Crise econômica mundial e tendências da divisão internacional do trabalho

Quase uma década após a eclosão da crise econômica mundial ainda não se vislumbra uma solução para os problemas que comprometem o dinamismo da economia mundial. Embora todos os organismos internacionais tenham prognosticado que a crise seria de curta duração, prevendo reiteradamente uma recuperação relativamente rápida, cuja trajetória, da perspectiva gráfica, assumiria a forma de uma letra V, U ou, na pior hipótese W, crescem as evidências de que a superação dos problemas que paralisam a acumulação de capital deve se arrastar por tempo indeterminado, assumindo uma forma mais parecida com uma letra L. A gravidade do momento histórico fica patente quando se constata que, não obstante o oceano de recursos públicos mobilizados para socorrer o grande capital e evitar o colapso do sistema financeiro internacional, as providências tomadas para conter o pânico dos mercados e interromper a espiral recessiva não foram suficientes para desanuviar as incertezas dos empresários e permitir a retomada do desenvolvimento capitalista. Desde a eclosão espetacular da crise em 2008, a renda per capita dos países desenvolvidos permanece estagnada; os investimentos continuam deprimidos; a expansão do comércio internacional encontra-se bem abaixo de seu padrão histórico; o desemprego atinge uma magnitude alarmante, sobretudo entre os jovens; os salários sofrem forte pressão baixista; a concentração funcional da renda aumenta em ritmo alarmante.

Com a interrupção do movimento expansivo de acumulação, a lógica do capital ficou sob o império da lei do valor em tempos de crise. A necessidade de eliminar capitais excedentes sem bases reais para alimentar o circuito de valorização, cristalizados na forma de forças produtivas, mercadorias e capital fictício, acirrou a concorrência intercapitalista, tranformando a disputa entre as diferentes frações de capitais numa luta desesperada pela própria sobrevivência. Instaurada a guerra fratricida entre capital novo e capital velho, a lei do valor manifesta-se de maneira particularmente violenta. Na impossibilidade de socializar os benefícios advindos do desenvolvimento das forças produtivas, na forma de redução da jornada de trabalho e subordinação da produção ao atendimento das necessidades dos trabalhadores, a destruição de riqueza impõe-se como único meio de abrir caminho para a introdução de técnicas mais produtivas e, assim, restaurar as condições para a retomada do processo de acumulação.1

A duração do processo de recomposição das condições que permitem a retomada da acumulação será determinada pelo tempo necessário para a digestão do excedente absoluto de capital, condição necessária – ainda que insuficiente – para a abertura de novas frentes de expansão do capitalismo. Ao colocar em questão a unidade das relações sociais, internacionais e transnacionais que sustentam o processo de globalização dos negócios, a crise inaugura uma conjuntura histórica marcada por transformações de grande envergadura em todas as dimensões da vida social. Embora a superação da crise tenha determinantes econômicos propriamente ditos, trata-se, na verdade, de um problema essencialmente político, pois a reconstituição da relação de unidade entre produção, distribuição e circulação em escala global implica mudanças profundas nas forças produtivas, relação capital e trabalho, caráter da concorrência entre os gigantescos monopólios que controlam a economia mundial, padrão de intervenção do Estado na economia e organização da divisão internacional do trabalho.2

O conhecimento dos mecanismos que condicionam a digestão do excedente absoluto de capitais e a abertura de novas frentes de investimento é fundamental para o entendimento do sentido das mudanças estruturais que impulsionam a reorganização do sistema capitalista mundial. Neste artigo, destacaremos as tendências mais gerais que regem a reorganização da divisão internacional do trabalho tendo em vista o objetivo de delimitar os condicionantes históricos que sobredeterminam o movimento das economias latino-americanas. A exposição será desdobrada em quatro movimentos. Na seção i, apresentaremos o caráter da política econômica que vem sendo levada a cabo para administrar a crise – a solução americana. Na seção ii, caracterizaremos o padrão de concorrência baseado no estrangulamento financeiro e tecnológico, mostrando seus efeitos contraditórios sobre a renovação das forças produtivas. Na seção iii, examinaremos a relação entre o salto de qualidade no desenvolvimento das cadeias de valor propiciado pelos avanços da “revolução algorítmica” e a emergência de um sistema de produção contínua. Na seção iv, definiremos as linhas mestras do processo de reorganização da ordem econômica internacional comandado pelos Estados Unidos – a integração profunda. Por fim, na seção v, apresentaremos um breve esboço das tendências que condicionam a reorganização da divisão internacional do trabalho, destacando suas consequências particularmente nefastas para as economias periféricas de uma maneira geral e as latinoamericanas em particular.

i. A solução americana
Sob a liderança norte-americana, as potências capitalistas reagiram à crise, colocando como prioridade absoluta a defesa dos interesses imediatos e estratégicos de seus grandes conglomerados econômicos e financeiros. A subordinação da política econômica aos desideratos de corporações consideradas muito grandes para quebrar – “too big to fail” – e muito grande para serem reestruturadas – “too big to be restructured” – submeteu a digestão dos excedentes absolutos de capitais à temporalidade do grande capital. A importância expressiva da riqueza velha na estrutura patrimonial dos grandes conglomerados levou à imposição de uma lógica particularmente perversa de administração da crise, cuja essência consiste em diluir no tempo a desvalorização dos excedentes de capitais condenados à destruição; transferir os ativos de pior qualidade – os “micos” – para o Estado periféricos e para as frações mais débeis da burguesia mundial; e aumentar a superexploração do trabalho em escala global.

Na etapa superior do capitalismo monopolista, as transições provocadas pelas crises econômicas são particularmente complexas e difíceis. Os problemas práticos colocados pela necessidade de expropriar blocos de capitais realmente gigantescos tornam extraordinariamente lenta a temporalidade que rege a recomposição das forças produtivas e a reorganização da estrutura orgânica do capital correspondente. Ao bloquear a introdução de inovações radicais, impedindo a emergência de riqueza nova, a defesa patrimonialista da riqueza velha inviabiliza uma rápida retomada do desenvolvimento capitalista. Na impossibilidade de revolucionar as forças produtivas, pois os grandes monopólios bloqueiam qualquer aumento na produtividade do trabalho que possa levar à desvalorização abrupta de seu capital fixo, os capitais inativos são canalizados para ativos financeiros, especulação mercantil ou investimentos portadores de inovações de segunda ordem que, sem representar grandes saltos na produtividade do trabalho, dão uma sobrevida aos capitais ameaçados de desvalorização. Nessas condições, a hipertrofia da esfera financeira é inevitável. Antes de uma manifestação patológica que poderia ser corrigida pela vontade política de coibir a especulação e estimular à demanda agregada, como imaginam os neokeynesianos, a primazia dos interesses de uma aristocracia capitalista encastelada no mercado financeiro reflete o impasse gerado pela presença de grandes massas de capitais condenados à liquidação que relutam em deixar a cena.3 Reflexo da potência extraordinária do grande capital, a expansão exponencial da riqueza financeira é efeito e não causa das contradições que comprometem a acumulação de capital.

A subordinação do ritmo e intensidade de digestão do excedente absoluto de capital à lei do mais forte implica processos de concentração e centralização de propriedade, baseados na concorrência por estrangulamento financeiro e tecnológico, que demandam operações econômicas, mercantis e financeiras que se arrastam em movimentos de longa duração. Sem a presença de uma força política que coloque limites aos efeitos deletérios da luta de vida ou morte entre o capital velho e o capital novo, o movimento da crise avança como cabra cega, ao sabor das circunstâncias, buscando a recomposição das condições que permitem a retomada da acumulação de capital pela linha de menor resistência, numa marcha insensata que combina especulação e “ajuste liberal” como imperativos que submetem tudo – economia, sociedade e meio ambiente – à violência da concorrência econômica e do arbítrio político a serviço dos grandes blocos de capital que disputam o controle do mercado mundial. Enquanto o capital anacrônico não for liquidado, as contradições que bloqueiam a retomada do desenvolvimento capitalista não serão superadas. Não causa surpresa que a situação da economia mundial seja sombria em praticamente todas as frentes.

A persistência de um estado de superprodução não abre horizonte para a retomada dos investimentos. De um lado, a defesa da riqueza velha perpetua o excesso de capacidade ociosa não planejada. As baixas taxas de utilização nas indústrias de aço, automobilística, química, naval, aérea, eletrônica e construção indicam que ainda há um longo caminho a percorrer antes que a liquidação de forças produtivas anacrônicas abra novas frentes de expansão para o desenvolvimento capitalista.4 De outro lado, a ofensiva contra o trabalho coloca em perspectiva uma crescente discrepância entre aumento na produtividade do trabalho e aumento salarial, comprometendo a capacidade de consumo da sociedade.5 Sem resolver a crise de superprodução, a economia mundial fica submetida a poderosas tendências recessivas.6 A dificuldade de generalizar saltos na produtividade do trabalho pelo conjunto do sistema econômico é compensada pelo ataque sistemático aos direitos dos trabalhadores. Ao gerar uma forte pressão para o rebaixamento do nível tradicional de vida dos trabalhadores, o desdobramento da crise implica aumento da massa trabalhadora pauperizada, redução de salário e contração de gastos sociais.7

Na ausência de um horizonte para a expansão do capitalismo, a monetização dos ativos tóxicos que estavam nas carteiras das grandes instituições financeiras pelo Estado recompôs a “exuberância irracional”, alimentando o reaparecimento de grandes bolhas especulativas. A persistência de um forte descompasso entre acumulação produtiva e acumulação financeira não dissipou o espectro de crises financeiras de grandes proporções. A gravidade do problema fica patente quando se leva em consideração que já em 2013 o valor dos derivativos no mercado financeiro superava o nível de 2007, atingindo um montante equivalente a nove vezes o PIB mundial.8

O trauma gerado pela crise que abalou o sistema financeiro global não foi aproveitado para restringir a ação predatória dos grandes conglomerados financeiros. As medidas tomadas pelo G-20 e pelo governo Obama para frear a especulação desenfreada foram paliativos que apenas institucionalizaram o cassino financeiro. Orientadas para conter os problemas gerados pela falência dos mercados e não para preveni-los, as restrições às aplicações especulativas dos bancos, o aumento do poder de fiscalização das autoridades monetárias e a maior proteção aos consumidores de serviços financeiros mitigam os efeitos mais perversos da liberalização financeira, mas não são suficientes para evitar a reconstrução de pirâmides especulativas. Nada foi feito para enfrentar as forças responsáveis pela ciranda financeira: o tamanho dos bancos não foi limitado; as operações do sistema financeiro não foram segmentadas; o espaço para a criação de derivativos não foi restringido; a livre mobilidade dos capitais não foi coibida.9 O pouquíssimo feito, começou a ser desfeito por Trump.

