Marx e o dinheiro: apontamentos de um estudo

O presente texto faz parte de reflexões que anotei acerca de um estudo do livro O Capital de Karl Marx. A presente análise fora realizada nos capítulos 1, 2 e 3 da seção I do Livro I. Uma obra fenomenal, no qual ao mesmo tempo em que Marx desvenda os fenômenos da sociedade capitalista, ele enfrenta todos os preconceitos da economia política burguesa e os desvenda em um só golpe. Nestes primeiros capítulos da obra, Marx analisa a mercadoria e os seus desdobramentos, e analisa a sua forma acabada de transformação, a sua forma dinheiro.

Devido ao caráter extenso da análise, a sua conclusão dificilmente é alcançada em poucas palavras, por esta razão pretendo apresentar esta minha pesquisa em mais de uma parte, pois considero necessário para esse fim.

O Dinheiro
O dinheiro presente em todos os pontos da sociedade, este objeto estranho que movimenta as nossas vidas, causa de nossas maiores alegrias e também de nossas maiores tristezas, objeto que é fruto de muitas discórdias, aparentemente é um objeto que representa riqueza e poder. Olhando para o dinheiro, superficialmente podemos dizer que se trata de um papel emitido e carimbado pelo Estado, no qual garante a compra de tudo disponível na sociedade, e que a sua emissão ocorre a bel prazer do governo. Se trata de impressões erradas, no qual não se encontram em conformidade com a natureza do dinheiro e nem com as fases de seu desenvolvimento.

O dinheiro tal como conhecemos hoje, é apenas o resultado do desenvolvimento burguês das forças produtivas. Assim como tudo na sociedade, o dinheiro também obedece determinadas leis da produção, especialmente em sua fase burguesa. Apesar de ser uma peça fundamental da sociedade burguesa, o dinheiro não é uma invenção da burguesia, ele já se encontra presente nos antigos modos de produção da sociedade, sendo apenas na sociedade burguesa em que ele alcança o seu auge e sua real expressão.

Para desvendar o enigma do dinheiro, Marx estudou a sua relação nos antigos modos de produção, a fim de compreender a sua fase já desenvolvida. Esta é a metodologia da economia política aplicada por Marx, em que o estudo não fica restrito apenas ao resultado do desenvolvimento da sociedade em sua forma burguesa, se assim fosse nenhuma conclusão seria possível, mas se estuda as fases e as mutações no desenvolvimento das sociedades pré-burguesa, e o resultado do desenvolvimento destas é a sociedade burguesa.

Aqui o dinheiro deve ser considerado como mercadoria, e o que lhe distingue das demais mercadorias é a sua função específica e o seu monopólio social. No final da pesquisa entenderemos o porquê de o dinheiro ser mercadoria, e a razão de seu papel diferenciado, mas para se chegar até lá é necessário entender o que é mercadoria e as suas fases de desenvolvimento. Podemos dizer inicialmente, de forma grosseira e generalizada, que todos os objetos que hoje encontramos no mercado como resultado da produção capitalista é mercadoria. Mas a mercadoria possui os seus elementos particulares, no qual servem para diferenciar o resultado de uma produção social dos demais objetos espalhados pela sociedade. Espero que no final da pesquisa, todos possam compreender o que é mercadoria, e como diferencia-la dos demais objetos e bem como a função específica do dinheiro. Portanto para compreendermos as bases que determinam o dinheiro, devemos primeiramente compreender as mercadorias e o movimento de suas relações. Mas afinal o que é mercadoria?

O Valor de Uso
Marx define a sociedade burguesa, como uma sociedade colecionadora de mercadoria, no qual possui as das mais variadas espécies:

A riqueza das sociedades onde reina o modo de produção capitalista aparece como uma “enorme coleção de mercadorias”, e a mercadoria individual como sua forma elementar. Nossa investigação começa, por isso, com a análise da mercadoria. (Grifos Nosso) (Marx, O Capital I, p.113) ”

Marx define mercadoria como, a matéria da natureza que é modificada através do trabalho humano, sendo adaptada para a satisfação de necessidades humanas de qualquer tipo. Duas são as formas de satisfação, a direta que é quando a mercadoria cai imediatamente no consumo e a indireta quando a mercadoria é utilizada como meio de produção.

