ondas eletromagnéticas causam o menor prejuízo ao materialismo.

O fenômeno da radioatividade, que levou à necessidade de pensar o átomo como um sistema complexo de partículas absolutamente “inimagináveis”, só pode ser usado contra o materialismo apenas por um tipo desesperado de materialista vulgar que reconhece como matéria apenas o que ele pode sentir com as próprias mãos. Mas isso é sensualismo [3], não materialismo. Tanto a molécula, a última partícula química, e o átomo, a última partícula física, são inacessíveis à nossa visão e ao nosso toque. Mas nossos órgãos sensoriais, que não nossos primeiros instrumentos de conhecimento, não são, no entanto, o último recurso de conhecimento. O olho humano e a orelha humana são aparelhos muito primitivos, inadequados para alcançar até mesmo os elementos básicos dos fenômenos físicos e químicos. Enquanto, em nossa percepção da realidade, nos deixamos ser guiados apenas pelas descobertas cotidianas de nossos órgãos sensoriais, é difícil imaginar que o átomo é um sistema complexo, que tem um núcleo, que em torno desse núcleo se movimentam elétrons, e que a partir disso resulta o fenômeno da radioatividade. Nossa imaginação, em geral, tem dificuldades para se acostumar com novas conquistas do conhecimento. Quando Copérnico descobriu no século XVI que não era o Sol que se movia pela Terra, mas a Terra ao redor do Sol, parecia fantasia, e desde esse dia até hoje o pensamento conservador tem dificuldade em se ajustar a esse fato. É o que podemos observar com pessoas analfabetas e em cada geração escolar. No entanto, nós, pessoas de alguma educação, apesar do fato de que também nos parece que o Sol se move ao redor da Terra, não duvidamos que, na realidade, as coisas aconteçam ao contrário, pois isso é confirmado por uma extensa observação de astronomia fenômenos. O cérebro humano é um produto do desenvolvimento da matéria e, ao mesmo tempo, é um instrumento para o conhecimento desta matéria; gradualmente vai se adequando, tentando superar suas limitações, criando sempre novos métodos científicos, imaginando instrumentos cada vez mais complexos e precisos, verificando seu trabalho novamente e, mais uma vez, passo a passo penetrando em profundidades antes desconhecidas, mudando nossa concepção de matéria , sem, porém, romper com essa base de tudo o que existe.

A radioatividade, como já mencionamos, não constitui de modo algum uma ameaça para o materialismo e, ao mesmo tempo, é um magnífico triunfo da dialética. Até recentemente, os cientistas supunham que havia no mundo cerca de noventa elementos que estavam além da análise e não podiam ser transformados em outros – por assim dizer-, um universo seria como um tapete tecido a partir de noventa fios de diferentes cores e qualidades. Tal noção contradiz a dialética materialista, que fala da unidade da matéria e, o que é ainda mais importante, da possibilidade de transformação dos elementos da matéria. Nosso grande químico, Mendeleyev, até o fim de sua vida, não estava disposto a aceitar a ideia de que um elemento poderia ser transformado em outro. Ele acreditava firmemente na estabilidade dessas “individualidades”, embora o fenômeno da radioatividade já fosse conhecido por ele. Mas hoje em dia nenhum cientista acredita na imutabilidade dos elementos. Usando o fenômeno da radioatividade, os químicos conseguiram realizar uma “execução” direta de oito ou nove elementos e, juntamente com isso, a execução dos últimos remanescentes da metafísica no materialismo, porque agora a transformação de um elemento químico em outro foi provada experimentalmente. O fenômeno da radioatividade conduziu assim a um supremo triunfo do pensamento dialético.