A estratégia dos Estados Unidos de transferir o sacrifício decorrente da tendência à desvalorização de capitais para as demais economias provocou à metástase da crise. A capacidade do império norte-americano de manipular arbitrariamente o dólar, fazendo juros e câmbio oscilarem conforme suas conveniências, bem como seu poder para impor pactos espúrios que aprofundam o processo de liberalização acirraram as rivalidades nacionais.10 Submetidos à violência da guerra cambial, às vicissitudes dos fluxos de capitais e à fúria do padrão de concorrência comercial imposto por Washington, praticamente todos os países ficaram sujeitos a processos de desestruturação que colocam em questão a integridade do sistema produtivo, o equilíbrio estrutural das contas externas e a própria sobrevivência de suas bases empresariais, permanentemente sujeitas à ameaça de desnacionalização selvagem.11

O apoio incondicional da política econômica ao grande capital solapou a eficácia dos dois principais instrumentos de intervenção do Estado na economia. A nacionalização da bancarrota levou à escalada da dívida pública e, como consequência, ao comprometimento da política fiscal com o “regime de austeridade” que imobiliza a capacidade do Estado de fazer políticas públicas.12 A decisão de utilizar a política monetária para financiar indiscriminadamente a reestruturação da carteira das instituições financeiras reascendeu a bolha especulativa. Presa à “armadilha da liquidez”, caracterizada pela absoluta insensibilidade dos investimentos à redução na taxa de juro, as autoridades monetárias norte-americanas viram-se diante de um impasse. Se mantém a política monetária expansionista, alimentam a ciranda financeira, se a abandonam, ameaçam detonar uma nova crise financeira, generalizar crises de dívida soberana.13

Enfim, ao socializar os prejuízos, os Estados imperialistas jogam o ônus da crise nas costas das classes trabalhadoras de uma maneira geral e das que vivem no capitalismo dependente em particular. O deslocamento dos efeitos destrutivos da crise para economias que até a pouco eram tidas como exemplo de vigor e dinamismo, entre as quais China, Índia, Rússia e Brasil, indica que as contradições responsáveis pela crise capitalista estão se aprofundando e generalizando. A reorganização da economia mundial em curso será um processo turbulento e de longa duração.

ii. Concorrência por asfixia financeira e tecnológica e desenvolvimento das cadeias de valor
A urgência de evitar a desvalorização de trabalho morto e a necessidade de explorar trabalho vivo – as forças motrizes que condicionam a concorrência intercapitalista em tempos de crise – levam ao paroxismo as rivalidades entre os grandes blocos de capitais que disputam o controle do mercado mundial. Nesse contexto, a presença de um gigantesco excedente de capital inativo que circula na esfera financeira impõe, por diferentes mecanismos, a disciplina implacável da lei do valor em tempos de crise ao conjunto dos capitalistas individuais. Porquanto a mobilização do capital na forma de moeda e ativos financeiros está organicamente orientada para a produção de mais valia, a presença de uma massa fenomenal de riqueza financeira que circula em escala global potencializa a capacidade do capital em geral de impulsionar e controlar a produção de mais valia em escala mundial. Expressão material da força social do grande capital, as finanças impacientes tornam imperativo a ofensiva irrefreável do capital sobre o trabalho. As gigantescas reservas de capital à disposição dos capitalistas em função, a maior capacidade de fiscalização do desempenho individual das empresas pelas instituições financeiras e a mudança qualitativa no grau de mobilidade setorial, espacial e temporal do capital obrigam as frações de capital a buscar, por todos os meios – revolução nas forças produtivas, rebaixamento do nível tradicional de vida dos trabalhadores e expansão do mercado mundial – desvalorizar as forças produtivas obsoletas, acelerar a rotatividade do capital, aumentar a produtividade do trabalho e intensificar a exploração do trabalho em escala global.14

O confronto entre os grandes blocos de capitais que disputam a primazia do mercado mundial assume a forma de eliminação dos concorrentes por meio de estrangulamento tecnológico e financeiro, cuja essência consiste em transferir o ônus do processo de liquidação do excedente absoluto de riqueza para as frações de capital sem estrutura técnica e financeira para suportar as vicissitudes da lenta transição para um novo padrão de desenvolvimento capitalista. O segredo consiste em evitar a todo custo a desvalorização do próprio capital, acelerando a amortização dos equipamentos anacrônicos, enquanto se procura abrir espaço para a incorporação de tecnologias que, sem comprometer a sobrevivência do estoque de capital fixo obsoleto em carteira, representem um ganho diferencial na produtividade do trabalho, abrindo espaço para a necessária renovação da estrutura patrimonial – uma imposição inescapável da lei do valor em tempos de crise.15

O padrão de concorrência por estrangulamento financeiro e tecnológico materializa-se basicamente na combinação de três movimentos: 1º) A fim de minimizar o risco de liquidação abrupta de capitais anacrônicos e diminuir o prejuízo provocado pela compressão das taxas de lucro, as grandes corporações procuram abreviar ao máximo a depreciação contábil do equipamento obsoleto e reduzir seus custos operacionais e fixos, buscando desesperadamente obter ganhos de escala, deslocar o equipamento para regiões onde a força de trabalho e a matéria prima são mais barata, e fortalecer a estrutura de capital, através de diversas modalidades de aquisições, fusões e incorporações; 2º) No entanto, como não podem ficar pura e simplesmente entrincheiradas na defesa intransigente da riqueza velha, pressionadas pela concorrência, intensificam a incorporação de progresso técnico, procurando formas de aumentar a produtividade do trabalho, modernizar a gestão, conquistar novos mercados e abrir novas frentes de investimento; 3º) A contradição entre a necessidade de defender o capital velho e fomentar a emergência de capital novo, consubstanciada na necessidade de levar em consideração a rentabilidade da totalidade do capital fixo – o capital velho e o capital novo -, faz com que as empresas privilegiem inovações de segunda ordem que geram aumentos marginais na produtividade do trabalho e aceleram a expansão e diversificação do círculo de consumo de bens conspícuos.

A luta pela sobrevivência obriga assim os grandes blocos de capitais a administrar a incorporação de progresso técnico pelo acirramento da suma destrutibilidade da produção e do consumo regidos pela taxa de uso decrescente das mercadorias e pela subutilização das forças produtivas.16

De um lado, em condições de custos marginais decrescentes, o caráter predatório de um padrão de concorrência baseado na guerra de preços, diversificação de produtos, baixas margens de lucro, elevado endividamento e compressão de salários transforma a busca desesperada de ganhos de escala num imperativo inescapável da concorrência. Nessas circunstâncias, como a perda de mercados estratégicos seria fatal, a sobrevivência da empresa passa a depender da contínua ampliação da capacidade produtiva instalada. As grandes massas de capitais imobilizados na luta pelo controle do mercado mundial aprisionam, assim, os grandes blocos de capitais em atividades de baixa lucratividade.17

De outro lado, no afã de obter lucros extraordinários, as empresas procuram introduzir inovações. Pelos efeitos sinergéticos sobre o conjunto das forças produtivas, as tecnologias de informação e comunicação associadas à “revolução algorítmica” despontam como o principal vetor de transformação no modo de produzir bens e serviços.18 Potencializando o uso de dígitos binários para formalizar e codificar informações, a maior capacidade de converter conhecimento em bits consolida-se como a principal fonte de aumento na produtividade do trabalho, redução dos custos com capital fixo, diminuição das despesas com salários, racionalização do processo de circulação, intensificação do tempo de rotação do capital e ampliação do circuito de mercantilização das necessidades sociais. Pelo seu potencial revolucionário na produção de bens e serviços e pelo seu impacto generalizado sobre o conjunto das atividades econômicas, estima-se que a frente de inovação aberta pela “revolução algorítmica” tenha o potencial de aprofundar o fosso entre a indústria tradicional, baseada em processos intensivos em trabalho, e a indústria moderna, fundada em sofisticados processos que combinam informação digital e alta tecnologia.19

No entanto, enquanto a importância relativa do capital velho preponderar sobre o capital novo na estrutura patrimonial dos grandes conglomerados, o potencial aberto pela “revolução algorítmica” será utilizado para maximizar a difusão de tecnologias que dão uma sobrevida aos produtos e processos ameaçados de desvalorização. A necessidade de rápido retorno para os investimentos direciona parcela expressiva dos recursos destinados a pesquisa e desenvolvimento para inovações imediatistas e atividades não científicas que procuram aumentar o poder de mercado das empresas pelo desenvolvimento dos chamados “ativos intangíveis”, fundados em direitos sobre a propriedade intelectual – patentes, marcas, canais de distribuição, acordos de licenciamento, contratos favoráveis, franchising, parcerias de negócios, etc.20 A crescente importância de despesas com marketing, propaganda e comunicação em relação aos gastos com pesquisa e desenvolvimento de novos produtos e processos é uma evidência inequívoca dos bloqueios gerados pela presença de uma grande massa de capital obsoleto que luta desesperadamente pela sobrevivência.