A mercadoria é antes de tudo, um objeto externo, uma coisa que, por meio de suas propriedades, satisfaz necessidade humanas de um tipo qualquer. A natureza dessas necessidades – se, por exemplo, elas provêm do estômago ou da imaginação – não altera em nada a questão. Tampouco se trata aqui de como a coisa satisfaz a necessidade humana, se diretamente como meio de subsistência, isto é, como objeto de fruição, ou indiretamente, como meio de produção. (Grifos Nosso) (Marx, O Capital I, p.113) ”

A capacidade de um objeto em satisfazer necessidade humana, o torna objeto útil. O fato de ser um objeto útil, o transforma em valor de uso. Mas a existência de sua utilidade, é condicionada pela existência de um corpo que representa a soma de matéria da natureza mais a sua transformação pelo trabalho do homem, e que esta transformação seja capaz de satisfazer qualquer necessidade humana, assim este corpo útil constitui corpo de valor de uso. Portanto a capacidade do objeto em satisfazer necessidade humana, lhe dá as características para se tornar um corpo de valor de uso:

A utilidade de uma coisa faz dela um valor de uso. Mas essa utilidade não flutua no ar. Condicionada pelas propriedades do corpo da mercadoria [Warenkörper], ela não existe sem esse corpo. Por isso, o próprio corpo da mercadoria, como ferro, trigo, diamante etc., é um valor de uso ou um bem. Esse seu caráter não depende do fato de a apropriação de suas qualidades úteis custar muito ou pouco trabalho aos homens. Na consideração do valor de uso será sempre pressuposta sua determinidade [Bestimmtheit] quantitativa, como uma dúzia de relógios, 1 braça de linho, 1 tonelada de ferro etc. Os valores de uso das mercadorias fornecem o material para uma disciplina específica, a merceologia. O valor de uso se efetiva apenas no uso ou no consumo. Os valores de uso formam o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social desta.Na forma da sociedade que iremos analisar, eles constituem, ao mesmo tempo, os suportes matérias [stofflische] do valor de troca. (Grifos Nosso) (Marx, O Capital I, p. 114) ”

O valor de uso é da natureza da mercadoria, ela só existe, se possuir permanentemente a capacidade de satisfazer necessidade humana de qualquer tipo. As necessidades do homem e a capacidade de sua satisfação, é do instinto humano, e por isso, permanentemente o homem é obrigado a modificar às matérias da natureza, adequando-as para a satisfação de suas necessidades.

Dito isso, podemos avançar, dizendo que duas diferentes mercadorias, são dois diferentes valores de uso, e em razão destas características, as mercadorias se tornam qualitativamente diferentes. Na medida em que duas diferentes mercadorias se tornam qualitativamente diferentes, estas se tornam permutáveis entre si, ou seja, “trocáveis”. Um possuidor de uma mercadoria qualquer (valor de uso qualquer), somente tem interesse em trocar o seu objeto, na medida em que ocorra em uma relação com outro valor de uso diferente, uma mercadoria diferente. Se um produtor produz garrafas, ele não tem interesse no mercado, de trocar as suas garrafas por outras de outro produtor, pois antes de tudo são valores de usos iguais, pois são capazes de satisfazer as mesmas necessidades, a saber: estocar líquido.

Sendo assim, podemos dizer que inicialmente, para que duas mercadorias estabeleçam uma relação de troca, estas devem ser, antes de tudo, qualitativamente diferentes, isto é, valores de uso diferentes. Mas não é esta diferença qualitativa entre as duas mercadorias, que é o elemento determinante para a caracterização do dinheiro, para se determinar o seu conceito, é necessário percorrer um longo caminho. Por ora, basta dizer que, a base no qual se assenta o dinheiro, de onde ele surge, está na relação entre duas diferentes mercadorias, e o dinheiro é a forma mais acabada e mais desenvolvida da relação entre os dois diferentes valores de uso. Explicando o duplo caráter do trabalho representado na mercadoria, e o papel determinante da divisão social do trabalho, Marx aponta para o fato de que apenas é possível a relação entre as mercadorias, quando estas são diferentes valores de uso:

Viu-se, portanto, que no valor de uso de toda mercadoria reside uma determinada atividade produtiva adequada a um fim, ou trabalho útil. Valores de uso não podem se confrontar como mercadorias se neles não residem trabalhos úteis qualitativamente diferentes. Numa sociedade cujos produtos assumem genericamente a forma da mercadoria, isto é, numa sociedade de produtores de mercadorias, essa diferença qualitativa dos trabalhos úteis, executados separadamente uns dos outros como negócios privados de produtores independentes, desenvolve-se como um sistema complexo, uma divisão social do trabalho. (Grifos Nosso) (Marx, O Capital I, p.120) “

A divisão social do trabalho é interessante para o objeto de estudo, pois como bem indica Marx, a sociedade apenas relaciona diferentes mercadorias, pois estas são produzidas por diferentes produtores individuais, no qual aplicam diferentes tipos de trabalho para a sua produção. Portanto, podemos dizer que, a divisão social do trabalho, é a sociedade inteira dividida em diferentes produtores individuais, que aplicam diferentes tipos de trabalho e que produzem diferentes valores de uso, ou produtos. A relação entre diferentes mercadorias ou valores de uso, é a relação dos diferentes produtos dos diferentes trabalhos, no qual se relacionam em escala ampliada.

Do mesmo modo que uma mercadoria é valor de uso, ela apenas é valor de uso quando dada em determinada quantidade. Assim, 1 grão de feijão não é nenhum valor uso, pois tal quantidade não é capaz de satisfazer a necessidade alimentícia humana, diferentemente de 1kg de feijão, aqui esta quantidade é um valor de uso, pois tal quantidade é capaz de satisfazer uma necessidade alimentícia humana. Sendo assim, uma mercadoria apenas se torna valor de uso, quando ela se encontra disponibilizada em determinada quantidade, que seja suficiente para satisfazer uma necessidade humana específica.

O trabalho que cria o valor de uso, ou seja, aquele que modifica as matérias da natureza, adequando-as para a satisfação de necessidades humanas, e que cria uma destinação para objeto, no qual o transforma em portador de satisfação de necessidade humana, Marx chama de trabalho útil:

O casaco é um valor de uso que satisfaz uma necessidade específica. Para produzi-lo, é necessário um tipo determinado de atividade produtiva, a qual é determinada por seu escopo, modo de operar, objeto, meios e resultado. O trabalho, cuja utilidade se representa, assim, no valor de uso do seu produto, ou no fato de que seu produto é um valor de uso, chamaremos aqui, resumidamente, de trabalho útil. Sob esse ponto de vista, ele será sempre considerado em relação ao seu efeito útil. (Grifos Nosso) (Marx, O Capital I, p.119) ”

Por fim, considerando inicialmente a mercadoria como valor de uso, podemos dizer que ela recebe tal qualidade, pois o seu corpo físico possui dois elementos, de um lado a matéria da natureza e de outro a sua transformação através do emprego de uma atividade específica do homem, no qual transforma a matéria da natureza em um bem capaz de satisfazer necessidade humana de qualquer tipo:

Os valores de uso casaco, linho etc., em suma, os corpos das mercadorias, são nexos de dois elementos: matéria natural e trabalho. Subtraindo-se a soma total dos diferentes trabalhos uteis contidos no casaco, linho etc., o que resta é substrato material que existe na natureza sem a interferência da atividade humana. Ao produzir, o homem pode apenas proceder como a própria natureza, isto é, pode apenas alterar a forma das matérias. Mais ainda: nesse próprio trabalho de formação ele é constantemente amparado pelas forças da natureza. Portanto, o trabalho não é a única fonte dos valores de uso que ele produz, a única fonte da riqueza material. O trabalho é o pai da riqueza material, como diz Wiliam Petty, e a terra é a mãe. (Grifos Nosso) (Marx, O Capital I, p.120) “

Já vimos até aqui, que uma mercadoria é um objeto que é capaz de satisfazer necessidade humana de qualquer natureza, e que por isso também se torna um objeto de valor de uso, e que este valor de uso apenas é criado pelo emprego de um exercício especifico do homem, que Marx chama de trabalho útil. Também já vimos que para que duas mercadorias estabeleçam uma relação de troca, estas devem ser antes de tudo, valores de uso diferentes, produtos de trabalhos úteis diferentes, mas a diferença qualitativa não é o único elemento apto a torna estas mercadorias como “trocáveis”, ou seja, não é a mera diferença qualitativa que forma a relação de troca, para as mercadorias se relacionarem, estas devem ser diferentes valores de uso e coisas da mesma natureza, ou seja, que elas possuam um elemento igual, que se encontra no corpo das duas diferentes mercadorias. Mas afinal em que consiste este elemento comum das mercadorias?