O fenômeno da técnica de rádio baseia-se na transmissão sem fio de ondas eletromagnéticas. Sem fio não significa transmissão não-material. A luz não vem apenas das lâmpadas, mas também do sol, sendo também transmitida sem o auxílio de fios. Estamos completamente acostumados à transmissão sem fio da luz em distâncias bastante respeitáveis. E ficamos muito surpresos, no entanto, quando começamos a transmitir o som em uma distância muito mais curta, com a ajuda dessas mesmas ondas eletromagnéticas que são inerentes aos fenômenos da luz. Todos esses são fenômenos da matéria, processos materiais – ondas e redemoinhos – no espaço e no tempo. As novas descobertas e suas aplicações técnicas mostram que essa questão é muito mais heterogênea e mais rica em potencialidades do que pensávamos até agora. Mas, como antes, nada se cria no nada.

O mais destacado de nossos cientistas diz que a ciência, e a física em particular, nos últimos tempos, chegaram a um ponto crucial. Não muito tempo atrás, dizem eles, ainda abordávamos a matéria, por assim dizer, “fenomenalmente”, ou seja, sob o ângulo de observar suas manifestações, mas agora estamos começando a penetrar cada vez mais no seu interior, para entender sua estrutura, e em breve seremos capazes de controlá-la “de dentro”. Um bom físico, naturalmente, poderia falar sobre isso melhor do que eu. O fenômeno da radioatividade nos leva ao problema de liberar energia intra-atômica. O átomo contém dentro de si uma poderosa energia escondida, e a maior tarefa da física consiste em bombear essa energia, retirando a cortiça para que ela possa explodir em uma fonte. Então, será aberta a possibilidade de substituir o carvão e o petróleo pela energia atômica, que também se tornará o força motriz básica. Esta não é uma tarefa desesperada. E que perspectivas se abrem diante de nós! Isso só nos dá o direito de declarar que o pensamento científico e técnico está se aproximando de um momento crucial, que a época revolucionária no desenvolvimento da sociedade humana será acompanhada por uma época revolucionária na esfera da conhecimento da matéria e de seu domínio… Possibilidades técnicas ilimitadas se abrirão antes da humanidade liberada.

Rádio, militarismo e superstição
Possivelmente, no entanto, é hora de se aproximar de questões políticas e práticas. Qual é a relação entre técnica de rádio e organização social? É socialista ou capitalista? Eu levanto a questão porque há alguns dias o famoso italiano, Marconi, disse em Berlim que a transmissão de imagens à distância por meio de ondas hertzianas é um tremendo presente para o pacifismo, pregando o final rápido da época militarista. Por que isso deveria ser assim? Esses fins de épocas foram proclamados tantas vezes que os pacifistas conseguiram misturar todos os fins e começos. O fato de podermos projetar grandes distância supõe pôr fim às guerras! Certamente, a invenção de um meio de transmitir uma imagem animada a uma grande distância é uma tarefa muito atraente, pois é insultante para o nervo óptico que o nervo auditivo, graças ao rádio, esteja em uma posição privilegiada a este respeito. Mas supor que a partir daí que se deve derivar o fim das guerras é simplesmente absurdo e mostra apenas que com grandes homens como Marconi, assim como com a maioria das pessoas que são especialistas em um campo particular – até mesmo, pode-se dizer , com a maioria das pessoas em geral – o pensamento científico ajuda o cérebro, para dizer grosseiramente, não como um todo, mas apenas em determinados assuntos. Assim como no interior do casco de um navio à vapor, as divisões impenetráveis ​​são colocadas de modo que, no caso de um acidente, o navio não se afunde de uma só vez, também na consciência humana existem inúmeras partições impenetráveis: em um parte ou mesmo em uma dúzia de partes, você pode encontrar o pensamento científico mais revolucionário, mas além delas encontrará o filistinismo do mais alto grau. Este é o grande sentido do marxismo, como pensamento que generaliza toda a experiência humana, que ajuda a quebrar essas partições internas da consciência através da totalidade de suas perspectivas mundiais. Mas, para voltarmos ao assunto – por que, precisamente, se alguém pode ver o inimigo, isso deve resultar na liquidação da guerra? Em tempos anteriores, sempre que havia guerra, os adversários se viam frente à frente. Foi assim na época de Napoleão. Somente com a criação de armas de longo alcance que pouco a pouco os adversários foram se afastando e se chegou a uma situação em que eles atiram em alvos que não podem ver. E se o invisível se tornar visível, isso só significará que a tríade hegeliana também triunfou nesta esfera – após a tese e a antítese veio a “síntese” do extermínio mútuo.