Como as empresas que não conseguem acompanhar o ritmo das inovações ficam ameaçadas de serem expelidas do mercado, a difusão acelerada das novas tecnologias impõem-se como imperativo de vida ou morte. Ao reforçar a tendência baixista dos preços comprimindo ainda mais as margens de lucro, o progressivo encurtamento do ciclo de inovação e difusão de progresso técnico aumenta a pressão para a desvalorização dos capitais fixos anacrônicos, repondo a necessidade de introdução de inovações secundárias para dar uma sobrevida aos equipamentos velhos. Os conglomerados que permanecem no jogo são obrigados a dobrar as apostas, dando lugar a um padrão de introdução e difusão de progresso técnico que perpetua o estado de superprodução estrutural que paralisa a economia mundial. Enquanto a definição de ganhadores e perdedores permanecer indefinida, o círculo vicioso de ações e reações aprisiona os grandes blocos de capitais num padrão de competição altamente predatório. A estratégia de eliminar os adversários por meio de estrangulamento financeiro e tecnológico favorece evidentemente os conglomerados com estrutura técnica e financeira mais robusta, maiores economias de escala e melhor posicionamento nos mercados globais estratégicos, sobretudo aqueles que contam com a retaguarda de potências imperialistas capazes não apenas de apoiá-los economicamente como também de imprimir seus interesses estratégicos na institucionalidade da ordem econômica internacional.

iii. Revolução algorítmica e sistema de produção continua
As tendências contraditórias que condicionam a concorrência intercapitalista submetem as empresas à “armadilha da comoditização”. Nessas circunstâncias, os capitalistas procuram repassar as atividades sujeitas à maior pressão baixista de preços a outras frações de capitais e concentrar o fulcro de suas operações em atividades com maior capacidade de geração e apropriação de valor. A luta pelo domínio sobre os pontos nodais do processo de geração e apropriação de valor – “the sweet spots of the value chain” – consubstancia-se na combinação de dois processos: o desenvolvimento de cadeias de valor em escala global e a incorporação de progresso técnico baseado na rápida introdução e difusão de inovações secundárias.21 O esforço para controlar os lugares nobres do processo produtivo exacerba o caráter desigual e combinado do desenvolvimento capitalista.22 Na extremidade superior da cadeia de valor, ficam localizadas as atividades estratégicas, ligadas aos determinantes fundamentais do processo de inovação, condicionadas pela capacidade de pesquisa e desenvolvimento das empresas.23 No polo oposto, as atividades rotineiras que permitem a máxima geração e apropriação do excedente, pela combinação de superexploração do trabalho, rendas monopólicas derivadas do poder de mercado e de diversas modalidades de royalties derivados de direitos sobre a propriedade intelectual.

Ao revolucionar o poder de analisar e quantificar o processo de produção e circulação de mercadorias, explicitando seus complexos elos dentro do circuito de valorização do capital, o salto nos meios de armazenar, processar e transmitir dados leva ao paroxismo a capacidade do capital codificar e monopolizar o conhecimento sobre o processo de trabalho. O maior controle sobre o processo de trabalho e seu modo de execução desencadeia uma nova rodada de expropriação do conhecimento tácito dos trabalhadores e de desencarnação de suas habilidades intrínsecas. A ampliação exponencial na possibilidade de sistematizar e estandardizar o processo de trabalho permite ao capital criar rotinas e padrões de qualidade que potencializam seu poder de comandar trabalho em escala global.24

A subordinação do processo de trabalho à disciplina da informação computadorizada dá ao capital grande versatilidade para modular os processos de produção e circulação de mercadorias em escala global.25 Ao simplificar as ações dos trabalhadores, intensificando as subdivisões que definem cada uma de suas tarefas individuais, o salto na capacidade de fragmentar e integrar o processo de trabalho aprofunda o divórcio entre concepção e execução do trabalho. Estabelecendo regras claras para a execução de cada ação, a racionalização dos procedimentos que compõem o processo de trabalho aprofunda a subsunção real da força de trabalho. A destituição do poder de iniciativa do trabalhador transforma a força de trabalho numa espécie de robô, esvaziado de sua essência humana, a ser moldado arbitrariamente pelos interesses do capital.26

Identificados os elos estratégicos e as competências fundamentais que permitem o máximo controle do processo de trabalho e das novas tecnologias, o grande capital passa a dispor de um amplo leque de possibilidades para aprofundar e acelerar a automação de trabalhos rotineiros, substituir trabalho por máquina, bem como segmentar e descentralizar as atividades produtivas, de serviços e comerciais.27 Ao abrir caminho para saltos na produtividade do trabalho, na intensidade de rotação do capital e na mercantilização das necessidades sociais, a “revolução algorítmica” representa uma transformação substancial no modo de produzir. A mudança fundamental está relacionada ao processo de fusão entre indústria e serviço.28 A novidade não se atém à automação de uma ampla gama de serviços estratégicos nem ao aparecimento de uma plêiade de atividades antes desconhecidas, nem mesmo à diluição da fronteira entre bens e serviços, mas à importância estratégica que a incorporação de serviços digitalizados assume na geração de valor agregado. O caráter complementar dos bens e serviços baseados nas novas tecnologias de informação cria possibilidades de economias de escala praticamente ilimitadas, pois o fim da produção compartimentalizada em setores estanques abre caminho para a emergência de um novo modo de produzir – um sistema de produção contínuo em que indústria e serviços se interpenetram.29

Num contexto de forte redução nos custos com transporte e transmissão de dados, a fusão entre indústria e serviço potencializa a segmentação do processo produtivo em complexas cadeias de valor que se articulam como um todo orgânico.30 Mais do que o desmembramento do processo de transformação de matérias primas em produtos finais, o salto qualitativo no desenvolvimento das cadeias de valor reside na capacidade adquirida pelo grande capital de dividir o processo de criação de valor em diferentes momentos tendo em vista o objetivo de maximizar a geração e apropriação de valor.31 O denominador comum desse processo é dado pela fragmentação da cadeia de valor nos pontos onde o conhecimento é mais explícito e codificado. No topo das cadeias de valor, concentram-se os trabalhadores que preservam, em algum grau, conhecimento estratégico para o desenvolvimento de pesquisa e desenvolvimento. Na camada intermediária, ficam trabalhadores especializados que possuem conhecimentos importantes para o funcionamento da empresa. Na base da cadeia, concentram-se trabalhadores recrutados para tarefas rotineiras e que não exigem qualificação. O grande capital beneficia-se duplamente: diretamente, pelo controle das unidades produtivas sob sua jurisdição, na forma de filiais e subsidiárias; e indiretamente, pelo poder de capturar, por meio de rendas monopólicas, parcela expressiva do valor adicionado em empresas subcontratadas e tercerizadas que ficam submetidas à necessidade de remunerar, sob a forma de royalties e trocas desiguais, a propriedade intelectual, o controle sobre as tecnologias, as redes de distribuição e comercialização, o uso das grandes marcas e o poder de mercado. 32

Ao intensificar a automatização da produção industrial e potencializar a capacidade de gerir complexas cadeias de valor, a emergência de um sistema contínuo de produção aprofunda as mudanças nas formas de organização da produção das últimas décadas, impulsionando um novo ciclo de integração da economia mundial.33 A diluição das fronteiras entre os setores produtivos amplia a possibilidade de articular tarefas e atividades localizadas em regiões afastadas geograficamente.34 Com o encurtamento da distância, a empresa verticalizada, que operava em setores rigidamente definidos, ancorados em espaços econômicos nacionais, é substituída por um sistema produtivo integrado, composto de uma complexa rede de empresas descentralizadas, articuladas pelo grande capital, através de uma multiplicidade de nexos mercantis e contratuais que abrangem dimensões produtivas, tecnológicas, financeiras, comerciais e patrimoniais.35

iv. Integração profunda e condicionantes estruturais da ordem econômica internacional emergente
A formação de cadeias de valor que atravessam fronteiras nacionais, cuja distribuição geográfica e desdobramento respondem à lógica da concorrência intercapitalista, cria um circuito fechado de produção e circulação de mercadorias. Ao solapar as bases nacionais do processo de acumulação de capital, o salto no grau de integração do sistema capitalista mundial coloca na ordem do dia a necessidade ajustar a institucionalidade dos espaços econômicos nacionais às novas exigências das grandes empresas multinacionais. Trata-se de adequar todas as dimensões do sistema capitalista mundial, a nacional, a internacional e a transnacional, à necessidade de viabilizar a máxima geração e apropriação de excedente do trabalho pelo capital. O fundamental é eliminar qualquer obstáculo social, político ou cultural que possa significar uma barreira à expansão da globalização, potencializndo a exploração do trabalho, eliminando todo óbice à circulação de riqueza entre os Estados nacionais, acelerando a padronização dos estilos de vida e consumo difundiudis das economias centrais, e subordinando integralmente as formas de intervenção do Estado na economia às exigências do grande capital.