O Valor
Além da necessidade de as mercadorias serem qualitativamente diferentes, isto é, valores de uso diferentes, elas devem possuir um elemento comum, um elemento que seja capaz de transformar as mercadorias em coisas da mesma família, em coisas que se compensam, pois são iguais. O elemento comum de todas as mercadorias, é o Valor. Assim as mercadorias só se relacionam porque são valores de uso diferentes e objetos da mesma natureza, isto é, objetos de valor. Sendo assim resta definir o que é Valor, mas antes, vale a pena conferir a passagem em que Marx, defini o elemento comum das diferentes mercadorias:

Na própria relação de troca das mercadorias, seu valor de troca apareceu-nos como algo completamente independente de seus valores de uso. No entanto, abstraindo-se agora o valor de uso dos produtos do trabalho, obteremos seu valor como foi definido anteriormente. O elemento comum, que se apresenta na relação de troca ou o valor de troca das mercadorias, é, portanto, seu valor. A continuação da investigação nos levará de volta ao valor de troca como modo necessário de expressão ou forma de manifestação do valor, mas este tem de ser, por ora, considerado independentemente dessa forma. (Grifos Nosso) (Marx, O capital I, p.116) “

Sem querer adiantar o raciocínio, mas podemos já dizer que o dinheiro apenas se torna comprador de tudo, pois ele possui um elemento em comum com todas as mercadorias, o valor. O fato do dinheiro ser um portador de valor, o torna capaz de se relacionar com todas as mercadorias da mesma natureza. Mas por ora, nos deteremos aqui, pois é necessário um longo percurso para entender a mercadoria-dinheiro, bem como os seus elementos de valor e de valor de uso.

Já vimos que, a atividade que cria o valor de uso é o trabalho útil, que consiste em uma atividade específica no qual é dado uma destinação ao uso do objeto. O trabalho criador de valor de uso é da natureza do homem, pois as suas necessidades apenas podem ser satisfeitas, com a obtenção de matérias da natureza e a sua respectiva transformação. Assim tronco de árvore é apenas um elemento da natureza, mas tão logo sofre modificações pela carpintaria (trabalho útil) e se torna uma mesa (objeto útil para realizar refeições) ele se torna um valor de uso. Sendo assim a utilidade de um trabalho, é quando esta atividade é capaz de criar um objeto que satisfaz de necessidade humana. Se a atividade do homem que modifica matérias da natureza, adequando-as para o consumo humano, é o criador de valor de uso, pergunta-se de onde surge o Valor das mercadorias?

O valor de uma mercadoria é o simples fato de ela ser produto do trabalho humano, pelo simples fato de seu corpo representar a acumulação de trabalho humano. O valor da mercadoria não é o formado pela utilidade do trabalho, aqui se leva em conta o simples fato de que para a produção da mercadoria, força de trabalho humana fora gasta e incorporado no corpo da mercadoria. O valor da mercadoria é formado pelo caráter geral do trabalho humano, no qual os diferentes trabalhos úteis, apenas são considerados como diferentes formas de exercício de uma mesma atividade, formas diferentes do exercício do trabalho humano. O trabalho em si não é valor, ele é apenas tal, em estado objetivado, isto é, o valor apenas está contido no corpo onde se acumulou o desgaste de trabalho humano.

Para melhor compreensão dos institutos, podemos dizer que o exercício específico (trabalho útil) de uma atividade geral (trabalho humano ou geral) é o criador de uma mercadoria. E a mercadoria é o resultado de um exercício específico (valor de uso) de uma atividade geral (Valor). O resultado dos diferentes trabalhos úteis, aquele que define uma destinação para a mercadoria, os torna diferentes objetos úteis, cria valores de uso diferentes, enquanto o trabalho humano que se encontra em todos os diferentes trabalhos úteis, cria valor, elemento comum de todas as mercadorias.

Assim como no valor de uso, onde este apenas tem esta característica quando dado em determinada quantidade, o mesmo se dá com o valor de uma mercadoria, onde este apenas existe quando dado em determinada quantidade. A quantidade de um valor é a sua grandeza. Assim a grandeza do valor de uma mercadoria, é determinado pela quantidade de trabalho humano objetivado em sua produção.