Lembro-me da época em que os homens escreveram que o desenvolvimento dos aviões acabaria com a guerra, porque atrairia toda a população para operações militares, o que arruinaria a vida econômica e cultural de países inteiros, etc. No entanto, a invenção de uma máquina voadora mais pesada do que o ar abriu um capítulo novo e mais cruel na história do militarismo. Não há dúvida de que agora também estamos nos aproximando do início de um capítulo ainda mais espantoso e sangrento. Técnica e ciência têm sua própria lógica – a lógica do conhecimento da natureza e o domínio dela sob o interesse do homem. Mas a técnica e a ciência não se desenvolvem no vácuo, mas na sociedade humana, dividida em classes. A classe dominante, a classe possuidora, domina a técnica e com ela controla a natureza. A técnica em si não pode ser chamada de militarista ou pacifista. Numa sociedade em que a classe dominante é militarista, a técnica está a serviço do militarismo.

É inquestionável que a técnica e a ciência enfraqueçam a superstição. Mas o caráter de classe da sociedade também estabelece limites substanciais aqui. Pegue a América. Lá, os sermões da Igreja são transmitidos por rádio, o que significa que o rádio está servindo como meio de propagação de preconceitos. Tais coisas não acontecem aqui, eu acho – a Sociedade dos Amigos do Rádio cuida disso, espero? [Risos e aplausos]. Sob o sistema socialista, a ciência e a técnica como um todo serão indubitavelmente dirigidas contra preconceitos religiosos, contra a superstição, que refletem a fraqueza do homem ante ao homem e ante a natureza. Afinal, de que vale uma “voz do céu” quando em todo o país se transmite uma voz do Museu Politécnico! [4] [Risos].

Não podemos ficar para trás!
A vitória sobre a pobreza e a superstição é certa para nós, desde que avancemos tecnicamente. Não devemos ficar atrás de outros países. A primeira palavra-de-ordem que cada amigo do rádio deve ter em mente é: não esteja atrasado! No entanto, somos extraordinariamente atrasados ​​em relação aos países capitalistas avançados. Esse atraso é a principal herança que recebemos do passado. O que devemos fazer? Se, camaradas, a situação fosse tal que os países capitalistas continuassem a desenvolver-se de forma constante e progredindo, como antes da guerra, deveríamos nos perguntar ansiosamente: somos capazes de alcança-los? E se não alcançarmos, não seremos esmagados? Diante disso, dizemos: não podemos esquecer que o pensamento científico e técnico na sociedade burguesa alcançou seu maior grau de desenvolvimento naquele período em que, economicamente, a sociedade burguesa está ficando cada vez mais em um beco sem saída e está começando a decair. A economia europeia não está em andamento. Nos últimos quinze anos, a Europa tornou-se mais pobre, não mais rica. Mas suas invenções e descobertas foram colossais. Ao assolar a Europa e destruir grandes áreas do continente, a guerra, ao mesmo tempo, deu uma tremenda incursão ao pensamento científico e técnico, que sufocava as garras do capitalismo decadente. Se, no entanto, tomamos as acumulações materiais da técnica, ou seja, não a técnica que existe na cabeça dos homens, mas aquilo que foi incorporado em máquinas, fábricas, moinhos, ferrovias, serviços telegráficos e telefônicos etc., então é evidente que estamos atrasados. Seria mais correto dizer que esse atraso seria terrível para nós se não possuíssemos a imensa vantagem que consiste na organização soviética da sociedade, o que possibilita um desenvolvimento planejado da técnica e da ciência, enquanto a Europa está sufocando em suas próprias contradições.