O salto no processo de integração do sistema capitalista mundial – a “integração profunda” – representa um novo momento na globalização do capital.36 O sentido das transformações é determinado pela necessidade de viabilizar institucionalmente os três vetores fundamentais que impulsionam o esforço de contrabalançar a tendência decrescente da taxa de lucro pelo desenvolvimento das cadeias de valor: a arbitragem salarial em escala global que acirra a concorrência entre os trabalhadores de todas as regiões do mundo; o novo ciclo de monopolização das tecnólogias e conhecimento que redefine o papel do conhecimento na concorrência intercapitalista; e o substancial esvaziamento da soberania dos Estados nacionais que leva ao paroxismo os imperativos do capital como razão de Estado, potencializando a transferência de recursos públicos para o grande capital.

No que diz respeito às condições que regem a relação capital-trabalho, a integração profunda é impulsionada por um agressivo processo de arbitragem salarial em escala global. A sua importância estratégica como forma de elevação da taxa de exploração do trabalho fica patente quando se considera que, no início dos anos 2000, um trabalhador industrial norte-americano, cuja hora de trabalho custava U$ 21, podia ser substituído por um trabalhador industrial chinês que recebia U$ 0,64 – quase 33 vezes menos.37 Ao fomentar a concorrência direta entre trabalhadores de diferentes regiões do globo, a drástica redução nos custos da comunicação e transporte provoca uma corrida desenfreada em busca de salário baixo como base estratégica da concorrência intercapitalista. A exploração do trabalho é potencializada tanto pelo impacto positivo do desenvolvimento das cadeias de valor sobre a produtividade do trabalho como, principalmente, pelo seu efeito sobre redução do custo de reprodução da força de trabalho.38 A ofensiva contra os trabalhadores consubstancia-se na forma de um sistemático ataque aos direitos trabalhistas, criminalização da luta sindical, cortes salariais, desemprego, aumento na rotação do trabalho, terceirização, corte de direitos trabalhistas e sociais, ampliação da duração e intensidade da jornada de trabalho, downsizing, automatização, recurso generalizado a formas precárias de trabalho – trabalho temporário, infantil e feminino, abuso do trabalho ilegal de imigrante, etc.39

Num contexto de acelerada introdução e difusão de progresso técnico, a integração profunda requer a criação de mecanismos institucionais que garantam o controle absoluto do conhecimento pelos grandes conglomerados internacionais. A crescente importância das rendas monopólicas como forma de contrabalançar a tendência decrescente da taxa de luro transforma a propriedade intelectual num elemento estratégico da concorrência intercapitalista.40 A importância cada vez maior dos chamados “ativos intangíveis” como fonte de apropriação de excedente pelo capital requer à ampliação da noção de direitos sobre a propriedade para um amplo espectro de atividades intelectuais, desencadeando uma corrida pela apropriação da propriedade intelectual e pelo registro de patentes, copyrights, direitos de design, segredos de comércio, marcas etc.41 A fim de prolongar ao máximo as rendas monopólicas derivadas dos “ativos intangíveis”, as grandes corporações procuram, por todos os meios, expedientes que extrapolam a concorrência econômica propriamente dita para bloquear a difusão do progresso técnico.42 À medida que os direitos sobre propriedade intelectual tornam-se elementos vitais de proteção contra processo de comoditização, a concorrência intercapitalista passa a depender de maneira crescente de condicionantes que se decidem na esfera jurídica. A avidez pelo controle do conhecimento passível de ser submetido à mercantilização levou alguns analistas a aventar a hipótese de que se estaria diante de um movimento de usurpação de direitos coletivos análogo aos “cercamentos” que eliminaram as terras comunais na crise de transição do feudalismo para o capitalismo.43

A necessidade de maximizar as vantagens comparativas sobre os concorrentes não se atém à arbitragem salarial e à garantia da presença de mecanismos jurídicos de controle monopólico sobre o conhecimento. Na busca de um posicionamento estratégico no mercado mundial, o grande capital leva em consideração um amplíssimo espectro de questões – custos salariais, posicionamento privilegiado em mercados estratégicos, vantagens logísticas, riscos cambiais, custos fiscais, legislação trabalhista, segurança jurídica, custos ambientais, estabilidade política, acesso a matérias. Não surpreende que a integração profunda implique uma profunda redefinição da natureza da relação do grande capital com o espaço econômico nacional. A exigência de plena liberdade para determinar as condições que regem a circulação de mercadorias, tecnolgias e capital monetário, a transferência de lucro entre países e a redistribuição geográfica das atividades produtivas requer a criação de circuitos de valorização do capital em escala global que funcionam com elevadíssima autonomia em relação aos controles exercidos pelas sociedades nacionais.44

Não surpreende que as mudanças inscritas na integração profunda da economia mundial apontem para um substancial esvaziamento da soberania nacional.45 O fundamental é erradicar qualquer tipo de obstáculo – econômico, social, ambiental, político ou cultural – que possa representar restrição à acumulação de capital.46 A livre circulação de capital entre as economias que participam das cadeias de valor requer não apenas aprofundamento da liberalização, desregulamentação e privatização da vida econômica, mas também garantias de que a razão de Estado ficará totalmente subordinada à razão do grande capital.47 O esforço de blindar o patrimônio privado contra qualquer risco de origem política materializa-se na presença de uma série de instrumentos legais de caráter preventivo e punitivo, de alcance supranacional, contra toda intervenção do poder público que possa representar uma ameaça à rentabilidade dos negócios, aos privilégios do monopólio, à integridade da propriedade privada e até mesmo ao acesso prioritário aos fundos públicos. Daí a exigência de uma institucionalidade que interdita políticas sociais de corte keynesiano, impede a possibilidade de se estabelecer limites aos direitos de propriedade intelectual e proibe a desapropriação da propriedade privada.

Uma vez que o acesso ao exército industrial de reserva disperso pelas diferentes regiões do globo requer máxima liberdade de movimento para o capital, a integração profunda implica uma crescente concorrência entre Estados nacionais pela atração de capitais e defesa dos empregos nacionais. Impelidos pelo poder disciplinador do mercado, os Estados nacionais desdobram-se para submeter-se aos imperativos da integração profunda, potencializando, assim, sua própria impotência diante do grande capital. Cabe registrar que o esvaziamento da soberania nacional não significa o enfraquecimento do Estado nacional enquanto guardião da ordem burguesa, mas apenas a progressiva perda de sua capacidade de incorporar a perspectiva histórica e o interesse público na racionalidade substantiva que rege as ações do poder estatal.48

v. Integração profunda e tendências da divisão internacional do trabalho
Sob a batuta das grandes potências mundiais, Estados Unidos, Alemanha e Japão – as três grandes “fábricas” que lideram o desenvolvimento das cadeias de valor -, as novas regras da ordem econômica internacional estão sendo escritas à margem dos fóruns de negociação multilateral articulados pelas organizações internacionais criadas em Bretton Woods.49 Ao extrapolar o âmbito das negociações multilaterais, o vazio institucional gerado pelas mudanças na natureza das relações comerciais, produtivas e financeiras em curso tem sido preenchido pela proliferação de acordos preferenciais de comércio e iniciativas unilaterais de liberalização da economia.50 O sentido geral da integração profunda aponta para uma ampliação do caráter desigual do desenvolvimento capitalista. Em termos bem gerais, as mudanças na divisão internacional do trabalho combinam dois movimentos: o deslocamento de capital em direção ao trabalho e o inverso – o fluxo de trabalhadores em busca de emprego.51 Seja pela internacionalização de capitais seja pela manipulação dos fluxos migratórios, as transformações em curso tendem a desqualificar o trabalho, rebaixar o custo de reprodução da força de trabalho e fragmentar a classe operária.52

Ao acirrar a concorrência dos trabalhadores por empregos e salários, das empresas pela apropriação do lucro e das rendas monopólicas e dos Estados nacionais pela atração de investimentos e geração de emprego, a nova rodada de liberalização da economia global leva ao paroxismo o processo de especialização da economia mundial. Quanto maior a padronização do processo de trabalho e menor o envolvimento de conhecimentos estratégicos para a concorrência intercapitalista tanto maior é a possibilidade de sua terceirização e deslocamento para empresas subsidiárias e regiões periféricas da economia mundial. As atividades que exigem trabalho qualificado e pagam salários mais elevados tendem a concentrar-se nas economias desenvolvidas e as que exigem trabalho não qualificado e pagam salários menores, nas economias subdesenvolvidas. A possibilidade de separar radicalmente as atividades de produção e desenvolvimento tecnológico leva o sistema de inovação a enraizar-se ainda mais nas economias desenvolvidas, deixando as tecnologias de uso difundido incorporadas nos meios de produção para as regiões periféricas com abundância de força de trabalho barata.

