Uma abordagem política, simultaneamente conjuntural e estrutural, do Brasil, em 2018, exige a tematização do caráter do Estado na sociedade brasileira de classes. Sem isto, os xingamentos tomam o lugar das discussões em profundidade. Retornar a Lenin justifica-se assim.

Para Lenin o Estado existe no antagonismo inconciliável entre as classes. Reler os escritos deste homem de ação e de pensamento abre horizontes na medida da recuperação de um relevante fio das tradições teóricas e práticas.

O pensamento de Marx entre os seus mais variados manuscritos e os textos mais elaborados doutrinariamente –no sentido de ideias organizadas – passa pelas vicissitudes vividas por outros pensadoras importantes. De voz dos explorados, dos oprimidos e dos dominados, para objetos de uma leitura assimilada por aqueles, de outro modo, surdos às vozes dos debaixo.

Durante a sua trajetória existencial de revolucionário, Marx viveu uma perseguição incansável desde os heroicos exílios combinados ao prosaico e sem glamour das necessidades cotidianas não atendidas. Punições e privações no duro quadro de uma existência de pobreza.

Tudo em consequência da rejeição e do combate às ideias em surgimento e elaboração. Mais que um combate – uma perseguição marcada pela ferocidade. Destruir Marx era preciso.

Quando morrem, para figuras como Marx, as coisas pioram. Mudam-se os modos de ver e atuar.

Começam as mentiras e a difamação. Ataques sempre com um caráter de classes – das classes dominantes. Nas mudanças nos modos incorporam-se algumas sutilezas e malícias. Marx transforma-se em ídolo inofensivo nas estantes e bibliotecas. Canonizar e cercar de uma auréola a figura de Marx como tática de esvaziamento de sua força interpretativa e transformadora.

De que serve uma faca sem gume? De que serve um Marx fora da perspectiva revolucionária?

As classes exploradas, oprimidas e dominadas, em perspectivas do século XXI, reestabelecem um encontro com Marx. Marcam um encontro com a dialética, o método e a perspectiva revolucionária de Marx e inspiram-se na teoria do valor, por exemplo. Marx é um ponto de referência no redemoinho das lutas operárias em extensão e intensidade.

A burguesia, os oportunistas, os sectários, se unem no interior do movimento operário, das lutas da classe trabalhadora. Tudo isto em um sentido – o esquecimento, o esbatimento, o desvirtuamento do caráter revolucionário da tradição fincada em Marx, Engels e Lenin; e outros.

Sem os fundamentos revolucionários esvazia-se um tradição portadora em longo tempo histórico do fio revolucionário – como uma repetição, uma constante a se fazer pesadelo dos exploradores, opressores e dominadores. Simultaneamente, uma dimensão teórica e uma prática, uma orientação de análise, caracterização e programa para a intervenção em perspectiva revolucionária.

Tornar a leitura de Marx palatável, aceitável à burguesia é a tarefa a que se propõem muitos. Azedam o paladar da burguesia e apodrecem as bases intelectuais a que se dedicam. Uma combinação indigesta à inteligência.

Cultivam chauvinismos de todos os tipos. Nacionalistas, burocratas, sindicalistas, universitários, editoriais – uma lista imensa de inimigos do combate. Evitam a todo custo os combates dos explorados, oprimidos e dominados – ficam do lado oposto.

Marx, Engels e Lenin pensam limpidamente o Estado. Solidamente, os fundadores do socialismo científico, ou, o socialismo enquanto expressão dos movimentos da realidade histórica e social, configurada na classe trabalhadora se confirmam em relevância abundante quando revisitados. Nunca é demais enfatizar a relevância de leituras e releituras de autores desta envergadura.

O Estado não é exterior à sociedade. Ele aparece e se consolida em determinado momento histórico e social. Nasce no interior da sociedade. Se põe acima dela, no interior de um conjunto de relações de classes. Portanto, nem conciliação nem superposição. O Estado posto a nu é um corpo de contradições inconciliáveis – contradições de classes. Antagonismos de classes insuperáveis sem uma revolução.

O Estado é uma exigência histórica e social decorrente das contradições de classes serem inconciliáveis. As contradições de classes não podem objetivamente ser conciliadas – então exigem o Estado. As contradições de classes são inconciliáveis – repita-se exaustivamente – exigindo o Estado em sua manutenção como figura de uma dominação.

O Estado assegura a conciliação de classes. Garante a dominação de uma classe – no capitalismo, como agora – da burguesia. Mantém a opressão de uma classe por outra. Cria e institucionaliza a exploração, a opressão e a dominação. Dá uma forma interesseira e interessada aos conflitos entre as classes. Para certa política, a ordem é a conciliação de classes, a opressão de uma classe por outra, garantindo uma continuidade e conservando uma forma histórica e social.

Conter os conflitos e conciliar para eliminar os processos de combate. Nada de lutas entre as classes. Um Estado em bom estado.

Entender o papel do Estado em toda a sua extensão teórica e prática é fundamental. Na visão deslocada pela localização de classe – rememorar a pequena-burguesia – amplos setores caem no horizonte das concepções e práticas de conciliação de classes. A conciliação de classes leva ao oportunismo e ao cancelamento da disposição de lutas. Nem o palavrório socialista permanece. Apaga-se tudo que pudesse lembrar a revolução.

Deforma-se o marxismo. Sem sutilezas, nada de combate. Vale somente a conciliação, sem o reconhecimento das classes antagônicas inconciliáveis. Não se coloca, de nenhum modo, o percurso da análise, do desenho social e histórico, na construção de um programa revolucionário.

No Brasil de 2018, a tragédia é perder a estratégia da revolução, na tentativa de ganhar na tática das eleições.


Esta espécie de pequeno ensaio dispensa referências ao final. Nesta nota, cabe a indicação de Estado e Revolução (1917), de Lenin, – na edição acessível e/ou preferida do leitor – como um mote desta variação.