Nosso atraso atual em todas as esferas não deve, no entanto, ser escondido, ao contrário, deve ser criteriosamente analisado, sem se assustar mas também sem se iludir um só momento. Como um país se transforma em um único todo econômico e cultural? Por meio de comunicações: ferrovias, navios a vapor, serviços postais, telégrafo e telefone – e agora radiotelegrafia e rádio-telefone. Como estamos nesses campos? Estamos terrivelmente atrasados. Na América, a malha ferroviária equivale a 405 mil quilômetros, na Grã-Bretanha quase 40 mil, na Alemanha 54 mil, enquanto nós temos apenas 69 mil quilômetros – e isso com nossas vastas distâncias! Mas é muito mais ilustrativo comparar as cargas que são carregadas nesses países e aqui, comparando-se em toneladas-quilômetros, ou seja, tomando como unidade uma tonelada transportada por um quilômetro de distância. Os EUA, no ano passado, levaram 600 milhões de toneladas-quilometragem, nós carregamos 48,5 milhões, Grã-Bretanha 30 milhões, Alemanha 69 milhões. Ou seja, os EUA carregaram dez vezes mais do que a Alemanha, vinte vezes mais do que a Grã-Bretanha e duas ou três vezes mais do que a toda a Europa junto com nós mesmos.

Vejamos o serviço postal, um dos meios básicos de difusão cultural. De acordo com as informações fornecidas pelo Comissariado de Correios e Telégrafos, com base nos números mais recentes, as despesas com comunicações postais nos EUA no ano passado totalizaram um milhão e um quarto de rublos, o que significa 9 rublos e 40 kopecks por pessoa. No nosso país, as despesas postais chegam a 75 milhões, o que significa 33 kopecks por pessoa. Há uma grande diferença entre os 9 rublos 40 kopecks deles e o nossos 33 kopecks!

Os números do serviço de telégrafo e telefone são ainda mais impressionantes. O comprimento total dos fios de telégrafo na América é de três milhões de quilômetros, na Grã-Bretanha meio milhão de quilômetros, e aqui 616 mil quilômetros. Mas o comprimento dos fios telegráficos é comparativamente pequeno na América porque eles têm muitos fios (60 milhões de quilômetros), enquanto que na Grã-Bretanha há apenas seis milhões e aqui apenas 311 mil quilômetros. Não debochemos nem choremos por nós mesmos, camaradas, mas guardem bem esses números: devemos medir e comparar para podermos alcança-los a qualquer custo! [Aplausos]. O número de telefones – outro bom indicador do nível cultural – é na América 14 milhões, na Grã-Bretanha um milhão, e aqui 190 mil. A cada cem pessoas na América há treze telefones, na Grã-Bretanha dois e entre nós um décimo ou, em outras palavras, na América o número de telefones em relação ao número de habitantes é 130 vezes maior que aqui.

No que diz respeito ao rádio, não sei quanto gastamos por dia (penso que a Sociedade dos Amigos do Rádio deve resolver isso), mas na América gastam um milhão de dólares, ou seja, dois milhões de rublos por dia no rádio, o que dá cerca de 700 milhões por ano.

Estes números revelam duramente nosso atraso. Mas eles também revelam a importância que o rádio, como a forma mais barata de comunicação, pode e deve ter em nosso enorme país camponês. Não podemos falar seriamente sobre o socialismo sem ter em mente a transformação do país como um todo, unido por meio de todos os tipos de comunicações. Para podermos falar de socialismo, devemos, primeiro e antes de tudo, sermos capazes de falar com as partes mais remotas do país, como o Turquemenistão. Porque o Turquemenistão, com o qual comecei hoje minhas observações, produz algodão e, dos trabalhos no Turquemenistão, depende os trabalhos das fábricas têxteis das regiões de Moscou e Ivanovo-Voznesensk [5]. E para se comunicar direta e imediatamente com todos os pontos do país, um dos meios mais importantes é o rádio – isto é, é claro, se o rádio em nosso país não for um brinquedo para os estratos superiores das pessoas da cidade, que possuem condições mais privilegiadas do que as outras, mas sim, um instrumento de comunicação econômica e cultural entre cidade e campo.