Marx defini o valor e a sua grandeza da seguinte maneira:

Assim, um valor de uso ou um bem só possui valor porque nele está objetivado ou materializado trabalho humano abstrato. Mas como medir a grandeza de seu valor? Por meio da quantidade de trabalho nele contida. A própria quantidade de trabalho é medida por seu tempo de duração, e o tempo de trabalho possui, por sua vez, seu padrão de medida em frações determinadas de tempo, como dia, hora etc. (Grifos Nosso) (Marx, O Capital I, p.116) ”

Mas essa grandeza de valor não é estabelecida pelo tempo de trabalho empregado por um único produtor individualmente, ela se submete a leis da produção social de mercadorias e se movimenta conforme ela. Para se estabelecer a medida da grandeza de valor de uma mercadoria, deve-se atentar para o seguinte (1867, Pg.116 e 117):

  1. Cada força de trabalho isolada da sociedade é considerada como a fração de uma única força de trabalho social, portanto o conjunto de todos os produtores é a unidade da força de trabalho humana da sociedade;

  2. As forças de trabalho humana individuais é uma considerada com a outra como iguais; essa igualdade das forças de trabalhos individuais, a sua medida é como social média (força de trabalho social média);

  3. A força de trabalho social média, é o resultado da equação de, considerar as forças de trabalho individuais como distribuídas socialmente, sem diferenças profundas, e através desta distribuição se obtém uma média de produção das forças de trabalho distribuídas na sociedade;

  4. Neste estágio, se considera como o tempo de trabalho necessário, aquele em que exista uma média social para a sua produção, ou seja, o tempo normal e necessário em que se exige de qualquer força produtiva da sociedade o mesmo para a sua produção, o tempo social médio é aquele que qualquer força produtiva da sociedade consegue produzir na média de tempo da sociedade. É o tempo normal em que as forças produtivas da sociedade gastariam para a produção de uma mesma mercadoria, levando em conta o grau de habilidade e de intensidade do trabalho da sociedade.

É apenas o tempo de trabalho socialmente necessário ou médio, é que determina a grandeza de valor da mercadoria. Todas as mercadorias de mesma espécie, possuem a mesma grandeza de valor, pois o tempo necessário para a sua produção é determinado pela média de tempo requerido pela sociedade. As mercadorias no qual o seu tempo necessário é preestabelecido pela média da sociedade, possuem a mesma grandeza de valor.

O valor das mercadorias, acompanha o desenvolvimento das forças produtivas da sociedade. Se ocorre uma mudança no tempo médio requerido da sociedade, imediatamente ocorre uma mudança no valor das mercadorias. Marx enumera duas regras gerais no movimento do valor das mercadorias (Marx, O Capital I, Pg.118), a saber:

  1. Quanto maior a força produtiva social do trabalho, menor é o tempo de trabalho requerido para a produção de um artigo, e se o aumento da força produtiva do trabalho acarretar a diminuição da concentração de duração de trabalho humano em uma mercadoria, resulta na diminuição de seu valor;

  2. Quanto menor a força produtiva social do trabalho, maior é o tempo de trabalho necessário para a produção de um artigo, e se acarreta o aumento da concentração da duração do trabalho, resulta no aumento no valor da mercadoria.

Nem todos valores de uso são mercadorias. Para ser considerada como mercadoria, ela deve ser valor de uso para outra pessoa além de seu produtor e que a satisfação da necessidade ocorra através do processo de troca. Marx define da seguinte maneira:

Uma coisa pode ser valor de uso sem ser valor. É esse o caso quando sua utilidade para o homem não é mediada pelo trabalho. Assim é o ar, a terra virgem, os campos naturais, a madeira bruta etc. Uma coisa pode ser útil e produto do trabalho humano sem ser mercadoria. Quem por meio de seu produto, satisfaz sua própria necessidade, cria certamente valor de uso, mas não mercadoria. Para produzir mercadoria, ele tem de produzir não apenas valor de uso, mas valor de uso para outrem, valor de uso social. {E não somente para outrem. O camponês medieval produziu a talha para o senhor feudal, o dízimo para o padre, mas nem por isso a talha ou o dízimo se tornavam mercadorias. Para se tornar mercadoria, é preciso que o produto, por meio da troca, seja transferido a outrem, a quem vai servir como valor de uso.} Por último, nenhuma coisa pode ser valor sem ser objeto de uso. Se ela é inútil, também o é o trabalho nela contido, não conta como trabalho e não cria, por isso, nenhum valor. (Grifos Nosso) (Marx, O Capital I, p.118) “