À medida que a produção industrial deixa de ser organizada tendo como base o espaço econômico nacional, tornando-se um processo que se dá em escala transnacional, vinculada ao desenvolvimento de complexas cadeias de valor, os condicionantes do processo de industrialização mudam, com forte repercussão sobre a reorganização da divisão internacional do trabalho. De um lado, as economias marginalizadas das cadeias de valor ficam condenadas à especialização na produção de bens primários. Nesse contexto, países que haviam avançado no processo de industrialização por substituição de importações ficam sujeitos a traumáticos processos de especialização regressiva na economias mundial que comprometem o futuro da indústria nacional.53 De outro, economias integradas às cadeias de valor atrelam sua vida econômica às vicissitudes da industrialização transnacionalizada, baseada na crescente especialização na rede de elos de geração de valor que compõem a indústria contemporânea.54

O papel central das “fábricas” dominantes, baseadas nas economias centrais, na definição da função específica das “fabricas dominadas”, baseadas nas economias periféricas, projeta a dinâmica de formação e reprodução de uma estrutura centro-periferia para o âmago do próprio processo de industrialização.55 Assim, a integração profunda da economia mundial deve acelerar e aprofundar as tendências recentes de deslocamento de indústrias de baixo conteúdo tecnológico para as regiões periféricas e de fechamento de unidades correlatas nas economias avançadas.56 Nos casos em que a automação de atividades rotineiras reduz o custo da força de trabalho em atividades de altíssima tecnologia, abre-se a possibilidade de redeslocamento de indústrias de alta tecnologia para as economias centrais.57

Necessário destacar que a transformação qualitativa na relação entre produção manufatureira, trabalho e geração de valor não permite mais que a indústrialização seja entendida, como ocorria desde List, na época do capitalismo concorrencial, como um processo de constituição de um sistema econômico nacional. O novo caráter da industrialização capitalista solapa definitivamente as bases objetivas e subjetivas do regime central de acumulação, cuja essência consistia na internalização dos elos estratégicos de um sistema industrial capaz de funcionar como um todo orgânico relativamente autônomo. Antes de significar a expansão e diversificação de forças produtivas âncoradas no espaço econômico nacional, impulsionadas pelo crescimento do mercado interno, a industrialização de economias periféricas integradas em cadeias de valor associa-se à formação de verdadeiros “enclaves industriais”, subordinados organicamente às grandes “fábricas mundiais”.58 Logo, ainda que o desdobramento das cadeias de valor abra espaço para que economias atrasadas vivam um intenso processo de crescimento industrial, combinando tecnologia controlada pelas grandes corporações das potências dominantes com força de trabalho barata dos países periféricos, a industrialização moderna aprofunda e moderniza as relações imperialistas de exploração e dominação inerentes ao desenvolvimento desigual e combinado do sistema capitalista mundial.59

Impulsionada pelos grandes conglomerados que controlam o mercado mundial, a reconfiguração da divisão internacional do trabalho passa pela redefinição da institucionalidade que rege a ordem econômica mundial. O processo de reorganização do sistema econômico mundial tem sido arbitrado pelas potencias imperialista. Tendo como base nuclear o aprofundamento dos blocos econômicos regionais articulados em torno das grandes potências econômicas – Estados Unidos, Alemanha, Japão -, a forma e o conteúdo das mega-negociações regionais que impulsionam a integração profunda refletem os interesses estratégicos e a força relativa das diferentes frações das burguesias dominantes.60 Assim, a lógica bilateral que rege as negociações dos acordos de livre comércio e investimento projeta para o plano institucional a hierarquia de poder econômico e político existente dentro de cada bloco, entre os blocos, bem como entre os blocos e os que não participam dos grandes blocos.61

Dada a brutal assimetria na correlação de forças econômica e política entre as sociedades nacionais que fazem parte dos blocos econômicos regionais, as negociações são pautadas pelos interesses das potencias que sediam o quartel-general das cadeias de valor.62 Ao ditar o sentido, o ritmo e a intensidade da nova rodada de liberalização da economia, o polo forte do sistema capitalista mundial – Estados Unidos à frente – impõe aos demais, como fato consumado, o padrão mínimo de liberalização da economia que é exigido para a participação nos espaços nobres da economia mundial.63 É oportuno registrar que, ao contrário do que uma visão formal da questão poderia sugerir, antes de representar um passo atrás no processo de liberalização, os acordos bilaterais representam uma forma de pressionar por formas mais profundas e abrangentes de liberalização.64 Além de estabelecer as novas condições de funcionamento dos mega espaço econômico regional, os acordos bilaterais de livre comércio e investimento tornam-se a referência fundamental das mudanças institucionais que consolidam o processo de integração profunda.65 O sentido geral dos acordos bilaterais de livre comércio e investimento combina aprofundamento da liberalização no interior das fronteiras dos blocos econômicos e reforço de medidas protecionistas não tarifárias, de nítido caráter neomercantilista, na relação com as economias que não fazem parte do bloco. A consolidação de tais negociações deve intensificar o processo de fragmentação e segmentação das forças produtivas que impulsiona o desenvolvimento das cadeias de valor, reforçando o abismo entre as economias integradas a cadeias de valor e as economias que ficam à margem das frentes dinâmicas de expansão do capitalismo.

A coexistência de diversos sistemas para normatizar a concorrência intercapitalista em escala global – o multilateral, ancorado na Organização Mundial do Comércio, para o comércio internacional tradicional, o bilateral para os negócios em torno das cadeias de valor e, mais recentemente, com a chegada de Trump à presidência dos Estados Unidos, o unilateral, ditado arbitrariamente pelos interesses norte-americanos – institucionaliza a desigualdade da ordem econômica internacional, cristalizando um padrão de relacionamento para as economias que estão na vanguarda do desenvolvimento capitalista e outro para as regiões que se encontram na sua retaguarda.66

Ao estimular a especialização baseada na presença de vantagens comparativas dentro dos blocos regionais, entre os blocos regionais e nos interstícios dos mega-blocos, as tendências que condicionam a reorganização da ordem econômica internacional acentuam o caráter hierárquico da divisão internacional do trabalho. A combinação arbitrária de políticas de liberalização com políticas neomercantilistas, característica dos acordos bilaterais de livre comércio e investimento, deve ser compreendida como uma resposta dos Estados Unidos, Alemanha e Japão à concorrência das economias ditas “emergentes”, particularmente China e Índia.67 Nessas circunstâncias, com raríssimas exceções, as economias atrasadas que não estão articuladas em cadeias de valor ficam praticamente sem poder de barganha nas negociações internacionais de comércio e investimento. Dentro da ordem global, restam-lhe a opção de aderirem unilateralmente às novas condições do processo de liberalização à espera de cair nas boas graças do capital internacional ou ficarem marginalizadas das frentes dinâmicas de desenvolvimento do capitalismo.68

Responsável pelo dinamismo da economias mundial, o núcleo principal da economia mundial, articulado em torno da economia norteamericana, concentra o sistema nacional de inovação e os mercados estratégicos que ditam o sentido e o ritmo do desenvolvimento capitalista. À redefinição do caráter do núcleo principal da economia mundial, que se organiza em torno dos megablocos regionais, corresponde uma profunda redefinição das relações de exploração e dominação das potenciais imperialistas com o elo fraco do sistema capitalista mundial. Como primeiro esboço, é possível identificar, ainda que de maneira bem esquemática e preliminar, na forma de hipoteses a serem confirmadas por pesquisas subsequentes, as seguintes tendências de redefinição da posição das economias periféricas na divisão internacional do trabalho:

a) Cristalização de uma periferia interna a cada bloco econômico, concentrando a produção de bens primários e força de trabalho barata subordinada funcionalmente à “fábrica” dominante. É o caso exemplar do México e do Chile no bloco liderado pela “fábrica” Estados Unicdos; e da zona periférica da União Européia, como Grécia, Portugal, e Espanha, no caso da “fábrica” Alemanha;

b) Redefinição do equilíbrio geopolítico que rege a relação dos grandes blocos econômicos com seus protetorados localizaods em zonas econômicas e políticas consideradas estratégicas. É o caso das mudanças que redefine o mapa político do Meio Oriente, sem que se vislumbre ainda nenhum vetor de solução capaz de dar um mínimo de estabilidade à região;

c) formação de uma primeira periferia, fora dos marcos legais dos grandes blocos, composta de grandes reservatórios de força de trabalho barata com alguma capacidade de incorporação de progresso técnico. É o caso da China, concentrando a produção e a montagem de manufaturados de menor intensidade tecnológica, e a India, especializada na oferta de serviços tecnológicos;

d) sedimentação de uma segunda periferia, fora dos marcos legais dos megablocos regionais, composta de economias de grande porte, ricas em recursos naturais e produção de bens primários e com um mercado interno relativamente expressivo. É o caso da Rússia, Brazil e Afríca do Sul;

e) conformação de uma terceira periferia composta de uma multiplicidade de economias de menor porte e menor expressão política subordinadas de maneira ad hoc ao núcleo principal. É o caso da relação econômica de grande parte dos países da América Latina com os Estados Unidos e de parcela expressiva dos países africanos com suas antigas metrópoles.69

No marco histórico condicionada pela integração profunda da economia mundial, a margem de manobra das economias periféricas para impulsionar o desenvolvimento nacional é nulo.