Cidade e campo
Não esqueçamos que entre a cidade e o campo na URSS há contradições monstruosas, materiais e culturais que, como um todo, herdamos do capitalismo. Naquele período difícil, que passamos quando a cidade fugia para o campo, e quando o campo dava uma libra de pão em troca de um abrigo, alguns pregos ou um violão, a cidade parecia bastante lamentável em comparação com o conforto do campo. Mas na medida em que os pilares fundamentais da nossa economia foram restaurados, em particular a nossa indústria, as tremendas vantagens técnicas e culturais da cidade no país se reafirmaram. Nós tivemos um grande trabalho político e jurídico para mitigar e equilibrar os contrastes entre cidade e o campo. Mas, na técnica, realmente não demos nenhum único grande passo até agora. E não podemos construir o socialismo com o campo nesta condição de atraso técnico e com o campesinato desprovido de cultura. O socialismo desenvolvido significa, acima de tudo, o nivelamento técnico e cultural entre cidade e campo, ou seja, a dissolução da cidade e do país em um conjunto de condições econômicas e culturais homogêneas. É por isso que a simples aproximação entre cidade e campo é uma questão de vida e morte para nós.

Enquanto criava a indústria e as instituições da cidade, o capitalismo manteve o campo estancado e não podia fazer outra coisa se não isso: sempre poderia obter os alimentos e matérias-primas necessárias, não apenas de seu próprio campo, mas também das terras atrasadas do além-mar ou das colônias, produzido por mão-de-obra camponesa barata. A guerra e os distúrbios do pós-guerra, o bloqueio e sua ameaça constante, e, finalmente, a instabilidade da sociedade burguesa, obrigaram a burguesia a se interessar mais pelo campesinato. Recentemente, ouvimos políticos burgueses e socialdemocratas mais de uma vez falar sobre o vínculo com o campesinato. Briand, em sua discussão com o camarada Rakovsky sobre as dívidas, enfatizou as necessidades dos pequenos proprietários e, em particular, dos camponeses franceses [6]. Otto Bauer, o menchevique austríaco “de esquerda”, em um discurso recente, falou sobre a importância excepcional do “relação” com o campo. E para coroar tudo isso, nosso velho conhecido, Lloyd George – que, honestamente, começamos a esquecer um pouco -, quando ele ainda estava em circulação, organizou na Grã-Bretanha uma liga de camponesa especial interessado nessa “relação” com o campo [7]. Eu não sei qual a forma que assumirá essa “relação” nas condições britânicas, mas na língua de Lloyd George a palavra certamente parece bastante problemática. Em todo o caso, não recomendaria que ele fosse eleito administrador de qualquer distrito rural, nem membro honorário da Sociedade dos Amigos do Rádio, pois ele, sem dúvida, não deixaria de cometer alguma fraude ou ato de corrupção [Aplausos]. Enquanto na Europa a volta do interesse pela questão da relação com o campo é, por um lado, uma manobra político-parlamentar e, por outro lado, um sintoma significativo do medo do regime burguês, para nós, o problema das relações econômicas e culturais com o campo é uma questão de vida e morte no pleno sentido da palavra. A base técnica desta relação deve ser a eletrificação, e isso está direta e imediatamente conectado com o problema da difusão do rádio em grande escala. Para cumprir as tarefas mais simples e urgentes, é necessário que todas as partes da União Soviética possam conversar umas com as outras, que o campo possa ouvir a cidade como a um irmão mais velho, mais culto e mais preparado. Sem o cumprimento desta tarefa, a propagação do rádio permanecerá um brinquedo para os círculos privilegiados da cidade.