Nessa passagem Marx afirma o caráter da mercadoria, que só existe como tal, se ela for o resultado da interferência do homem através do trabalho nas matérias da natureza, capacitando-as a satisfazer necessidade do homem, e o trabalho humano que transforma essa matéria, apenas é considerado como criador de valor, se o resultado de seu trabalho criou um objeto útil para outra pessoa. Igualmente a mercadoria, somente é considerada como tal, quando objeto que constitui valor de uso para outra pessoa além de seu possuidor, é transferido mediante o processo de troca. Por troca, se pressupõe a compensação, ambos os envolvidos necessitam dispor de algo para adquirir, não existe concessão de apenas um lado, ambos devem conceder em condições de igualdade. Aqui em nossa análise, o valor de uso apenas é transferido, se o seu possuidor receber algo em troca. Mas a relação de troca ainda será analisada.

Até aqui neste ponto Marx já nos demonstrou a duplicidade de manifestação de valor da mercadoria, ora como valor de uso e ora como valor, o mesmo ocorre com o trabalho que ora se manifesta como produtor de valores de uso e ora como produtor de valor. (Marx, O Capital I, Pg. 119) O trabalho que cria valor de uso, que estabelece uma finalidade para a mercadoria Marx chama de trabalho útil (Marx, o Capital I, Pg.119). Já o trabalho que cria valor, no quais distintos trabalhos úteis se confrontam como iguais, é o trabalho humano abstrato, no qual se encontra em todos os diferentes exercícios de trabalho úteis, e este trabalho simples é encontrado no corpo de qualquer mercadoria, pois ele representa dispêndio de trabalho humano independentemente de seu caráter útil, e a grandeza de seu valor é determinado pela quantidade de tempo de trabalho objetivado na mercadoria (Marx, O Capital I, p.121).

Conclusão
Vamos nos deter aqui, considero já um grande passo a presente análise da mercadoria. Agora fica restando analisar a forma de valor da mercadoria ou o valor de troca, que como veremos não faz parte da mercadoria, e como o próprio nome indica é apenas uma forma de expressão de um elemento da mercadoria.

Na continuação da pesquisa, pretendo descrever a análise de Marx sobre a forma de valor de uma mercadoria. Mas é compensatório adiantar uma parte do debate.

Marx deixa muito claro que o valor de troca, é apenas a expressão do valor de uma mercadoria em uma relação com outra mercadoria qualitativamente diferente dela. E sendo assim podemos concluir que mercadoria é valor de uso e valor. Valor de troca é apenas a manifestação do valor de uma mercadoria em uma relação com outra mercadoria, e que por isso também recebe a denominação de forma de valor, eis como Marx descreve:

A forma de valor simples de uma mercadoria está contida em sua relação de valor com uma mercadoria de outro tipo ou na relação de troca com esta última. O valor da mercadoria A é expresso qualitativamente por meio da permutabilidade direta da mercadoria B com a mercadoria A. Em outras palavras: o valor de uma mercadoria é expresso de modo independente por sua representação como valor de troca. Quando, no começo deste capítulo, dizíamos, como quem expressa um lugar-comum, que a mercadoria é valor de uso e valor de troca, isso estava, para ser exato, errado. A mercadoria é valor de uso – ou objeto de uso – e ‘valor’. Ela se apresenta em seu ser duplo na medida em que seu valor possui uma forma de manifestação própria, distinta de sua forma natural, a saber, a forma do valor de troca, e ela jamais possui essa forma quando considerada de modo isolado, mas sempre apenas na relação de valor ou de troca com uma segunda mercadoria de outro tipo. Uma vez que se sabe isso, no entanto, aquele modo de expressão não causa dano, mas serve como abreviação. (Grifos Nosso) (Marx, O Capital I, p.136). ”


Referências bibliográficas:

Marx, Karl. A mercadoria. In: _____. O Capital. 1.ed. São Paulo: Boitempo, 2013. p. 113 – 125.

Marx, Karl. A mercadoria. In: ____. Para a Crítica da Economia Política; Salário Preço e Lucro; O Rendimento e suas fontes. [et al]. São Paulo: Abril Cultural, 1982.

Matheus Cunha