Por um lado, as economias marginalizadas das cadeias de valor industrial dificilmente conseguirão superar a tendência estrutural à especialização em commodities primárias, uma vez que, como a industrialização tende a cristalizar-se em nichos regionais bem definidos, quem perdeu o trem não tem como recuperar o atraso.70 Ainda que o caráter itinerante do novo padrão de produção industrial abra sempre a possibilidade de que novos países sejam integrados às redes de geração de valor, as vantagens decorrentes das economias externas provocadas pela concentração indutrial não podem ser generalizadas pelo conjunto das economias periféricas, comprometendo a perspectiva de integração tardia das regiões que ficam distantes dos núcleos originais de desenvolvimento das cadeais de valor, como é o caso, como regra geral, dos países da América Latina abaixo do México.71

Por outro lado, as economias integradas nas cadeias de produção não têm como superar a posição de meras coadjuvantes das grandes “fábricas”. A discrepância entre o grau de concentração e centralização de capitais dos grandes blocos de capital e a estrutura técnica e financeira das burguesias periféricas condena-as inapelavelmente a uma posição subalterna no mercado mundial. Mesmo quando o desdobramento das cadeias de valor abre espaço para a expansão de indústrias nas economias atrasadas, não é possível evitar a ampliação progressiva do hiato entre o grau de desenvolvimento das economias centrais e periféricas, pois a fragilidade técnica e financeira da burguesias periféricas é estrutural e a exacerbação do caráter desigual e combinado do desenvolvimento capitalita tende a repor e ampliá-la.

O fato está diretamente relacionado com a tendência à exacerbação do processo de concentração e centralização de capital. O papel estratégico assumido pela propriedade intelectual, acesso a fontes de financiamento e controle das redes de distribuição e comercialização no domínio das cadeias de valor implica crescente transferência de excedente para as economias centrais. O problema fica patente quando se constata que, mesmo com o deslocamento de empregos para países que pagam salários baixos, a maior parte da renda gerada nas cadeias de valor termina nas mãos das grandes corporações transnacionais nos centros desenvolvidos.72 Se isso não fosse suficiente, a transferência de elos da cadeia produtiva para a periferia não implica difusão de conhecimento, pois o que se transfere é uma estreita gama de tecnologias bem delimitadas, para cumprir tarefas específicas. Como as grandes corporações preservam o controle absoluto sobre o conhecimento tecnológico, o acesso à tecnologia depende fundamentalmente da manutenção de nexos contratuais com as empresas transnacionais. Em outras palavras, a tecnologia não é transferida para as empresas terceirizadas, mas temporariamente cedida, “emprestada” ou “alugada” pelo tempo funcional e conveniente para o cedente. Como consequência, o processo não fomenta o fortalecimento de uma base empresarial autônoma, mas o surgimento de empresas subsidiárias, comandadas por burguesias vassalas, que funcionam numa relação de absoluta subalternidade, totalmente dependente das iniciativas das grandes empresas multinacionais.73

***

A eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos explicita o grave impasse econômico e político gerado pela crise estrutural que abala o sistema capitalista mundial, cuja essência reside em última instância na absoluta impotência da sociedade nacional para conter os efeitos perversos do poder do capital. Sem questionar os pilares da ordem global, o raio de manobra da política econômica é mínimo e não há como evitar os efeitos devastadores da nova ofensiva do capital sobre o trabalho e o meio ambiente. No entanto, na ausência de uma progressiva expansão do mercado mundial e correspondente desenvolvimento das forças produtivas, as tendências recessivas que decorrem da presença de um gigantesco excedente absoluto de capital são levadas ao paroxismo. Nesse contexto, qualquer solução por dentro da ordem exacerba a barbárie capitalista.

Ainda que exista grande incerteza em relação ao caráter das medidas que serão tomadas pelo governo Trump, a julgar pela consigna de sua campanha – “make America great again” – e pelo perfil belicista e privatista de seus colaboradores diretos, antes de representar um passo atrás no processo de globalização, como prometido na campanha eleitoral, a nova presidência dos Estados Unidos deve exacerbá-la ainda mais. Privilegiando iniciativas arbitrárias em detrimento de negociações por meio dos canais institucionais estabelecidos, a “solução americana” deve sofrer um giro mais xenófobo, nacionalista e autoritário. Atuando pela linha de menor resistência, a Casa Branca quer compensar o impacto perverso da crise sobre a pequena burguesia e setores do proletariado duramente penalizados pela modernização tecnológica pelo aumento da exploração do conjunto da força de trabalho, sobretudo de seus segmentos mais vulneráveis, e pela intensificação de políticas imperialistas que exacerbam o caráter desigual e combinado do desenvolvimento capitalista. No plano interno, a escalada das ações contra os imigrantes e o aprofundamento da desregulamentação apontam para uma violenta ofensiva contra os direitos dos trabalhadores, as políticas sociais e o meio ambiente. Externamente, a perspectiva de uma guinada “nacionalista” sinaliza para um recrudescimento do caráter neomercantilista na política norte-americana de reorganização da ordem econômica internacional.


Bibliografia:

BALDWIN, R. (2006); “Globalization: The Great Unbundling(s)”, Project Globalization Challenges for Europe and Finland, Secretariat of the Economic Council, Graduate Institute of International Studies, Geneva, 20 September.

——– (2009); The Great Trade Collapse: Causes, Consequences and Prospects, VoxEU.org ebook.

——– (2010a); “Unilateral Tariff Liberalization”, Cambridge MA, National Bureau of Economic Research, NBER Working Paper Series, Working Paper No. 16600.

——– (2010b); “Understanding the GATT’s wins and the WTO’s woes”, Centre for Economic Policy Research, CEPR Policy Insights No. 49.

——- (2011); “Trade and Industrialization after Globalization’s 2nd Unbundling: How Building and Joining a Supply Chain Are Different and Why It Matters”, Working Paper 17716, National Bureau of Economic Research – Cambridge, MA, Dec.

——– (2012a); “Global Supply Chains: Why They Emerged, Why They Matter, and Where They Are Going”, CTEI Papers, CTEI-2012-13, The Graduate Institute – Centre for Trade and Economic Integration, Geneva.

——– (2012b); “WTO 2.0: Global Governance of Supply-Chain Trade”, Policy Insight, N. 64, Centre for Economic Policy Research, December.

BECK, U. (2000); What is globalization? Cambridge: Polity Press, Cambridge.

BENOIT, H. e ANTUNES, J. (2016); O Problema da Crise Capitalista em O Capital de Karl Marx. Jundia: Paco Editorial

BLOCK, F. and KELLER, M.R. (2011); “Where do Innovations Come From? Transformations in the U.S. Economy, 1970-2006”. In: Castro, A.C. and Kattel, R. Knowledge Governance: Reasserting the Public Interest, ed. Leonardo Burlamaqui, L., Castro, A,.C. and Kattel, R. Indianapolis: Anthem Press.

BUKARIN, N. (1984); A Economia Mundial e o Imperialismo. São Paulo: Editora Abril.

CAWSON, A. et all. (1990); Hostile Brothers: Competition and Closure in the European Electronics Industry. Oxford: Oxford University Press

CEPAL. (2013); Panorama de la Inserción Internacional de América Latina y el Caribe. Santiago: Cepal

——– – Panorama de la Inserción Internacional de América Latina y el Caribe – 2014

CLARKE, S. (1994); The Marxist Theory of Overaccumulation and Crisis. In:   http://homepages.warwick.ac.uk/~syrbe/Publications.html

CROTTY, J. (1992); “Rethinking Marxian Investment Theory: Keynes-Minsky Instability, Competitive Shifts, and Coerced Investment”, University of Massachusetts, in: http://people.umass.edu/crotty/rrpe-mx-inv-1993.pdf

——– (2000); “Slow Growth, Destructive Competition, and Low Road Labor Relations: A Keynes-Marx-Schumpeter Analysis of Neoliberal Globalization”, PERI Working Paper Series, N. 6, November 2000, University of Massachusetts.

——– (2002) “Why Do Global Markets Suffer from Chronic Excess Capacity?: Insights from Keynes, Schumpeter and Marx”, June 18.

——– (2003); “The Neoliberal Paradox: The Impact of Destructive Product Market Competition and Impatience Finance on Non-financial Corporations in the Neoliberal Era”. In: Review of Radical Political Economy, 2003, 35:271

De BRYUN, T. and RAMIOUL, M. (2009); “Export the export. Reestructuring of logistics in a global company in the beverage industry”, Organisational case study on logistics in the food industry. Belgium, Internal working papel, WORKS project.

DEDRIK, J., KRAEMER, K.L. AND LINDEN, G. (2008); “Who Profits from Innovation in Global Chains?: A Study of the iPod and notebook PCs”, Industry Studies. In: http://web.mit.edu/is08/pdf/Dedrick_Kraemer_Linden.pdf

DELOZIER, J. and MONTOUT, S. (2007); New Trends in Globalization and the International Division of Labour: Consequences for Europe”, Cahiers Document de Travail de la DGTEP, No. 2007/03, Juin.

DICKEN, P. (2015); Global shift – mapping the changing Contours of the World Economy, New York, The Guilford Press.

GEREFFI, F., HUMPRHREY, J., KAPLINSKY, R. and STURGEON, T. (2001); “Globalization, Value Chains and Development”, IDS Bulletin, 32.3, 2001 – Institute of Development Studies.

GREENAM, N. KALUGINA, E. AND WALKOWIAK, E. (2007); “The transformation of work? Trends in work organisation”, WORKS report – D9.2.2, HIVA-K.U.Leuven, Leuven.

GREENAM, N. KOCOGLU, Y., WALKOWIAK, E., MAKÓ C. and CSIZMADIA, P. (2009); “The role of technology in value chain restructuring”, WORKS report, HIVA-K.U. Leuven, Leuven.

GRESPAN, J.L.S. (2012); O Negativo do Capital, São Paulo: Expressão Popular.

HAGER, S.B. (2015); “Public Debt as Corporate Power Mapping the New Aristocracy of Finance”, Working Paper on Capital as Power, No. 2015/01, January.