Foi afirmado no informe de vocês que, em nosso país, três quartos da população rural não sabe o que é o rádio e que o outro quarto só o conhece por conta de demonstrações especiais ou dias festivos. Nosso programa deve garantir que todas as vilas não só devam saber o que é o rádio, mas possuir sua própria estação de rádio.

Para onde caminhamos?
O diagrama anexado ao seu relatório mostra a distribuição dos membros da Sociedade de acordo com a classe social. Os trabalhadores representam 20% (essa é a pequena figura com o martelo); os camponeses 13% (a figura ainda menor com a foice); trabalhadores de escritório 49% (a figura carregando uma pasta); e então vem 18% dos “outros” (não diz ao certo quem são, mas há um desenho de um cavalheiro com um chapéu, uma bengala e um lenço branco no bolso do peito, evidentemente um Nepman [8]). Não sugiro que essas pessoas com lenços sejam expulsas da Sociedade dos Amigos do Rádio, mas devem ser acompanhadas e enquadradas como mais rigor, de modo que o rádio pode ser mais barato para as pessoas com martelos e foices [Aplausos]. Menos ainda, penso que o número de membros com pastas deve ser reduzido mecanicamente. Mas é necessário, no entanto, que os dois grupos básicos sejam aumentados a todo custo! [Aplausos]. 20% de trabalhadores – isso é muito pouco; 13% de camponeses – isso é vergonhosamente pouco. O número de pessoas com chapéus é quase igual ao número de trabalhadores (18%) e excede o número de camponeses, que compõem apenas 13%! É uma violação flagrante da constituição soviética. É necessário tomar medidas para garantir que, no próximo ano ou dois, os camponeses se tornem cerca de 40%, os trabalhadores 45%, os trabalhadores de escritório dez por cento e os chamados “outros” – cinco por cento. Essa será uma proporção adequada, de acordo com o espírito da constituição soviética. A conquista da aldeia pelo rádio é uma tarefa para os próximos anos, muito intimamente ligada à tarefa de eliminar o analfabetismo e da eletrificação do país e, até certo ponto, uma condição prévia para o cumprimento dessas tarefas. Cada província deveria estabelecer a conquista do campo com um programa definido de desenvolvimento de rádio. Coloquemos sobre a mesa o mapa de uma nova guerra! Primeiramente, cada centro provincial e cada uma de suas aldeias maiores devem ser ganhas para o rádio. É necessário que a nossas aldeias analfabetas e semialfabetizadas, mesmo antes de lidar com a leitura e escrita como deveria ser, tenha acesso à cultura através do rádio, que é o meio mais democrático de transmissão de informações e conhecimentos. É necessário que, por meio da rádio, o camponês possa se sentir um cidadão da nossa União, um cidadão do mundo inteiro.

Do campesinato depende, em grande medida, não só o desenvolvimento de nossa própria indústria – isso é mais do que claro: do nosso campesinato e do crescimento de sua economia dependem também, até certo ponto, a revolução nos países da Europa. O que preocupa os trabalhadores europeus em sua luta pelo poder- e não sem motivo -, e que os socialdemocratas utilizam inteligentemente para seus propósitos reacionários, é a dependência da indústria europeia em relação aos países coloniais no que se refere aos alimentos e às matérias-primas. A América fornece grãos e algodão; Egito fornece algodão; cana-de-açúcar da Índia; borracha da Malásia etc., etc. O perigo é que um bloqueio americano, por exemplo, possa sujeitar a indústria da Europa durante os meses e anos mais difíceis da revolução proletária. Nessas condições, um aumento da exportação de nossos grãos e matéria-prima soviética de todos os tipos é um poderoso fator revolucionário em relação aos países da Europa. Nossos camponeses devem ser conscientizados de que todos os feixes extra colhido e enviado para o exterior são são um peso adicional na balança da luta revolucionária do proletariado europeu, pois esse feixe reduz a dependência da Europa sobre a América capitalista. Os camponeses turcomenos que estão produzindo algodão devem estar ligados aos trabalhadores têxteis de Ivanovo-Voznesensk e Moscou e também ao proletariado revolucionário da Europa. Uma rede de estações de rádio deve ser estabelecida em nosso país, o que permitirá que nossos camponeses vivam a vida dos trabalhadores da Europa e do mundo inteiro participando de seu dia a dia. É necessário que naquele dia em que os trabalhadores da Europa tomem o controle das estações de rádio, quando o proletariado da França assumir a Torre Eiffel e anunciar desde o seu cume em todas as línguas da Europa que são os dirigentes da França [Aplausos], que naquele dia e hora não só os trabalhadores de nossas cidades e indústrias, mas também os camponeses de nossas aldeias mais remotas, possam responder ao chamado dos trabalhadores europeus: “Você nos ouve?” – “Nós o ouvimos, irmãos, e nós o ajudaremos!”[Aplausos]. A Sibéria ajudará com gorduras, grãos e matérias-primas, o Kuban e o Don com grãos e carne, Uzbequistão e Turcomenistão contribuirão com o algodão. Isso mostrará que nossas comunicações de rádio trouxeram mais perto a transformação da Europa em uma única organização econômica. O desenvolvimento do rádio e da rede telegráfica é, entre tantas outras, a preparação do momento em que os povos da Europa e da Ásia se unirão em uma União Soviética dos Povos Socialistas [Aplausos].


NOTAS

[1] Versta é uma unidade de medida já obsoleta usada na Rússia. Um verst é equivalente a 1.066,8 metros. Atualmente, em linguagem coloquial, um verst é usado como o equivalente a um quilômetro (nota do tradutor brasileiro).

[2] Refere-se ao livro Antecipações das consequências do progresso mecânico e científico sobre a vida e o pensamento humano (tradução livre), conhecido na língua inglesa por apenas Antecipations. O livro foi escrito em 1901 por Hebert George Wells, mais conhecido como H. G. Wells. Uma de suas obras mais conhecidas é o romance-ficção A guerra dos mundos (nota do tradutor brasileiro).

[3] Sensualismo é uma abordagem filosófica empirista segundo a qual todos os conhecimentos e faculdades do espírito decorrem das sensações (nota do tradutor brasileiro).

[4] O discurso foi feito no Museu Politécnico e transmitido via rádio (N. do. T.).

[5] Após 1932 a cidade passou a se chamar apenas Ivanovo. Conhecida como “capital têxtil” da Rússia até os dias de hoje (nota do tradutor brasileiro).

[6] Trotsky se refere às negociações franco-soviéticas sobre as negociações de pagamento das dívidas czaristas aos credores franceses. Raskovsky foi embaixador soviético na França e, mais tarde, acabou se tornando mais uma das vítimas de Stalin (N. do T.).

[7] Land and Nation League, fundada em 1923 (N. do. T.).

[8] NEPmen foram pequenos negociantes que se aproveitaram das oportunidades de comércio privado abertas com a Nova Política Econômica instituída por Lenin em 1921. A palavra é formada pela junção de duas palavras inglesas: NEP (New Economic Policy) mais a palavra men (“homens”) (nota do tradutor brasileiro).

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TRADUÇÕES COMPARADAS

TROTSKY, L. Radio, Science, Technique and Society. Disponível em: <https://www.marxists.org/archive/trotsky/1926/03/science.htm>. Acesso em: 12 fev. 2018.torsky

______. Radio, ciência, técnica y sociedade. Disponível em: < https://www.marxists.org/espanol/trotsky/1920s/literatura/8e.htm>. Acesso em: 12 fev. 2018.

______. Radio, ciência, técnica y sociedade. Disponível em: https://www.nodo50.org/ciencia_popular/articulos/Trotsky1.htm>. Acesso em: 15 fev. 2018.

Traduzido por Romerito Pontes