HARVEY, D. (1999); Limits to Capital. London: Verso

HAYES, M. (2012); “La crise du néolibéralisme: quelle formation sociale après la crise?”, Politique et Sociétés, vol. 31, n° 1, p. 77-97.

HEIDRICH, P. (2009); “Latin America and WTO: current and future scenarios”, Latina American Trade Network – LATN – SerieBRIEF, #51, November.

HILLARY, J. (2014); The Transatlantic Trade and Investment Partnership: A charter for deregulation, an attack on jobs, an end to democracy.

HUDSON, M. (2010); “Por qué los EEUU han desencadenado una nueva Guerra Mundial financiera y cómo reaccionará el resto del mundo”. [web]

——– (2012); “US ‘Quantitative Easing’ Is Fracturing the Global Economy”, Working Paper, No. 639, Levy Economics Institute of Bard College, November.

HUWS, U. (2010); “Between a Rock and a Hard Place: The Shapping of Employment in a Global Economy”, Work Organization, Labor & Globalization, Vo. 4, N.1.

——– (2011); “Passing the Buck: Corporate Restructuring and the Casualisation of Employment”, Work Organization, Labour & Globalization, Vol. 5, N.1.

——– (2012); “Bridges and Barriers: Globalization and the Mobility of Work and Workers”, Work Organization, Labour & Globalization, Vol. 6, N.1.

ILO – Changing Patterns in the World of Work – Report of the Director-General – 95th Session – 2006.

——– – Informe Mundial sobre Salarios 2012/2013: Los Salarios y el Crescimiento Equitativo – OIT – 2012.

——– – Global Employment Trends 2013 – Recovering from a Second Jobs Dip – ILO – 2013.

JESSOB, B. (2014); Credit money, fiat money, and currency pyramids: Reflections on the financial crisis and sovereign debt. web.

KLEIN, C. and KOSKE. I. (2013); “Capacity Needs in the Automobile Industry in the Short-to-Medium Run”, Economic Department Working Paper, N. 1097, OECD Publishing.

KUSHIDA, K.E and ZYSMAN, J. (2009); “The Service Transformation and Network Policy: The New Logic of Value Creation”, Review of Policy Research, Vol. 26, N. 1-2, 2009 – The Policy Studies Organization

KRUGMAN, P. (1995); “Growing World Trade: Causes and Consequences”, Brookings Papers in Economic Activity, 1995/1, pp. 327-377.

——– (2012); End This Depression Now! New York: W. W. Norton and Company.

LALL, S. and ALBALADEJO, J. (2004); “Latin American Industrial Competitiveness and the Challenge of Globalization”, INTAL-ITD, Occasional Paper. SITI, 05, june.

LARA CORTÉS, C. (2013); “El Desarrollo de la Crisis Global: Contradicciones y Límites del Desapalacamiento”. In: Estay et all (coord.). Desarrollo y Crisis en el Capitalismo. Puebla: Benemérita Universidad Autónoma de Puebla, Universidad Nacional Autónoma de México.

——– (2013b); “Profundizacion de la Crisis Global, Capital Financiero y Más Allá”, in: Flores C.S. y Lara Cortés, C. (coord.), La Crisis Global y el Capitalismo Fictício. Santiago: Arcis y Clacso.

LAZONICK, W. (2011); “From Innovation to Financialization: How Shareholder Value Ideology is Destroying the US Economy”, In: Epstein, G. and Wolfson, M.H. (eds.) The Political Economy of Financial Crisis. Oxford: Oxford University Press.

LORDON, F. (2014); La Malfaçon: Monnai Européene et souveraineté démocratique. Paris: Le Liens qui Libérent.

MARSH, D. (2013); Europe’s Deadlock: How the Euro Crisis Could Be Solved – and Why It Wont Happen. New Haven: Yale University Press.

MAY, C. (2000); A Global Political Economy of Intellectual Property Rights. The New Enclosures? London: The Routledge/RIPE Studies in Global Political Economy.

MÉSZÁROS, I. (1995); Beyond Capital: Towards a Theory of Transition. London: The Merlin Press.

PERELMAN, M. (2003); “The Political Economy of Intellectual Property”, Monthly Review, V. 54, Issue 08 (January).

PRADO, E.F.S. (2014); “Exame Crítico da Teoria da Finaceirização”, Crítica Marxista, n.39, p.13-34.

RAMIOUL, M. AND DeVROOM, B. (2009); “Global Value Chain Reestructuring and the Use of Knowledge and Skills” Leuven: Katholieke Universiteit Leuven – Higher Institute of Labour Studies. In: http://www.work-project.be

REINHART, C.M. and ROGOFF, K.S. (2013); “Financial and Sovereign Debt Crises: Some Lessons Learned and Those Forgotten”, IMF Working Paper, WP/13/266.

ROACH, S.S. (2003) “Outsourcing, Proteccionism and the Global Labor Arbitrage – Special Economic Study”, Morgan Stanley Equity Research Global – November 11.

ROUBINI, N. and MIHM, S. (2010) – Crisis Economics: A crash course in the future of finance. New York: The Penguin Press.

SABEL, C. (2009); “What Industrial Policy is Becoming: Taiwan, Ireland and Finland as Guides to the Future of Industrial Policy”, Columbia Law School – January.

SCREPANTI, E. (2014); Global Imperialism and the Great Crisis: The Uncertain Future of Capitalism. New York: Monthly Review Press.

SERFATI, C. (2008); “Financial Dimension of Transnational Corporations Global Value Chain and Technological Innovations”, Journal of Innovation Economics, 2008/2, N.2.

SHIPP, S. et all. (2012); “Emerging Global Trends in Advanced Manufacturing”, IDA Paper P-4603, Institute for Defense Analysis, March.

SMITH, J. (2010); Imperialism & the Globalisation of Production. Phd Thesis. University of Sheffield: Mimeo.

STIGLITZ, J. (2010); Freefall: Free Markets and the Sinking of the Global Economy, London Allen Lane.

STREECK, W. (2013); “The Politics of Public Debt Neoliberalism, Capitalist Development, and the Restructuring of the State”, MPIfG Discussion Paper 13/7, Max Planck Institute for the Study of Societies, Cologne, July.

STURGEON, T.J. and GEREFFI, G. (2008); “The Challenge of Global Chains: Why Integrative Trade Requires New Thinking and New Date”, Mimeo prepared for Industry Canada, November, 20.

UNCTAD. (2013); World Investment Report.

UNIDO. (2013); Emerging Trends in Global Manufacturing Industries .

——– (2009); Industrial Development Report 2009: Breaking in and Moving Up: New Industrial Challenge for the Botton Billion and the Middle-Income Countries.

VERCELLONE, C. (2008); “The new articulation of wages, rent and Profit in cognitive capitalism”, Queen Mary University, in: file:///D:/Mes%20documents/ Notes%20de%20lecture/Rentes/VercelloneRentandknowledge.htm.

WHALEN, C.J. (2005); “Sending Jobs Offshore from the United States: What are the Consequences?”, Intervention, A Journal of Economics 2:2 13-40.

WORKS. (2007); How reestructuring is changing occupations? Case study evidence from knowledge-intensive, manufacturing and service occupation. Final Report of WP11. (Coordinated by Valenduc, G., Vendramin, P., Krings, B-J., Nierling, L.), December, 2007.

WTO. (2011); World Trade Report-2011: The WTO and preferential trade agreements: From co-existence to coherence.

——– (2013); World Trade Report-2013: Factors Shaping the Future of World Trade.

ZYSMAN, J. (2014a); Escape from the Commodity Trap: Will the Production Transformation Sustain Productivity Growth and Jobs? Luxembourg: Publications Office of the European Union.

——– – (2014b) Escaping the Commodity Trap: Toward Sustainable Growth – Position Paper for the BRIE-ETLA Conference – July 8.

ZYSMAN, J. et all. (2010); “Services with Everything: The ICT-Enabled Digital Transformation of Services”, BRIE WORKING PAPER, 187a, April 6, 2010.

ZYSMAN, J. (ed.) (2013); 21st. Century Manufacturing Zysman, J. – Viena: UNIDO.

NOTAS

1 Sobre a concepção de crise econômica em Marx, ver: Grespan, 2012; Benoit e Antunes, 2016. Um resumo da controvérsia sobre a teoria da crise em Marx é objeto da reflexão de Clarke, 1994.

2 Sobre a noção de divisão internacional do trabalho, ver Bukarin,, 1984; e Harvey, 1999, especialmente capítulo 13.

3 Ver Hager, 2015.

4 Klein and Koske, 2013.

5 ILO, 2012 e 2013.

6 Ver Stiglitz, 2010; Krugman, 2012; e OCDE, 2012.

7 Hayes, 2012.

8 Lara, 2013a e 2013b.

9 Stiglitz, 2010; e Krugman, 2012.

10 Hudson, 2010 e 2012.

11 Reinhart and Rogoff, 2003; e Jessop, 2014.

12 Streeck, 2013.

13 Roubini and Mihm, 2010.

14 Sobre o papel das finanças impacientes no processo de valorização do capital, ver Prado, (2014).

15 A ruptura das condições que sustentavam as relações cooperativas entre os grandes oligopólios nas indústrias-chaves da economia mundial – automobilística, eletrônica, aérea, naval, bens de consumo duráveis, aço, petroquímica e bancária -, que determinou o fim definitivo do equilíbrio de forças que sustentava a competição cooperativa entre oligopólios gigantes que atuavam em sistemas industriais ancorados em espaços econômicos nacionais, remonta à segunda metade dos anos 1980s. Cawson et all, 1990. O padrão de concorrência instalado é examinado em Crotty, 1992.

16 Mészáros, 1995, cap. 15.

17 Crotty, 2000, 2002 e 2003.

18 A importância econômica da nova plataforma de computação decorre de sua capacidade de permitir que as conquistas na digitalização da informação sejam instrumentalizadas pelo capital para o desenvolvimento das forças produtivas e a intensificação da mercantilização das relações sociais. Zysman, 2013.

19 Estudo preparado para o governo norte-americano sobre as tendências da indústria avançada na próxima década aponta para transformações que tendem a tornar obsoletas as formas tradicionais de produção: “Over the next 10 years, advances in manufacturing will likely become increasingly networked. In 20 years, manufacturing is expected to advance to new frontiers, resulting in an increasingly automated and data-intensive manufacturing sector that will likely replace tradicional manufacturing as we know today, Shipp et all (2013), p. vi

20 Serfati esclarece a noção de ativos intangíveis: “Intangible investments and assets have become a key component of modern economies. Unfortunately, there is no agreed definition among economists, let alone between economists and accountants, on what intangible assets mean. Three core characteristics are generally agreed upon to define intellectual assets: i) they are sources of probable future economic profits; ii) lack physical substance; and iii) to some extent, they can be, retained and traded by a firm. The list generally includes at least R&D, patents, and trademarks. They include: a) Human capital defined as the knowledge, skills and know-how that employees “take with them when they leave at night”; b) Relational capital which concerns the resources arising from the external relationships of the firm with customers, suppliers and R&D partners, and c) Structural capital which refers to the knowledge that stays with the firm “after the staff leaves at night” (organizational routines, procedures, systems, cultures and databases)”, Serfati, 2008, p.46.

21 Ver Zysman et all, 2010.

22 Dedrick, Kraemer and Linden, 2008.

23 Serfati, 2008.

24 A síntese sobre os efeitos das novas tecnologias de computação sobre o processo de trabalho baseia-se fundamentalmente nos resultados do Projeto WORKS – WORKS organisation and restructuring in the knowledge society – financiado pela Comissão Européia. Os principais resultados da pesquisa desenvolvida pelo projeto WORKS estão resumidos nos 11 volumes do Relatório Final, todos disponíveis online no endereço: www.worksproject.be

25 Huws, 2012.

26 Huws, 2010 e 2011; Greenan et all, 2007; e Greenan et all, 2009.

27 WORKS, 2007, p. 160.

28 Kushida and Zysman, 2009.

29 Zysman, 2014a e 2014b.

30 Gereffi, Humphrey, Kaplinsky and Sturgeon, 2001.

31 Ramioul and De Vroom, 2009.

32 Baldwin, 2006.

33 Sturgeon and Gereffi, 2008.

34 Baldwin, 2012a; e Sabel, 2009.

35 UNCTAD, 2013. Também Gereffi et all, 2001.

36 Cunhada por Baldwin, a noção de “integração profunda” é utilizada pela OMC para caracterizar a mudança de qualidade no grau de harmonização institucional que constitui a essência da nova onda de acordos bilaterais, WTO, 2011.

37 Whalen, 2005, p. 35. Sobre o papel da arbitragem salarial como elemento central do processo de desenvolvimento das cadeias de valor ver Smith, 2010. A importância da arbitragem dos custos salariais como elemento fundamental da concorrência intercapitalista é reconhecida pelas grandes consultorias empresariais como um dos condicionantes fundamentais da concorrência intercapitalista. Ver Roach, 2003, pp5-6.

38 Smith, 2010. Oportuno observar que não há contradição entre o avanço do progresso técnico que impulsiona o desenvolvimento das cadeias de valor e a importância decisiva do custo da força de trabalho na determinação da competitividade das empresas. O reduzido peso relativo dos salários nos custos das empresas não significa que o custo da força de trabalho tenha se tornado um elemento residual. Paul Krugman, prêmio nobel da economia, explicou o aparente paradoxo, destacando que o que antes aparecia como custo do trabalho reaparece como custo dos insumos. Krugman, 1995, p. 336.

39 A forma concreta do ataque representado pelo processo de arbitragem salarial será determinado historicamente pelas possibilidades de desdobramento das cadeias de valor abertas pela nova onda de inovações tecnológicas, pelos novos condicionantes institucionais da integração profunda e seus efeitos sobre a divisão internacional do trabalho, e, sobretudo, pela capacidade de resistência e dos trabalhadores às políticas de devastação do trabalho.

40 O impacto do processo de monopolização da propriedade intelectual sobre o padrão de concorrência foi sintetizado por Perelman nos seguintes termos: “Intellectual property rights change the nature of competition. Most industries that do not enjoy the protection of intellectual property rights find themselves involved in intense competition, which lowers their profits. In contrast, companies with intellectual property rights face limited competition and can enjoy elevated profits. (…) For agricultural products, steel, and other commodity-like goods with no intellectual property protection, competitive forces put powerful pressure on profits. If the entire economy were like those industries, a severe crisis would engulf it. In particular, those industries that depended on intellectual property would tend to be especially vulnerable. Reproduction costs for software, pharmaceuticals, or movies are trivial. In the language of economics, marginal costs are small and fixed costs are high. Without the legal protection of intellectual property rights, strong competition in such industries would mean certain bankruptcy. Consequently, monopoly is made possible by intellectual property rights protection”, Perelman, 2003, p. 3 e 4.

41 Lazonick, 2011. Sobre a importância decisiva dos direitos sobre propriedade intelectual no sistema nacional de inovação, ver também Block and Keller, 2011.

42 Serfati, 2008.

43 May, 2000. Alguns autores caracterizam a crescente importância da renda obtida com a monopolização do conhecimento como uma mudança especificidade do capitalismo contemporâneo. Ver, Vercellone, 2008.

44 Hillary (2014). Ver também Lordon, F. (2014); Marsh, (2013).

45 WTO, 2013.

46 Sobre o enfraquecimento da capacidade de o Estado Nacional formular e executar políticas públicas que contemple de uma ou de outra maneira os interesses gerais da Nação, ver Beck, 2000.

47 Para uma visão de totalidade sobre o processo subjacente ao esvaziamento da soberania nacional, ver Screpanti, 2014. O poder do capital de disciplinar o trabalho e os Estados nacionais é visto pelos organismos internacionais como um corolário necessário da crescente integração da economia mundial, WTO, 2011, p. 44.

48 Screpanti associa a emergência do Estado gendarme à necessidade de ampliar as condições de exploração do trabalho como forma de contrabalançar a tendência decrescente da taxa de lucro. Screpanti, 2014, p. 116

49 WTO, 2011 e 2013

50 A intensidade das pressões para a constituição de um novo marco regulador para a circulação internacional de capital fica patente quando se leva em consideração que, entre 1990 e 2010, o número de Acordos Preferenciais de Comércio foi multiplicado por três, passando de 70 para 300. Após a eclosão da crise econômica mundial, as iniciativas para a reformulação da institucionalidade internacional aumentaram com o aparecimento de uma série de negociações envolvendo mega-blocos econômicos. Desde 2010, países da Ásia, Oceania, América do Norte e América Latina discutem a formação de um Acordo de Associação Trans-pacífico – TPP – e, a partir de 2013, mais quatro iniciativas foram formalmente deflagradas – Acordo Transatlântico sobre Comércio e Investimento entre Estados Unidos e União Européia, Acordo de Livre Comércio entre União Européia e Japão, Associação Econômica Integral Regional entre os dez países da Associação de Nações do Sudeste Asiático – ASEAN -, Austrália, Índia, Nova Zelândia, China, Japão e Coreia do Sul, e Acordo de Livre Comércio entre China, Japão e Coréia do Sul. CEPAL, 2013.

51 Huws, 2012.

52 Um alto executivo de uma grande empresa européia de bebidas resumiu o espírito do processo em curso de maneira simples e direta: “for simple work we move the jobs, for complex work we move the people”, De Bruyn & Ramioul, 2009, p. 3.

53 A relação entre a industrialização recente da Ásia e a crise terminal da industrialização latino-americana não passou desapercebida pelos teoricos da globalização, Baldwin, 2011, p. 24

54 Sobre as características contemporâneas das empresas designadas como capital internacional, em nosso trabalho indistintamente denominado como multinacional, corporação transnacional, empresa transnacional, ver Dicken, 2015.

55 Delozier and Montout, 2007.

56 ILO, 2006.

57 Zysman, 2014b.

58 Baldwin, R. 2011, p. 29.

59 A respeito ver, Baldwin, 2006 e 2011.

60 Baldwin, 2012b.

61 WTO, 2013, p. 271.

62 CEPAL, 2013, p. 84.

63 CEPAL, 2013, p. 18-19; WTO, 2013, p. 10.

64 WTO, 2011, p. 48.

65 WTO, 2013, p. 269.

66 Baldwin, 2012(b), p.10.

67 Baldwin, 2012 (a), p. 11.

68 Baldwin, 2012(a), p. 16.

69 Lall and Albadadejo, 2004; e Heindrich, 2009.

70 A relação entre a formação das cadeias de valor e sua concentração em blocos regionais é estudada em WTO, 2013.

71 Lall, Albaladejo and Mesquita, 2004.

72 Sobre o assunto ver: Dedrick, Draemer and Linden, 2008; UNIDO, 2013, cap. 2.

73 Baldwin, 2011, p. 22-23.

Plínio de Arruda Sampaio Júnior